20.12.06

II FORUM CULTURAL MUNDIAL

CONVENÇÃO GLOBAL VOLTA-SE AO MERCADO E ÀS POLÍTICAS OFICIAIS

O II Fórum Cultural Mundial, que aconteceu entre o fim de novembro e começo de dezembro, teve como temas centrais as “Diferentes Palavras” no Rio de Janeiro, e as “Boas Notícias” em Salvador. Sobre as diferentes palavras, diversas entidades cariocas reclamaram da mercantilização e do debate oficial governamental na convenção e da falta de participação da sociedade. Na terra de todos os santos, as boas notícias vieram do popular que hoje ocupa o lugar do erudito; os debates da sociedade civil, no entanto, não foram aprofundados, tendo mais destaque a extensa programação artística, devido à associação ao VII Mercado Cultural.

Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior

O Fórum Cultural nasceu em 1998, durante a Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento da UNESCO, em Estocolmo, Suécia, quando se constatou a necessidade de repensar o papel e a situação das Artes e da Cultura em um mundo globalizado. A idéia era a de debater propostas para enfrentar novos desafios como a proteção da diversidade cultural, a economia criativa e a questão dos direitos sobre a propriedade intelectual.

A base da convenção está nos movimentos da sociedade civil, representantes governamentais, instituições, gestores, artistas, intelectuais e agentes culturais. A primeira sede do Fórum foi São Paulo, que recebeu as expressões populares dos quatro cantos do mundo entre 26 de junho e 4 de julho de 2004 (Leia a cobertura completa do I FCM e do II FCM aqui).

Desde 1998, muitas coisas aconteceram com a cultura no mundo. A grande preocupação dos movimentos era o Tratado de Propriedade Intelectual (TRIPs) que fez parte de um pacote de acordos da Organização Mundial do Comércio, em 1994. Depois disso, a sociedade civil conseguiu atingir uma grande vitória, quando foi assinada a Convenção da Unesco sobre a Diversidade Cultural, há um ano. O Brasil, que foi um dos principais articuladores da proposta, ainda não ratificou sua assinatura. O projeto ainda está em trâmite no Congresso, mas deve passar sem grandes conflitos.

Paralelo ao Fórum, no Rio de Janeiro estiveram reunidos cerca de 40 ministros de todo o mundo, que integram a Rede Internacional de Política Cultural. Na pauta central, o debate sobre direitos autorais teve destaque e é consenso a grande preocupação dos gestores da cultura em fortalecer a atuação da Unesco para não ceder às pressões dos Estados Unidos (Leia sobre o assunto). Além disso, a presidência da rede, que estava com o Brasil, passou agora para a Espanha. O grupo nasceu para articular a Convenção da Unesco, ainda em 1998.

Manifesto
O Fórum dos Pontos de Cultura do estado do Rio consideraram necessário manifestar uma posição crítica e de questionamento à forma como foi conduzida a organização do evento. Conforme manifesto divulgado, esta postura dos pontos de cultura reflete um ambiente de
perplexidade e indignação em que se encontram os mais diversos grupos, entidades, artistas e associações culturais da cidade e do estado, que não foram ouvidos, consultados, nem tiveram qualquer interlocução com a organização do evento, seja em sua concepção, convocação ou programação. “A partir dessa análise, consideramos inapropriada a definição deste evento como um fórum, vulgarizando e esvaziando o sentido deste tipo de ação em rede que reúne os mais diversos movimentos sociais Brasil e mundo afora” - consta do manifesto.

As entidades consideram ainda que o evento se orienta por uma lógica de mercado, amparado por uma estratégia promocional e midiática, e organizado conforme os padrões dos grandes festivais e exposições de negócios internacionais, reuniões que se organizam exclusivamente em função de grandes interesses comerciais e econômicos. “Não é esta a lógica de discussão da cultura que nos interessa” - sentencia o documento.

Economia Criativa
Uma das questões mais destacadas da convenção global foi o tema da economia criativa que ganhou base de discussão com o lançamento da inédita pesquisa sobre os números da cultura produzida pelo IBGE. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, informou durante a conferência do Rio que seu ministério está se empenhando para transformar em realidade, já nos próximos meses, o Observatório Internacional de Economia da Cultura. A iniciativa, segundo Gil, nasceu “de uma provocação feita pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em 2004, em São Paulo, e seu funcionamento vem sendo amplamente debatido desde então”.

Esse observatório, de acordo com o ministro, seria um centro de referência da economia criativa, com sede no Brasil, e abrigaria números, estudos, textos, canais interativos, informações, toda sorte de referência, conhecimento sobre o setor. “Já temos levado muito tempo conceituando o que é o conteúdo, o que é a forma dessa instituição e temos que começar a trabalhar. E não há nenhuma ferramenta de trabalho mais interessante hoje em dia do que a ferramenta eletrônica, pela internet”, analisou o ministro, prevendo a melhor formulação do trabalho em rede.

Gil disse ainda que a intenção do ministério, sujeita ainda a aprovações, é de instalar o Observatório Internacional no Centro Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, que é uma instituição internacional recém-criada no Rio de Janeiro (Leia também sobre a discussão de economia criativa em Salvador).

