29.5.07

O Boteco do Zé (causo)

Meus compadres e comadres.
Hoje estou meio saudosista e passei o dia "alembrando" da minha confraria toda lá de Lavras - MG. Lembrei-me de cada um, especialmente do meu "cumpadi" Zé Maria. Esse "cabôco" é um sujeito muito "bão". Tem uma “paciência de Jó”, como diz o outro, mas quando gastam a paciência dele, sai da frente. Seu maior defeito é torcer para o Cruzeiro. Mas não tem problema não! O que seria do futebol, se todo mundo fosse atleticano, não é mesmo?

Mas esse nosso cumpadi, protagonista desse causo, natural de Tiradentes, MG, aprendeu com o saudoso Romário Lima (que Deus o tenha!) a trabalhar com madeira. E não é que ficou bom de serviço, sô! Aliás, não é porque é amigo meu não, mas o Zé Maria, tudo que ele pega para fazer faz bem feito. Levanta uma casa brincando, cuida de roça, conhece de mecânica. Ainda acho também que ele até mexe com força...!

Bem, vamos ao causo. Esse nosso cumpadi Zé Maria, certa feita abriu um boteco lá em Lavras, MG. Ele mais a dona Marusa, seu “Pezim de Arface”, como ele mesmo diz, e estavam tocando a vida lá deles.

Todo dia, no final da tarde, Zé Maria ficava em um canto, do lado de dentro do balcão, e mais dois amigos seus, do lado de fora, contando prosa e tomando uma cervejinha. Aquilo era todo santo dia. Até que, certa feita, adentra seu estabelecimento comercial um cabra que ninguém conhecia e que foi logo dizendo:

- Seu Zé, o senhor bota quatro pinga aí? Uma para mim, outra para o senhor, outra para ele e outra para o outro ali.

Zé Maria atendeu ao homem que lhe pareceu bastante educado. Colocou as quatro caninhas naqueles quatro copinhos de cachaça.
O homem brindou com todos, bebeu e se mandou. Foi-se embora e Zé Maria e seus dois amigos ficaram sem entender nada.

No outro dia, no mesmo horário, volta o homem. Lá estava o Zé Maria, dono do boteco, com seus dois amigos. O homem entra. Pára diante dos três, cumprimenta-os e diz:

- Seu Zé, o senhor bota quatro pinga aí! Uma para mim, outra para o senhor, outra para ele e outra para o outro ali.

Zé Maria, já meio veiaco, atende ao homem. Coloca as quatro doses nos quatro copos. O homem brinda, bebe e vai-se embora. Zé Maria, mais uma vez surpreso, pergunta aos amigos:

- Ocêis cunhece esse home?

- Não, não alembro de ter visto ele aqui em Lavras não! – disse um.

- Acho que eu sei quem é. É um desses que ficaram ao deus-dará, vagando, quando fizeram a Represa do Funil. Agora ês num tem mais onde pescar e ficam por aí, tomando cachaça sem saber nem onde ês tão – disse outro

- Mas eu não tenho curpa, uai. – Brada Zé Maria, indignado. E continua:

- Aliás, eu sempre fui desconfiado dessa tal de represa. Só que agora eu vivo de vender os trem, uai. Ele vem querer levar de graça a única coisa que tenho para vender... Olha, se esse cara amanhã pedir cachaça de novo, tomar e vazar, eu pego ele e dou umas porradas nesse sujeito! Cachaceiro forgado, sô.!

No outro dia, fim de tarde, lá estava o Zé Maria com seus dois amigos. Chega o mesmo cabra e dirige a palavra ao dono do estabelecimento.

- Seu Zé, o senhor bota quatro pinga aí! Uma para mim, outra para o senhor, outra para ele e outra para o outro alí.

Zé Maria colocou as pingas e desta vez ficou de olho. Quando o folgado do cachaceiro quis ir embora o Zé Maria pegou-o pelo colarinho e encheu-o de porrada.

- Agora ocê vai aprender seu filho d’ua égua a não tomar cachaça às custas dos outros. Safado, sem vergonha!

Depois de dar um corretivo no sujeito agarrou-o pelo cu da calça e pelo cangote da camisa e jogou-o lá, no meio da rua.

No outro dia, a mesma cena. Só que desta vez o homenzinho vinha todo estropiado por causa da tunda que tomou do Zé Maria. Cabeça enfaixada, cheio de esparadrapos pelo corpo, mancando de uma perna e o braço direito numa tipóia. Entrou no boteco do Zé e foi dizendo:

- Seu Zé: o senhor bota três pinga aí! Uma para mim, outra para ele e outra para o outro alí.

Zé Maria com aquela cara safada e sorrindo sem aparecer os dentes, pergunta ao cachaceirim estropiado:

- Uai, e prá mim, não?

Ao que ele responde:

- Não, seo Zé. O senhor quando bebe fica muito violento.

OBS: A imagem que ilustra o causo é um óleo sobre tela de João Werner

28.5.07

Prova dos 9

Meus compadres e comadres.

Amanhã, terça-feira, às 18:30 horas, estarei no programa inaugural "Prova dos 9", do nosso querido compadre Zé Fernando Chiavenato, no canal 9, da tv à cabo.

Será meia hora de entrevista e algumas intervenções minhas com a rabeca e uma poesia cabocla de Zé Laurentino.

O programa foi gravado na sexta-feira e a gente nem viu o tempo passar. Quando demos fé, ó, meia hora tinha voado.

Mas ficou a promessa do meu retorno e o compromisso de apresentar ao público ribeirãopretano um pouco do trabalho musical que é desenvolvido no Centro Cultural Campos Elíseos. Vamos mostrar nossa Orquestra de Alunos. Garotada com idade até 16 anos mas que toca como gente grande.

Então fica aqui o meu convite: amanhã, às 18:30, Canal 9 - tv à cabo, programa "Prova dos 9", de José Fernando Chiavenato.

PS: esse programa é de terça à sexta. Agora, o José Fernando estará também apresentando um programa de jornalismo de segunda à sexta, às 22 horas, no mesmo canal.

27.5.07

Companheiro de Ofício

Meus compadres e comadres.

Vai aqui um pouco do trabalho do artista Tancredo da Silva Lima. Este, assim como eu, apresenta-se em público declamando poesias caboclas e contando causos, cuidando para que a chama da nossa cultura popular mantenha-se sempre acesa no coração no nosso povo.

Nós, que vivemos a cultura popular brasileira não encontrando espaço na mídia radiofônica e televisiva (que em maioria esmagadora dissemina produtos de baixíssimo teor artístico e cultural) temos ainda o árduo ofício de lutar contra os sortilégios causados pela ação midiática massificante que anula a referência e o padrão cultural do nosso povo, esteriotipando-lhe as reações e condutas.

Lutamos pela manutenção ou permanência do vínculo com nossa cultura. Lutamos pelo nosso fortalecimento enquanto povo e gene estrutural de uma cultura tão rica. Lutamos contra a bestificação humana.

Há em nós um pouco de Don Quixote, de Macunaíma e Policarpo Quaresma. Mas alegrar, emocionar, refletir e entreter sem alienar são algumas formas do nosso trabalho através do qual buscamos atingir nossos objetivos de não deixar que os massificadores apaguem a chama da nossa cultura popular, enquanto lutamos para tranformá-la numa grande fogueira onde possa queimar e fazer arder todo o lixo cultural que nos é imposto.

E assim, Tancredo da Silva Lima, nosso artista e animador em questão, criou o personagem "Velho Justino" que usa a poesia matuta também para combater o preconceito.


"Anoitecia na Foz do Tejo, e os moradores das diversas comunidades do Alto Juruá se preparavam para dormir. Os motores a diesel eram ligados, acendendo alguns bicos de luz num raio de 1,5 quilômetro. A claridade anêmica espichava sombras no chão.
Da penumbra surgia um velho, negro como a noite, caminhando com a ajuda de uma bengala. Por onde passava, ia descarregando impropérios, e os rostos ao redor eram tomados pela surpresa. Muitos seguiam seus passos, curiosos.

Quando em torno dele se juntava uma multidão de olhos, Justino iniciava seu trabalho teatral, declamando as poesias matutas do mineiro Saulo Laranjeira e dos paraibanos Geraldo Amâncio e Amazan.