O diretor brasileiro, Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido afirmou também que não há problemas nas oportunidades de comercialização que se apresentam para a cultura no mundo globalizado, desde que seja preservada a arte da criação. “Cultura pode se transformar em indústria, se inserir na economia, mas desde que o artista seja o criador e o produtor atue a partir da sua criação”.

Ele alertou, no entanto, que na ótica do mercado interessa promover tanto sabão em pó quanto quadros, pois há mercado para isso, mas que não se pode incorrer no erro de confundir "saponáceo" com cultura. “Não tenho nada contra o comércio. Admiro os comerciantes que fazem da sua atividade uma arte, mas tenho pena dos artistas que fazem da sua arte um comércio”, afirmou Boal.

Cidadania Cultural
Gil destacou ainda a necessidade de incorporar saberes tradicionais que fazem parte cultura brasileira, como a capoeira e a culinária, por exemplo, ao universo da educação formal para que esses saberes sejam transmitidos aos mais jovens. Para ele, a falta de reconhecimento das práticas culturais é uma limitação à cidadania plena.

O ministro lembrou mestres capoeiristas, como Bimba e Pastinha, que levaram a capoeira a vários países do mundo difundindo a imagem do Brasil, sem nunca terem recebido apoio governamental para isso. “Desde a escravidão, o Estado brasileiro esteve de costas para os mestres do saber. Isso começa a mudar a partir do momento que incorporamos a noção de cidadania, a sociedade como horizonte final da políticas culturais”, defendeu (leia mais).

O equatoriano Francisco Huerta Montalvo, secretário do Convênio Andrés Bello, entidade cultural com atuação no âmbito da América Latina, ressaltou, também na conferência carioca, o papel da cultura para o exercício da cidadania e para viabilizar a democracia. “Não existe democracia sem cidadania, mas infelizmente, na maior parte dos nossos países, somos apenas habitantes com cédulas de identidade e temos possibilidade de votar, no entanto não existe cidadania sem cultura”. Segundo ele, construir a cidadania com a cultura exige principalmente mudanças drásticas na educação.

Assim como Gil, Montalvo também destacou a identidade como foco no desenvolvimento da arte e da cultura. “Não é só o fator de consumo, mas a capacidade de produzir arte”.

Selo Cultural
Na reunião entre os ministros, ainda entrou em pauta uma questão mais imediata que seria a criação de um “selo cultural” para promover a cooperação, o intercâmbio e a maior facilidade no trânsito aduaneiro de bens culturais, a exemplo do que já foi feito no âmbito do Mercosul. Segundo Gilberto Gil, houve o comprometimento dos presentes quanto à necessidade de serem feitos os estudos para viabilização da iniciativa, “inclusive com as devidas adaptações das respectivas legislações aduaneiras de cada país da Comunidade”. Mas, para o ministro, é possível que o selo seja adotado já em 2007.

Entre outros assuntos discutidos no encontro, a ministra da Cultura de Portugal, Isabel Pires de Lima, destacou como importantes a criação de um Fórum Permanente das Comunidades Lusófonas e a de um fundo, com recursos públicos e privados, para financiar co-produções de cinema e TV.

Futuro
Depois desta segunda edição no Brasil, o Fórum Cultural Mundial deverá ser realizado a cada dois anos em um país diferente. O próximo encontro ainda não tem sede definida. A grande plataforma de debates do FCM é a Convenção Global, um espaço aberto para a reflexão em torno das perspectivas culturais e realidades sociais de todo o mundo, estimulado por painéis, conferências, simpósios, oficinas, e provocações. Na pauta da Convenção, estão questões como Cultura e Cidadania; Economia Criativa; Direitos sobre Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias; Direitos Culturais; Cultura para Paz; Culturas e Globalização; Diálogos Sul-Sul; Hegemonia e Diversidade; Cultura e Desenvolvimento; e Democratização das Comunicações.

Além da Convenção Global, ocupam lugar de destaque nas atividades do FCM 2006 os Eventos Associados, que prevêm os seguintes encontros de autoridades e representantes de redes e fundações culturais: o Encontro Mundial de Redes Culturais; o Encontro Anual da Rede Internacional das Políticas Culturais; o Encontro Anual de Ministros da Cultura da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa); o Encontro Internacional de Fundações; o Encontro Anual da Rede Internacional de Diversidade Cultural; e Encontro de Ministros da Cultura do Mercosul.

* com informações da assessoria de imprensa do Fórum e Agência Brasil.

19.12.06

Leandro Gomes de Barros, o Rei Sertanejo

Em seu ITINERÁRIO DE PASÁRGADA, falando sobre “Mario de Andrade e a questão da língua”, nosso grande Manuel Bandeira cita a Peleja de Antônio Batista e Manuel Cabeceira, de Leandro Gomes de Barros:

Fiz Romano atropelar-se
E fiz Germano correr,
Abocanhei Ugolino
Porém não pude morder.

Mas, quem foi Leandro Gomes de Barros?
Vamos deixar a resposta com Carlos Drummond de Andrade, publicada no Jornal do Brasil em 9 de setembro de 1976:

“Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do País, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de “Ouvir Estrelas...”

Então, Leandro Gomes de Barros foi o Príncipe dos Poetas brasileiros? É novamente Drummond quem explica:

“...E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros. Um é poeta erudito, produto da cultura urbana e burguesa média; o outro, planta sertaneja vicejando à margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebiam com flores. Este, espalhava seus versos em folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pé no chão.”

“...Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro.”

Então: Leandro Gomes de Barros foi Rei. Foi? Ou É?

Difícil responder, pois Chico Xavier, o famoso médium, psicografou esses versos de Leandro muito, muito tempo depois de sua morte:

1. O comboio para o além
Passa por todo lugar,
Mas a morte não avisa
O dia em que vai passar.

2. Era louca por diamantes
Dona Isa Lindomar
Morreu lamentando as jóias
Que não podia levar.

3. Moda em moça eu não entendo
E nem sei como vai indo...
Decote sempre descendo
E saia sempre subindo.

4. Moda em moça eu não entendo
E nem sei como vai indo...
Decote sempre descendo
E saia sempre subindo.

Leandro Gomes de Barros nasceu em Pombal, Paraíba, no dia 19 de novembro de 1865 e faleceu em Recife, Pernambuco, no dia 4 de março de 1918. Ainda criança, conviveu com violeiros lendários, como Inácio da Catingueira, Ugolino e Nicandro Nunes da Costa, Romano Mãe d’Água, Bernardo Nogueira, etc., etc. que despertaram nele o fascínio pela viola.

Além de poeta - Rei dos Poetas, como disse Drummond - foi um grande editor, levando a Literatura de Cordel aos mais longínquos povoados desse imenso território brasileiro.

Câmara Cascudo nos diz que ele “Viveu exclusivamente de escrever versos populares, inventando desafios entre cantadores, arquitetando romances, narrando as aventuras de Antônio Silvino, comentando fatos, fazendo sátiras. Fecundo e sempre novo, original e espirituoso, é o responsável por 80% dos cantadores atuais. Publicou cerca de mil folhetos, tirando deles dez mil edições. Esse inesgotável manancial correu ininterrupto enquanto Leandro viveu. É ainda o mais lido dos escritores populares. Escreveu para sertanejos e matutos, cantadores, cangaceiros, almocreves, comboieiros, feirantes e vaqueiros. É lido nas feiras, nas fazendas, sob as oiticicas nas horas do “rancho”, no oitão das casas pobres, soletrado com amor e admirado com fanatismo. Seus romances, histórias românticas em versos, são decorados pelos cantadores... Um dia, quando se fizer a colheita do folclores poético, reaparecerá o humilde Leandro Gomes de Barros, vivendo de fazer versos, espalhando uma onda sonora de entusiasmo e de alacridade na face triste do sertão.”

Depois de Bandeira, Mário de Andrade, Drummond, Câmara Cascudo, etc., etc. fico encabulado ao escrever qualquer coisa sobre esse poeta nordestino, esse poeta brasileiro. Portanto, vamos transcrever um romance seu, escolhido ao acaso em sua obra gigantesca e bela:

ANTONIO SILVINO
o rei dos cangaceiros

O povo me chama grande
E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.

Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?

O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.

Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.

Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: Doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.

O padre José Paulino,
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.

Porém deixe estar o padre,
Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.

Depois ele não se queixe,
Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.

Um dos cabras que mataram,
Valia três Ferrabrás
Eu não dava por cem papas,
Nem quinhentos cardeais
Não dava-o por dez mil padres
Pois ele valia mais.

Mas mestre padre entendeu
Que ia acertadamente
Em pegar meus cangaceiros
E fazer deles presente,
Quem tiver pena que chore
Quem gostar fique contente.

Meus cangaceiros morreram
Mas ele morre também,
Eu queimando os pés aqui
Nem mesmo o diabo vem,
Eu não vou criar galinhas
Pra dar capões a ninguém.

Tudo aqui já me conhece
Algum tolo inda peleja,
Eu sou bichão no governo,
Eu sou trunfo na igreja
Porque no lugar que passo
Todo mundo me festeja.

No norte tem quatro estados
À minha disposição,
Pernambuco e Paraíba
Dão-me toda distinção,
Rio Grande e Ceará
Me conhecem por patrão.

No Pilar da Paraíba
Eu fui juiz de direito,
No povoado Sapé,
Fui intendente e prefeito,
E o pessoal dali
Ficou todo satisfeito.

Ali no entroncamento
Eu fui Vigário Geral,
Em santa Rita fui Bispo,
Bem perto da capital,
Só não fui nada em Monteiro
Devido a ser federal.

Porém tirando o Monteiro,
O resto mais todo é meu,
Aquilo eu faço de conta
Que foi meu pai que me deu
O governo mesmo diz:
Zele por tudo que é seu.

Na vila de Batalhão,
Eu servi de advogado,
Lá desmanchei um processo
Que estava bem enrascado,
Livrei três ou quatro presos
Sem responderem jurado.

Só não pude fazer nada
Foi na tal Santa Luzia.
Perdi lá uma eleição,
Mas o velho rifão diz:
Roma não se fez num dia.

O padre José Paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha,
Depois não se meta em pau.

Eu já encontrei um padre,
Recomendado de papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para um tapa,
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquela garapa.

Quando o rechonchudo viu
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu braço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.

Eu gritei-lhe: Padre mestre,
Me ouça em confissão.
Ele respondeu-me: dane-se
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.

Eu inda o deixei correr
Por ele ser sacerdote,
Para cobra só faltava
Enroscar-se e dar o bote,
Aonde ele foi vigário,
Quatro levaram chicote.