As contradições sociais e o abuso de poder são os temas principais de "Conversa de passageiro" e "Viola quebrada", textos recorrentes da apresentação da personagem. No primeiro, um matuto tem a oportunidade de explicar a um "doutor" o estilo de vida dos que moram no campo, desfazendo neste algumas noções preconceituosas.

Trecho de "Conversa de Passageiro"

"Em cada casinha desta
tem dez pessoas ou mais
ali os filhos se somam,
pois suas mães não tomam
anticoncepcionais.

(...)

Só uma coisa é diferente
é que eles tem embaraço
trabalha o senhor com a mente
e eles trabalham com o braço

O senhor num gabinete
que mais parece um palacete
com todo luxo e requinte
pobrezinhos que eles são
não ganham nem um milhão
ganha o senhor mais de vinte".

No segundo, um cantador lamenta a perda da viola, quebrada por um delegado despótico.

Trecho de "Viola Quebrada"

"Eu fico assim assuntando e me alembro de um caso que se assucedeu com João Macambira, quando ele um dia chegando no arraiá, o delegado de polícia, véia formiga que não gosta de cigarra, quebrou a viola de João. E Macambira, com os cacos da viola na mão, assim falou pro assassino de sua grande amiga e véia companheira:

(...)

Seu moço, seu delegado
qué que foi que lhe fiz
pra vosmecê fazê assim?
rebentou minha viola
bateu vinte vezes nimim
o que a pobre da inocente
fez de male, minha gente?
esse farso testemunho
apois quem foi que
levantou?
quem bate numa viola
não está bem certo da bola
bate é no Nosso Senhor!"

As duas histórias são contadas com lirismo e emoção, e aos poucos os risos vão dando lugar à reflexão sobre as desigualdades sociais e o uso desnecessário da força.
Justino declama outras 26 poesias. Mas nem todas são dramáticas como "Conversa de passageiro" e "Viola quebrada". Há quem prefira as confusões hilariantes e escatológicas de "Dieta da farinha".

Por trás das rugas do velho Justino, de sua barba e cabelos brancos, dos membros cansados e sempre dependentes da bengala, está o ator e animador cultural Tancredo da Silva Lima, 36 anos. Há quem não acredite na transformação, de tão realista que é a personagem.

A idéia de criar o "velho" nasceu em 1997, quando Tancredo saiu do grupo do Palhaço Tenorino. O antigo desejo de trabalhar com literatura de cordel e poesia cabocla foi o primeiro passo para a caracterização de Justino.

Nas festas juninas, personagens de ocasião se sucederam até que o último deu uma idéia aproximada do que seria a nova criação. As atividades desenvolvidas por um ano no Projeto Lazer e Cidadania, que reunia idosos da Estação Experimental e outros bairros vizinhos, foi fundamental para que Tancredo definisse voz, postura e gestos do velho Justino.

Mas ainda faltava um detalhe. A mulher do ator, Ana Paula Gonçalves, insistiu para que a pesonagem tivesse barba e bigode. "Descobri que Ana tinha razão, e conclui que estava pronta a minha mais importante criação", diz Tancredo.

Primeiros passos

Em arte todo começo é difícil. Tancredo precisou fazer 19 apresentações gratuitas antes de receber o primeiro cachê. (O valor de cada cachê hoje em dia varia de R$ 50 a R$ 200, e dependendo do cunho social do evento, pode ser gratuita).

Sem remuneração pelo trabalho, ele tinha dificuldades até para comprar a maquiagem que o transformava em Justino.

O desinteresse pela personagem era tanto, que o ator chegou a implorar para fazer uma pontinha num evento do Colégio Aplicação. "Depois da primeira apresentação me encomendaram outras três, só que pagas", conta ele.

No início desse ano, Justino precisou declamar suas poesias na praça Plácido de Castro, em um evento promovido pela Fetacre, e Tancredo sentiu na própria pele a discriminação. "No balcão da Biblioteca Pública o velho foi completamente ignorado, e ao atravessar a rua ninguém se dispôs a ajudar", desabafa ele.