Foi tanto qu’eu disse a ele:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos,
Veja que está iludido,
Eu lhe respeito a coroa,
Porém não o pé do ouvido.

O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro,
Amaldiçoava quem desse
Rancho a qualquer cangaceiro,
Enterrou uma fortuna
E eu sonhei com o dinheiro!

Então fui na casa dele,
Disse, padre eu quero entrar,
Sonhei com dinheiro aqui
E preciso o arrancar,
Quero levá-lo na frente
Para o senhor me ensinar.

O padre fez uma cara,
Que só touro agastado,
Jurou por tudo que havia,
Não ter dinheiro enterrado,
Eu lhe disse, padre mestre,
Eu cá também sou passado.

Lance mão do cavador,
E vamos ver logo os cobres,
Esse dinheiro enterrado
Está fazendo falta aos pobres,
Usemos de caridade
Que são sentimentos nobres.

Dez contos de réis em ouro
Achamos lá num surrão,
Três contos de réis em prata
Achou-se noutro caixão,
Eu disse: padre não chore,
Isso é produto do chão.

O padre ficou chorando
Eu disse a ele afinal
Padre mestre este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal.

Ajuntei todos os pobres
Que tinham necessidade
Troquei ouro por papel
Haja esmola em quantidade
Não ficou pobre com fome
Ali naquela cidade.

O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.

Um desses ditos rapazes
Estava até tuberculoso
O segundo era um asmático
O terceiro era um leproso
O urubu que o comeu
Deve estar bem receoso.

Tive nos meus cangaceiros
Um prejuízo danado
Primeiro foi Rio-Preto,
Segundo Pilão-Deitado,
Os homens mais destemidos
Que tinham me acompanhado.

Eu juro pelo meu rifle,
Que o Padre José Paulino
Cai sempre na ratoeira
E paga o grosso e o fino,
Não há de casar mais homem,
Nem batizar mais menino.

Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócio do Estado?!...
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado.

Em vez de estudar o meio
Para nos aconselhar,
Só quer saber com acerto
Armar rifle e atirar,
Lá onde ele ordenou-se,
Só lhe ensinaram a brigar.

Depois ele não se queixe,
Nem diga que sou malvado,
Ele nunca assentou praça
Como pode ser soltado?
Não tem razão de queixar-se,
Se tiver mau resultado.

Quatro estados reunidos
Tratam de me perseguir,
Julgam que não devo ter
O direito de existir,
Porém enquanto houver mato,
Eu posso me escapulir.

Eu ganhando essas serras,
Não temo alguém me pegar
Ainda sendo um que pegue,
Uma piaba no mar,
Um veado em mata virgem
E uma mosca no ar.

Eu já sei como se passa
Cinco dias sem comer,
Quatro noites sem dormir,
Um mês sem água beber,
Conheço as furnas onde durmo
Uma noite se chover.

Uma semana de fome,
Não me faz precipitar,
Mato cinco ou seis calangos
Quatro ou cinco lagartixas,
Dão muito bem um jantar.

Eu passei mais de um mês
Numa montanha escondido,
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido.
Por essa também
Eu fui muito perseguido.

Era um lugar esquisito,
Nem passarinho cantava!...
Apenas à meia noite
Uma coruja piava,
Então uma grande onça,
De mim não se descuidava.

Havia muitos mocós,
Eu não podia os matar,
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar,
No estampido do tiro
Era fácil alguém me achar.

Passava-se uma semana
Que nada ali eu comia,
Eu matava algum calango
Que por perto aparecia
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.

Quando apertava-me a sede
Pegava a coroa-de-frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade.
Lá eu conheci o peso
Da mão da necessidade.

Um dia que a tropa andava
Na serra me procurando
Viram que um grande tigre,
Estava em frente os emboscando
Um dos oficiais disse:
Estamos nos arriscando.

E o Antonio Silvino
Não anda neste lugar,
Se ele andasse, aquela onça
Havia de se espantar,
Eu estava perto deles,
Ouvindo tudo falar.

Ali desceu toda a tropa,
Não demoraram um momento,
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento,
Por minha felicidade
Deixou-o por esquecimento.

Eu estava dentro do mato,
Vi quando a tropa desceu
O tigre soltou um urro,
Que o tenente estremeceu
Até a borracha d’água
Um dos praças perdeu.

Quando eu vi que a tropa ia
Já numa grande lonjura,
Fui, apanhei a mochila,
Achei carne e rapadura,
Farinha queijo e café,
Aí chegou-me a fartura.

Achei a borracha d’água
Matei a sede que tinha,
A carne já estava assada,
Fiz um pirão de farinha
Enchi a barriga e disse:
Deus te dê fortuna, oncinha.

Porque a tua presença,
Fez toda a força ir embora,
O ronco que tu soltaste
Encheu-me a barriga agora,
Eu com a sede que estava
Não durava meia hora.

E é agora o que faço,
Havendo perseguição,
Procuro uma gruta assim
E lá faço habitação,
Só levo lá, um dos rifles
E o saco de munição.

Me mudo para uma furna
Que ninguém sabe onde é,
A furna tem meia légua
Marcando de vante a ré,
A onça chega na boca
Mas dentro não põe o pé.

A onça conhece a furna,
Desde a entrada à saída
Porém qual é essa fera
Que não tem amor à vida?
Uma onça parte assim,
Se vendo quase perdida!...

Quando eu deixar de existir
Ninguém fica em meu lugar,
Ainda que eu deixe filho,
Ele não pode ficar,
Porque a um pai como eu
Filho não pode puxar.

Pode ter muita coragem
Ser bem ligeiro e valente,
Mas vamos ver se suporta
Passar três dias doente,
Com sede de estalar beiço,
E fome de serrar dente.

Se não tiver natureza
De comer calango cru,
Passar um mês sem beber água
Chupando mandacaru,
Dormir em furna de pedra
Onde só veja tatu.

Não podendo fazer isso,
Não pense em ser cangaceiro,
Que é como um cavalo magro
Quando cai no atoleiro,
Ou um boi estropiado
Perseguido do vaqueiro.

Há de ouvir como cachorro,
Ter faro como veado,
Ser mais sutil do que onça,
Maldoso e desconfiado,
Respeitar bem as famílias,
Comer com muito cuidado.

Andar em qualquer lugar
Como quem está no perigo,
Se for chefe de algum grupo
Ninguém dormirá consigo.
O próprio irmão que tiver,
O tenha como inimigo.

O cangaceiro sagaz
Não se confia em ninguém,
Não diz para onde vai,
Nem ao próprio pai se tem,
Se exercitar bem nas armas,
Pular muito e correr bem.

Eu meu grupo tem entrado
Cabra de muita coragem,
Mas acha logo o perigo
E encontra a desvantagem
Foge no meio do caminho,
Não bota o meio da viagem.

Porque andar vinte légua
Isso não é brincadeira,
E romper mato fechado,
Subir por pedra e ladeira,
Como eu já tenho feito,
Não é lá coisa maneira.

Pegar cobra como eu pego
Quando ela quer me morder,
Cascavel com sete palmos,
Só se Deus me proteger,
Mas eu pego quatro ou cinco
E solto-a, deixo-a viver.

Que é pra ela saber,
Que só eu posso ser duro,
Eu já conheço o passado,
Nele ficarei seguro,
Penso depois no presente,
Previno logo o futuro.

Este é Leandro Gomes de Barros, brasileiro e poeta, que deixou a nós uma herança tão grande que não cabe num agradecimento. A ele pedimos a benção e, dedilhando a viola, soltando nossa voz para louvá-lo, louvamos também a toda essa Brava Gente Brasileira.

Autor: Yassir Chediak

13.12.06

ERUDITO X POPULAR

TRADIÇÕES PROCURAM ESCAPAR DO RÓTULO ELITISTA DO FOLCLORE

Para o II Fórum Cultural Mundial e o VII Mercado Cultural, realizados em Salvador no início de dezembro, o popular é erudito, pois está recheado de sabedoria. Por isso, a Fundação Gregório de Matos organizou dentro da programação dos eventos os Encontros de Culturas Eruditas, reunindo recitais, os tambores do Candomblé, flautas, piano, e até dança de rua.

Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior

SALVADOR - No estudo das culturas, a música erudita é sinônimo de clássico. Os dicionários musicais costumam definir a música erudita em três pontos: a música "séria" em oposição à música popular, música folclórica, música ligeira ou de jazz; qualquer música em que a atração estética resida principalmente na clareza, no equilíbrio, na austeridade e na objetividade da estrutura formal, em lugar da subjetividade, do emocionalismo exagerado ou da falta de limites de linguagem musical; e a terceira é dizer que seria a música feita durante o período de 1750 a 1830, em especial a de Haydn, Mozart e Beethoven.

Definições e regras musicistas à parte, partindo da análise etimológica da palavra erudito, compreenderemos que a expressão corresponde àquele que recebeu instrução, o conhecedor, o sábio. Assim sendo, onde se encaixam os tantos mestres da cultura que muitas vezes sem saber ler ou escrever constituem a formação tão vasta e desconhecida das tradições orais brasileiras?

Para o II Fórum Cultural Mundial e o VII Mercado Cultural, realizados em Salvador no início de dezembro, o popular é erudito, pois está recheado de sabedoria. Por isso, a Fundação Gregório de Matos organizou dentro da programação dos eventos os Encontros de Culturas Eruditas, reunindo recitais, os tambores do Candomblé, flautas, piano, e até dança de rua.

Segundo o presidente da Fundação, Paulo Costa Lima, o objetivo é procurar um conceito de erudição que subverta a visão elitista sobre o termo. “Precisamos preservar e difundir todos os tipos de saberes. Assim, buscamos o reconhecimento dos mestres das culturas populares. Há uma diferença entre conhecimento e sabedoria. Mas a sabedoria também é uma erudição”, explica.

O músico e pesquisador paraibano radicado em Alagoas, Naldinho, considera errôneo o termo “culturas populares”. Ele prefere trabalhar com o conceito de “tradição oral”, justamente para incluir essas expressões no universo erudito. Naldinho, que lançou no Mercado Cultural o disco Raízes, experimentando os batuques nordestinos, diz que já passou da hora dessas tradições encontrarem o devido reconhecimento artístico.