O ator reconhece três preconceitos diferentes contra Justino: pelo fato de ser negro, velho e deficiente físico. Essa constatação deu um rumo diferente à personagem, que segundo ele transcendeu o lúdico para atingir as raias do social. "Com Justino tenho uma grande responsabilidade pedagógica", diz Tancredo.

Daí a preocupação de não fazer do velho um objeto de escárnio. As poesias que declama desempenham papel importante à reflexão da platéia. Tancredo acha que o jovem, principalmente, é tocado pelas mensagens oferecidas por Justino. "Já vi muitos jovens se emocionarem durante as apresentações", diz ele.

Não é à toa que a criatura acabou por modificar o criador. "Justino me tornou mais humano, fez de mim um pai de família mais consciente", conclui o ator.

Extraído do portal "Outras Palavras"

26.5.07

Há 90 anos Monteiro Lobato colocou o Saci na literatura

O saci completa em 2007 90 anos de nascimento literário pela pena do escritor paulista Monteiro Lobato (1882-1948), principal responsável por propagar essa figura do imaginário popular nacional. O personagem, cujo nome é uma corruptela de Çaa cy perereg, do tupi-guarani, saltou do universo oral para o mundo das letras após pesquisa realizada por Lobato no começo do século 20.

O livro O sacy-perere – resultado de um inquérito (1918) foi publicado pouco depois de o escritor paulista reunir, para o Estadinho, edição vespertina do jornal O Estado de S. Paulo, muitos dos “causos” sobre o duende relatados por leitores de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e, principalmente, do interior paulista. O futuro criador do Sítio do Picapau Amarelo convocara leitores a compartilhar informações sobre a criatura “genuinamente nacional”.

A obra, que antecedeu até mesmo Urupês, trazia o inquérito sobre o moleque: havia relatos de constantes aparições nas zonas rurais, a informação de que adorava praticar diabruras, como azedar o leite, embaraçar a crina dos cavalos e esconder objetos da casa. Um dos leitores garantiu: "(...) era um negrinho muito magro, muito esperto, de cima de uma perna só, do tamanho de um menino de doze anos, muito feio, banguela, olhos vivos, rindo sempre um riso velhaco de corretor de praça".

O saci surgiu nas fronteiras do Paraguai, entre os índios guaranis. Mas foram os negros escravizados no país que se apropriaram da figura. E foi então que ganhou feições africanas, gorro vermelho e pito de barro, segundo Mario Cândido, presidente da Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci), associação engajada na missão de não deixar bruxas de Halloween apagarem a imagem do homenzinho perneta no imaginário das crianças brasileiras – hoje, no país, 31 de outubro é dia do saci.

E o duende perneta no universo lobatiano ressurge com destaque no livro O saci, de 1921. E ali é Pedrinho, mais uma vez de férias na casa da avó, que “andava com a cabeça cheia de sacis”. Com tanta curiosidade quanto medo, o menino vai perguntar sobre a criaturinha para tio Barnabé, aquele que “entende de todas as feitiçarias, e de saci, de mula-sem-cabeça, de lobisomem – de tudo”.

Até que um dia Pedrinho consegue capturar um saci num rodamoinho que chega ao sítio com uma peneira de cruzeta. E, no meio da mata, perto de taquaruçus, espécie de bambu onde os sacis nascem, os dois travam diálogos filosóficos sobre a lei da floresta, a vida na cidade, a sabedoria dos homens, a importância da erudição – questionamentos lobatianos.

Fonte: Revista Entrelivros

25.5.07

O Papa não é pop, é punk

Ratzinger se retrata mas não se desculpa

Para encerrar uma polêmica suscitada por comentário seu no último dia da visita ao Brasil, o papa Bento 16 mencionou ontem os sofrimentos e as injustiças provocados pela colonização e evangelização da América Latina, quando “direitos humanos fundamentais dos indígenas foram muitas vezes pisoteados”. “A memória de um passado glorioso não pode ignorar as sombras que acompanharam a obra de evangelização”, disse o papa. A notícia está em todos os grandes jornais do mundo, hoje.

Há dez dias, no último compromisso de sua visita ao País, ao falar na abertura da 5ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, ele disse que “o anúncio de Jesus e do seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura alheia”.