Boas Notícias
Desse princípio, nasce também o tema do Fórum de Salvador. As Boas Notícias, que atracaram na capital da Bahia, revelaram um novo momento para a cultura e para o debate de suas políticas públicas. Um reflexo reconhecido em todos os espaços do Fórum como resultado do processo natural da produção artística aliada ao pensamento de Gil no MinC, revelando e incentivando as culturas populares, ao invés de incentivar a mal chamada e elitizada cultura erudita.

Nas ruas e espaços do evento em Salvador, isso ficou claro. O Terreiro da Casa Branca, o mais antigo templo afro-descendente das Américas, foi um dos lugares que abrigou toda essa diversidade. Os alabês do Ilê Fun Fun fizeram todas as saudações do Candomblé, no país onde, antes do historiador Jaime Sodré, o que não era cristão era visto como seita.

Sodré lançou durante o Mercado uma pesquisa sobre a influência da religião afro-brasileira na obra escultórica de Mestre Didi. Ele entende que o meio acadêmico tem uma visão distorcida das produções populares, ainda mais a negra. “A universidade pensa essa arte como folclore. Precisamos reverter essa visão simplista e elitizada”.

Canibalismo
Naldinho, em entrevista à Carta Maior, lembrou de um causo ocorrido em Maceió. Mestre Verdilinho foi convidado a participar de um debate sobre a preservação das tradições orais e um antropólogo que estuda no exterior comporia a mesa com ele. O vôo do antropólogo atrasou e Mestre Verdilinho teve de esperar mais de uma hora até o acadêmico chegar: “O antropólogo foi o primeiro a falar e tratou da cultura com tanta propriedade que quando chegou a vez do velho mestre, Verdilinho recusou-se a falar ou a tocar seu pandeiro. Apenas deu seu pandeiro ao ‘doutor’ e pediu para ele fazer um coco alagoano. E o ‘doutor’ ficou em silêncio vendo o mestre sair da sala sob os aplausos”.

Naldinho narra a história para exemplificar dois graves problemas de exploração que sofrem as tradições: o canibalismo e a espetacularização. “Essas coisas acontecem tanto do meio acadêmico, que simplesmente explora as expressões e os saberes sem devolvê-los às comunidades, quanto de músicos que não regionais que transformam tudo em um espetáculo para ser comercializado, através da mídia, com uma visão preconceituosa”, conclui o músico.

12.12.06

CULTURA: O DNA DO INTANGÍVEL

ECONOMIA CRIATIVA APONTA CAMINHOS PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Com a produção e acúmulo de riquezas intangíveis no lugar de bens materiais, a cultura pode desempenhar o papel de condutora de um processo de real desenvolvimento e não apenas de crescimento.

Quando, em 1958, John Kenneth Galbraith, estudioso economista do capitalismo americano, profetizou que, em um futuro não muito distante, o motor da economia seria a produção e o consumo de bens culturais, poucos foram os que deram a atenção devida ao assunto. Galbraith já acrescentava que o sistema de distribuição seria excludente e divisor da sociedade, tanto entre aqueles que teriam o acesso ao consumo desses bens, quanto aos países e indústrias que centralizariam a produção e, principalmente, a distribuição das produções.

O rumo seria, portanto, o da crescente acumulação de riquezas intangíveis, produtos da engenhosidade e criatividade humana. Essa capacidade do homem da criação do e sobre o nada, ou quase nada, a partir da sua inter-relação com o outro é o que supera a antiga visão das indústrias de consumo baseada na produção a partir de bens materiais esgotáveis ou das linhas de trabalho com mão-de-obra barata.

Hoje, é inegável que a chamada economia criativa representa o futuro. Um futuro presente. Não é à toa que os principais produtos da pauta de exportação dos Estados Unidos advêm da indústria cultural e dos signos e valores criados na propriedade intelectual, patrimônios imateriais.

Estimativas da Organização das Nações Unidas apontam a cultura como responsável por 7% do produto mundial bruto, com movimento financeiro de US$ 1,3 trilhão. Em razão de lhe ser atribuída uma expansão de 10% ao ano, muito superior à medida da economia global. O novo setor baseado na criatividade, ainda sem definição precisa, compreende desde o artesanato aos diferentes produtos artísticos e às novas tecnologias, como programas de informática.

“Poderíamos chamá-la de ‘a riqueza dos pobres’, a fim de mostrar precisamente que, em matéria de cultura e arte, os que chamamos de pobres – os jazzistas de New Orleans e do Mississipi, os guajiros cubanos inventores do son, os compositores dos morros cariocas que vendiam seus sambas a dez mil réis para cantores de rádio – eram os verdadeiros milionários a esbanjar talento, a desperdiçar a beleza em troca de alguns tostões para sobreviverem e não serem obrigados a lavar automóveis, conforme aconteceu com Cartola até ser redescoberto”, afirma Rubens Ricupero no prefácio do livro recém-lançado de Ana Carla Fonseca Reis, Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável – O Caleidoscópio da Cultura.

Francisco Simplício, coordenador do Programa de Economia Criativa do Sul-Sul da Onu, em debate no II Fórum Cultural Mundial, em associação ao VII Mercado Cultural, realizado entre 1º e 4 de dezembro em Salvador, afirma que apenas as leis do mercado não garantem o desenvolvimento. Ou seja, a cultura não pode tornar-se refém do livre comércio. É necessário um amplo plano de políticas públicas que pensem a sustentabilidade da mesma maneira que deveríamos pensar o meio ambiente.

Hoje, apenas cinco países controlam 60% do mercado cultural. Em outros setores, esse monopólio não existe. A América Latina e a África, com toda a diversidade que possuem, não somam 4% de movimentação nesse restrito mercado. “A sociedade civil tem um papel essencial no processo de mobilização e transição entre os governos e as políticas”, pontua Simplório.

Membro da coordenação do Fórum, Paulo Miguez, que dirige o Instituto de Pesquisas Internacional de Economias Criativas, criado no ano passado pelo MinC, reforça a idéia de que existe uma profunda mudança rota na economia: “As chaminés estão sendo substituídas pela cultura e pela comunicação. O combate econômico tem de ser travado pela cultura. E é pela economia que mudaremos essa cultura de consumo”.

CONCENTRAÇÃO
Ana Carla Fonseca Reis, em entrevista à Carta Maior, disse que a concentração do mercado é o grande problema. Ela lembra que 80% das salas de cinema do mundo estão nas mãos das empresas de Hollywood. “É essa a escolha que nós temos? Se não sabemos que existem outras coisas então não temos liberdade nenhuma de escolha”.

Outro fator relevante para o debate da economia criativa destacado por Ana Carla é que a cultura é um bem de consumo insaciável. Sendo um filão de negócios que não se encerra. Quanto mais as pessoas adquirem cultura mais elas querem. É diferente de comprar comida, quando se consome apenas o necessário.

“Não quero tratar cultura como mera mercadoria. Querendo ou não, vivemos em uma sociedade capitalista. Podemos nos aproveitar disso e dizer para os governos e empresas investirem na cultura e que existam políticas para regular tudo isso, garantindo diversidade e a não concentração em oligopólios. Só há liberdade se houver acesso à produção, à distribuição e ao consumo”, declara a representante do Instituto Pensarte.

“A grande lição do desenvolvimento sustentável também não é tornar as pessoas mais gordas. O objetivo é prepará-las a participar da comunidade, libertá-las para além da fome”, define Paulo Miguez.

Lala Deheinzelin, artista e produtora cultural, destaca que todos os problemas são culturais na sociedade contemporânea. Os que não são culturais são decorrentes da cultura: “O que veio primeiro, a cultura ou o desenvolvimento? A cultura é o DNA do intangível. Toda mudança e transformação é cultural. Assim nasce o paradigma do desenvolvimento, ao invés do crescimento econômico”.

Recente pesquisa do IBGE mostra que famílias brasileiras consomem mais cultura do que diversos outros bens. Isso reforça a necessidade de uma melhor atenção para a indústria criativa e maior orçamento para o Ministério da Cultura (leia mais).

Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior

1.12.06

Orquestra de Uberaba e a Associação Cultural Antenógenes Silva

LANÇADA EM 23 DE OUTUBRO DE 2001, COM UM PÚBLICO DE APROXIMADAMENTE MIL PESSOAS, SUPERLOTANDO A SALA DE APRESENTAÇÕES E DEPENDÊNCIAS EXTERNAS DO ANFITEATRO CECÍLIA PALMÉRIO, A ORQUESTRA DE UBERABA NÃO EMPLACOU 2002 EM VIRTUDE DE DIFICULDADES FINANCERIAS PARA SUA MANUTENÇÃO.

Meus compadres e minhas comadres.

Estamos em compasso de espera, aguardando aprovação do projeto que enviamos à Secretaria de Estado da Cultura, onde pleiteamos nosso cadastramento na Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais para viabilizar, novamente, a nossa sempre sonhada Orquestra de Uberaba.

Depois da fase de cadastramento daremos início à mais uma peregrinação buscando alavancar recursos junto às empresas privadas para a manutenção desse tão importante organismo para a nossa cultura.
Os futuros patrocinadores abaterão no ICMS a ser pago ao Estado os recursos destinados à Orquestra que oferecerá uma contrapartida na mesma proporção ao orçamento de seu projeto.

O projeto para funcionamento da Orquestra de Uberaba destaca-se pelo seu compromisso com as causas sociais e pretende, atendendo a demanda artística da periferia da cidade - verdadeiro celeiro de talentos musicais - ministrar aulas de instrumentos sob responsabilidade dos integrantes da Orquestra, e estes, por outro lado, serão também orientados por profissionais de reconhecidos méritos e trabalhos relevantes dentro da magistratura musical.

Quando do lançamento da Orquestra em 2001 pude fazer um pronunciamento ao público reconhecendo-o como nosso maior parceiro tamanha a receptividade e reciprocidade. Contamos na oportunidade com apoios culturais expressivos como os da Bell Soft e Fundação Cultural de Uberaba.

Há que se destacar também o envolvimento de setores organizados e representativos que além de estarem presentes para expressarem seu apoio participaram de todo o processo de implantação da orquestra numa cumplicidade sem par na história cultural de Uberaba.

O primeiro concerto da Orquestra de Uberaba teve destaque amplo na imprensa local e inclusive transmissão pela TV, o que nos confirmou ser a Orquestra um sonho de todos nós.

Recebemos, durante este pouco tempo de atividades, convites para apresentações em Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana e São João Del Rey e nos fizemos presentes no SESC de Ribeirão Preto em uma apresentação memorável juntos com o grupo de percussão da periferia de Uberaba,“Os Tribais”.