Diante de 162 cardeais e bispos de 22 países, Bento 16 defendeu a conversão dos indígenas à fé cristã como algo que purificou suas culturas e disse que a ação da Igreja Católica gerou uma síntese entre as culturas dos “povos originários” e a fé cristã que os missionários “lhes ofereciam”.

Entre os críticos que se levantaram contra as declarações, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acusou Bento 16 de “ignorar o holocausto” deflagrado pela chegada de Cristóvão Colombo à América, em 1492, e sugeriu ao pontífice que pedisse desculpas. Líderes indígenas do Brasil disseram que o comentário do papa foi “arrogante e desrespeitoso”.

Ontem, diante de 50 mil pessoas reunidas na Praça de São Pedro, Bento 16 disse que a Igreja “não negligencia as várias injustiças e sofrimentos infligidos pelos colonizadores às populações indígenas”. Complementou que os “crimes injustificáveis” da colonização foram denunciados já na época por missionários como Frei Bartolomeu de las Casas. Reafirmou, porém, que o Evangelho expressou e continua expressando a identidade dos povos da região - e não pediu desculpas.

Pescado do "Diário Gauche"

23.5.07

Origem da Cantoria, Cantador e da Viola

A nossa poesia popular floresceu em Provença, sul da Franca, no Século XI, através dos trovadores Regréis e Jograis. Na Espanha a poesia floresceu através dos palacianos. Foi em Homero, maior dos rapsodos, cantando as façanhas de Ulisses diante de Circe e do gigante Polifemo, que Virgílio encontrou a fonte inspiradora para a realização de sua obra monumental.

Eram os trovadores da Provença, que levaram a alegria aos senhores feudais, enclausurados nos seus castelos de guerra. Enfim, foi Dom Diniz, maior monarca da Dinastia de Borgonha, que se proclamou discípulo dos provinciais, em suas cantigas de amigo e de amor. Todavia, ninguém melhor do que o poeta Antônio Ferreira, de Portugal, falou de sua grandeza, quando disse: Regeu, edificou, lavrou, venceu, honrou as musas, poetou e leu".

A fusão da poesia local portuguesa com a poesia dos Trovadores Jograis de Provença fez surgir novas formas poeticas de linguagem de seus famosos poetas: João Soares de Paiva, Paio Soares de Traveiros e outros. "Mas, coube ao Brasil o privilégio do aparecimento do legitimo cantador de viola, com Gregório de Matos Guerra, que deixava a Universidade de Coimbra fazendo verso de protesto a direção daquele estabelecimento de ensino. Nascido na Bahia, no Sec. XVII e o primeiro doutor brasileiro. Seguido pelo Padre Domingos caldas Barbosa, que, também, improvisava ao som da viola".

A poesia, atravessando a fase colonial, veio alcancar seu apogeu na pequena Paraíba de Augusto dos Anjos e de José Américo, pois quiseram as divindades do Olimpo que, naquele torrão, bendito pelas sacrossantas musas di longinquo parnaso, nasceram os maiores cantadores que tem notícia na história do folclore nacional.

"No Nordeste, os jesuítas catequizavam por meio da poesia por ficar mais fácil de conservar a mensagem na memória, seguindo assim o estilo da Grécia Antiga".

Ninguém melhor do que o cantador, pode sentir a variedade de quadros de que o cotidiano nos apresenta. Traz dos sertões para as cidades o retrato da natureza, na sua expressão criadora, bem como o do rigor que castiga dentro de suas leis imutáveis.

No entender de alguns estudiosos (intelectuais) o cantador tem uma imagem completamente distorcida da sua formação verdadeira. Isto porque já foi registrada a presença de cantadores caracterizados de vaqueiros, por incumbência de pessoas que fazem folclore com pouca profundidade no assunto. Então havemos de concluir que o cantador, o legítimo repentista, é o mais feliz dos imortais, porque seu mundo não é o da maldade, não é do egoísmo, e, sim, o doce paraíso das imaginações criadoras. Citaremos a sábia e patriótica expressão de Antônio Girão Barroso, conhecido escritor cearense: "Ai do país que abandona as raízes da cultura".

A cantoria de versos improvisados ao som da viola é uma arte que floresceu no meio rural do Nordeste, especialmente no sertão, e que só aos poucos vem conquistando público das grandes cidades. A razão principal desse fato e possivelmente, o número crescente de pessoas que se deslocam do interior para as metrópoles em busca de melhores condições de vida, e levando consigo hábitos culturais profundamente enraizados.

No início do século passado, "a figura tradicional do cantador era a do indivíduo de inteligência aguda, escassas condições financeiras, muitas vezes analfabetos ou pouco letrados, cantando de feira em feira seus versos* geniais que garantiam a própria subsistência".

Embora o tema - nomes e datas fundamentais em torno dos poetas populares no Nordeste - já tenha sido rastreado por numerosos autores, vamos resumir o que Atila de Almeida condensou, a propósito, em recente ensaio intitulado "Réquiem para a Literatura Popular em Verso*, também dita de cordel", in "Correio das Artes", João Pessoa, 01.08.1982.

"1830 é considerado, historicamente, o ponto de partida da poesia popular nordestina. Em torno dessa data nasceram Hugolino do Sabugi - o primeiro cantador que se conhece - seu irmão Nicandro, ambos filhos de Agostinho da Costa, o Pai da Poesia Popular". (4).

Nascidos na Serra do Teixeira (PB), entre l840 e 1850, foram seus contemporâneos os poetas Germano da Lagoa, Romano da Mãe D'Agua e Silvino Pirauá. E já contemporâneos destes, Manoel Caetano e Manoel Cabeleira. São os mais antigos cantadores conhecidos, todos chegando a década que se iniciou em 1890. A década que começou em 1860 viu nascer grandes nomes, como João Benedito, José Duda e Leandro Gomes de Barros. Mais adiante, na década que se iniciou em 1880, nasceram Firmino Teixeira do Amaral, João Martins de Ataíde, Francisco das Chagas Batista e Antônio Batista Guedes.

Diferente do que acontecia em qualquer parte do Brasil, sabe-se que no Nordeste, o cantador independia de acompanhamento. No fim de cada pé, terminando-se cada linha do verso, dava um arpejo na viola ou rebeca. Entre um verso(estrofe) e o seguinte, entoado pelo antagonista executava-se algum trecho musical, alguns compassos.

"Os velhos cantadores do sertão nordestino do Brasil só tocavam as violas ou soavam os pandeiros nos intervalos dos cantos. Desafio simultaneamente acompanhado da viola é posterior a 1920".

"Nossos repentistas, cantadores e poetas populares, foram, no entanto, até cerca de 1920 ou de 1930, uma expressão de intelectuais dos sítios, das fazendas, das vizinhanças, do mundo em que vivera. Os desafios dos violeiros são tão velhos quanto o mundo".

A rabeca, como as demais criações do homem, tem sua presença marcante desde sua criação, até os dias atuais. A rabeca é um instrumento de caráter onomatopáico, embora haja quem lhe atribua origem germânica. É a designação genérica de uma família de instrumentos de corda, tocados com arco de crina, produzindo som mais melancólico, menos claro e de timbre nasal.

O primeiro instrumento do cantador sertanejo parece ter sido a viola, menor que o violão (guitarra espanhola), do qual não há notícia, entre nós, antes do Sec. XVIII. A viola de pinho, viola de arame, com cinco ou seis cordas duplas, é citada entre outros aqui, pelo Padre Fernão Cardim. Antigamente, depois de cada vitória o cantador amarrava uma fita colorida em suas cravelhas*.

Entre os poetas populares, ainda preserva-se algumas supertições quanto ao uso da viola. Diz-se que esse instrumento sofre a influência da lua. Na lua nova e na força da lua não se guarda viola afinada, porque ela pode ficar corcunda, entortar e rebentar as cordas. Madeira para viola deve ser cortada nos meses que não tem "r": maio, junho, julho e agosto, e na minguante, para nunca apanhar caruncho.

Há um certo consenso entre os cantadores, que o repentista que se preza não carrega viola debaixo do braço, e sim, na mão, segurando-a pelo braço. A viola é uma mulher e quem sai com ela na rua, a leva de braço dado. A axila é lugar de escorar a muleta e não a viola, que carregada debaixo do braço fica reumática, não afina mais, fica mancando das cordas.