NOVOS DESAFIOS

Agora, com a compra do Cine Vera Cruz pela Prefeitura Municipal de Uberaba e com sua transformação em Teatro Municipal Vera Cruz a comunidade artística e cultural da cidade está sendo chamada a novos desafios.

Todos sabemos o que significa para uma cidade ter seu teatro municipal, com instalações amplas capaz de receber um público de mais de mil pessoas. A produção local tem que se fazer presente, aprimorando-se, buscando incansavelmente, e cada vez mais, atingir os melhores índices técnicos e estando sempre se superando.

Ainda somos muito deficientes quando o assunto é obtenção de recursos para nossas produções ou ações culturais, principalmente quando se trata de elaboração de projetos, sejam eles para a Lei de Incentivo do Estado, Lei Rouanet e similares.

A necessidade em se comprometer a crescer técnica e artísticamente e poder mostrar sempre ao nosso público um trabalho cada vez mais elaborado nos fará contribuir para o aprimoramento não somente nosso, enquanto artistas e agentes culturais, mas também desse público, e esse, com um grau de exigência maior - impulsionado também pelas produções vindas dos grandes centros já que agora temos um teatro a altura de recebe-las – nos forçará a estarmos sempre numa ascendente, buscando sempre a atualização de conteúdos, de conceitos, técnicas e valores artísticos e culturais.

Sob essa imposição da nova realidade que Uberaba busca para a área cultural é que estão arraigadas as propostas para nossa Orquestra. Não quero mais falar da necessidade de termos uma orquestra porque isso já cansou! Quero dizer que em cima dos seguintes questionamentos estamos norteando nossa ação na busca de um organismo cultural alto-sustentável e que não sofra retrocessos.

1. Como buscar a excelência operacional em todos nossos setores?
2. Como fazer para que todos nossos músicos cresçam e se tornem cada vez mais aptos a contribuir para termos uma orquestra de ponta e a altura do que nossa cidade exige?
3. Como fazer para elaborar projetos para as leis de incentivo e não correr o risco de não serem aprovados?
4. Como fazer para que nossa captação de recursos seja eficiente?

A primeira iniciativa que adotamos foi enviar um projeto para a Lei do ICMS, de Minas Gerais, que na ausência de uma entidade para sua proposição acabou sendo feita no âmbito da pessoa física.

O segundo passo foi criar uma pessoa jurídica que pudesse cumprir o papel de gerir nossas atividades.

Já tínhamos uma associação fundada na década de 80, fruto das discussões travadas no interior dos três festivais de verão, realizados em Uberaba nos anos de 86, 87 e 88. Em total inatividade desde a extinção do Festival de Verão, sócios fundadores da Associação Profissional dos Artistas - APA se reuniram recentemente e transformaram-na em ACUAS - Associação Cultural Antenógenes Silva.

Seu lançamento ao público será no dia 23 de dezembro, às 20:30h, no T.E.U., com uma apresentação da Orquestra de Uberaba onde atuarei como solista, apresentando um trabalho de cultura popular entitulado “TRAVESSIA” com rabeca, poesias caboclas, literatura de cordel e causos.

Será através da ACUAS e da Orquestra de Uberaba que atingiremos nossa excelência operacional. Nosso intuito nesse primeiro momento é aparelhar nossos músicos cada vez mais e revelar novos talentos para nossa orquestra sem nunca abandonar o ideal de sermos uma orquestra de primeira linha, capaz de levar o nome de Uberaba para dentro das agendas culturais do Brasil.

Para tanto, nosso projeto aponta para a vinda de professores notadamente capacitados para a formação técnica e artística de nossos músicos, que além das atividades da Orquestra terão a oportunidade de estarem ministrando aulas para jovens carentes na busca de novos talentos. Isso faz da Orquestra de Uberaba uma orquestra cidadã e faz que sua alto-sustentabilidade esteja comprometida e entrelaçada a ação social que se propõe.

Um outro aspecto que buscamos é poder também aparelhar nossos futuros profissionais da área de projetos, marketing, produção e captação.

Uma das primeiras atividades da ACUAS será trazer a Uberaba profissionais do Estado, do Governo Federal e de outras ongs para nos auxiliar em nosso aperfeiçoamento no sentido de nos tornarmos cada vez mais eficazes na elaboração e agenciamento de projetos. Essas atividades serão abertas a toda comunidade. Necessitamos deste aparelhamento para, inclusive, estarmos capacitados a capacitar a parcela do empresariado que desconhece as vantagens das leis de renúncia fiscal.

Nossa ação está galgada na obtenção de recursos junto às empresas privadas e através de parcerias com o poder público como as que já estão ocorrendo com a Fundação Cultural de Uberaba e outras entidades de natureza congênere à nossa.

Temos potencial e vontades incalculáveis para atingirmos nossas metas e as contribuições do nosso projeto encontram apoio no desenvolvimento da atividade musical e começam, portanto, pela sua conceituação básica, passam pela administração e produção profissionalizadas, pela adoção de estratégias de marketing e terminam com a estruturação de uma identidade para a ACUAS – Associação Cultural Antenógenes Silva, enquanto mantenedora da Orquestra de Uberaba não só perante o público, mas principalmente na concretização de uma atividade que busca a inovação artística e a excelência operacional.