A viola foi difundida na Europa no Sec. XIV. Ela surgiu depois da rebeca medieval e antes da atual família de violinos. É possível que tenha sido o primeiro instrumento de cordas que o Brasil conheceu, importado de Portugal. Os jesuitas a empregavam nos seus trabalhos de catequese junto com o pandeiro, tamborim e a flauta de madeira.

Lendo a antologia de nossos poetas populares, constatamos que somente três cantadores, não apropriavam-se do recurso da viola: Ignácio da Catingueira (Manoel Luis de Abreu), negro, ex-escravo; e Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha), norte-riograndense, que cantaram no século passado, utilizando um pandeiro e Cego Aderaldo(Aderaldo Ferreira de Araujo), que cantava acompanhado ao som de sua rabeca.

A cantoria quase sempre dura duas horas, as vezes até noites inteiras. Geralmente, o desafio se desenrola num tremendo duelo, numa verdadeira briga poética, cuja arma o verso rápido, gracioso e pitoresco, cheio de vivacidade e vigor. Os cantadores do Ceará e dos estados nordestinos, diferem muito dos cantadores de outras regiões do país, pelas modalidades que adotam e pela melodia que acompanham os seus repentes, ao calor das pelejas.

"Nas festas populares, nos festejos folclóricos é indispensável".

Pescado do portal "Cantoria, Versos e Viola"

20.5.07

Loucos Por Música

O projeto Loucos Por Música já tem data para voltar ao cenário carioca. Será no próximo dia 22 de maio, no Vivo Rio.

O primeiro, dos cinco espetáculos, vai promover o encontro entre a cantora e compositora Zélia Duncan e o grupo Cidade Negra, que vão cantar grandes sucessos. A cada noite a abertura do evento ficará por conta de grupos musicaia formado por usuários de serviços de saúde mental, entre eles o Harmonia Enlouquece, Os Impacientes e o Sistema Nervoso Alterado.

No primeiro show de 2007, a abertura será da banda Harmonia Enlouquece, que contará com o auxílio luxuoso da ex-deputada Jandira Feghali na bateria.

A renda dos espetáculos será 100% destinada a instituições sem fins lucrativos, que utilizam a arte no tratamento e na inserção social de portadores de transtornos mentais.

Conheça mais sobre o projeto

Inspiradas pela ousadia da psiquiatra Nise da Silveira e sensibilizadas pelas condições desumanas com que ainda são tratados milhares de portadores de distúrbios mentais, as produtoras culturais Lana e Jane puseram seu trabalho a serviço da causa “Cuidar, sim. Excluir, não”. O embrião do projeto foi um show de Ney Matogrosso realizado no Teatro João Caetano, em 22 de dezembro de 2003, em prol da Casa das Palmeiras, instituição criada pela doutora Nise.

Em 2005, a Dupla Produtora criou o Loucos por Música para dar mais visibilidade à causa. Foram realizados seis shows, também em benefício daquela instituição. Em 2006 a renda foi doada aos programas de saúde mental do Centro de Teatro do Oprimido e à Associação Koinós.

Este ano, toda a renda arrecada será destinada à SOSINTRA e à ECCO, instituições sem fins lucrativos criadas por profissionais defensores da melhoria assistencial aos usuários de serviços de saúde mental. Elas atuam na lógica da desconstrução manicomial e da participação comunitária, procurando transformar o imaginário social da doença mental.

Fonte: O Fuxico

19.5.07

Cântico Negro

Meus compadres e comadres:
Para quem não conhece apresento o poeta JOSÉ RÉGIO.
Português, socialista e representante do segundo modernismo na literatura portuguesa.
Nasceu em 1901 e morreu em 1969.
Abaixo, o seu famoso poema...

CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

17.5.07

Pasárgada, Shangri-la e os mundos imaginários da literatura


Manuel Bandeira nunca foi agente de turismo, mas propagandeou como poucos um dos destinos mais conhecidos dos brasileiros: Pasárgada, paraíso detectado somente pelos radares da imaginação e onde a felicidade está à espera. Como ela, inúmeras outras terras compõem o extenso mapa de lugares criados pela literatura, latitudes de uma geografia inabalada por acordos ou guerras, incólume e infalivelmente mutante a cada olhar.

No poema Vou-me Embora pra Pasárgada (publicado em Libertinagem), o pernambucano apresenta as delícias de um oásis em que viver é uma aventura inconseqüente, e onde mulheres bonitas, livres e dispostas oferecem prazeres infinitos. Pasárgada, a real, foi uma cidade da antiga Pérsia e surgiu sob os olhos de Bandeira durante uma leitura de Xenofonte.

Se os vapores do Oriente são nada mais que envoltório para o delirante mundo do modernista, eles inundam a Shangri-La de James Hilton, criação tão indelével que se transformou em substantivo de uso cotidiano. Em Horizonte Perdido, o inglês desvela uma comunidade encravada no Tibete, em que a saúde e a longevidade não são privilégios, mas marca de todos os habitantes. Nesse recanto para poucos eleitos - e de onde não se pode sair -, os homens compartilham a abundância, regidos pela moderação e pela bondade.

Gigantes e anões

Com encantos ainda mais extraordinários, a Terra Média de J. R. R. Tolkien é constituída de sabedoria e de sombras. Ao longo de diversas eras, homens, elfos, anões e hobbits combatem malignas criaturas que buscam o domínio de todos os seres.

De seres míticos se recobre igualmente a Atlântida, continente tragado pelas águas que emergiu pela primeira vez em Timeu e Crítias, de Platão, para ser depois visitado reiteradas vezes pela literatura universal. A avançada e poderosa civilização dos imensos atlantes teria sido destruída pelos deuses em conseqüência de sua corrupção.

Em contraste com os gigantes no fundo do mar, as diminutas criaturas de Lilipute são quem habita o país mais popular da obra de Jonathan Swift, Viagens de Gulliver. Na fábula, crítica à sociedade de seu tempo, o irlandês relata como um médico se depara, entre estranhas nações, com essa terra de excelentes matemáticos, homens altivos a despeito da insignificante altura.

Devoção ao conhecimento também é o que se exige dos que pretendem cruzar os portais de Tlön, cujos indícios se escondem em uma enciclopédia. Erguida pela mente de Jorge Luis Borges, em Tlön, Uqbar, Orbis Tertius (conto presente em Ficções), essa sociedade de intelectuais termina por homogeneizar e subjugar os homens.

No imaginário infantil

A espécie humana tal qual a conhecemos tampouco se encaixa na Terra do Nunca, onde a infância é lei. Há 105 anos é para lá que voa Peter Pan, desde que J. M. Barrie criou esse ser que nunca envelhece. Ainda mais antigo, outro clássico infantil, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, descortina um universo cujo mestre-de-cerimônias é um coelho estressado e arrogante. Lá, um gato sorri sem parar e uma lagarta fuma narguilé tranqüilamente, mesmo sob o jugo de uma rainha obcecada por cortar cabeças.

Se em Alice há quem enxergue uma alegoria dos dilemas da adolescência, com a garota que se vê todo o tempo minúscula e imensa, temas mais espinhosos, como a perda da liberdade de expressão, não só permeiam como por vezes estão na razão de ser de Alefbey, criado por Salman Rushdie em Haroun e o Mar de Histórias. Aí está a mais triste das cidades, pátria de uma criança e de seu pai, contador de histórias que, após o abandono pela mulher, perde a capacidade narrativa.

Por fim, este périplo não poderia terminar em outra parada que não Macondo, a remota cidade de Cem Anos de Solidão, obra-prima de Gabriel García Márquez. Erguida em meio a charcos, serras e pantanais, de tão familiar talvez seja a mais fantasticamente real de todas as paragens que visitamos até aqui, com sua superpopulação de superstições e enigmas, misérias, maravilhas e esquecimentos.

Os dez livros

- Libertinagem & Estrela da Manhã, de Manuel Bandeira, Nova Fronteira
- O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, Martins Fontes
- Horizonte Perdido, de James Hilton, Claridade
- Timeu e Crítias (ou A Atlântida), de Platão, Hemus
- Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, várias editoras
- Ficções, de Jorge Luis Borges, Globo
- Peter Pan, de James M. Barrie, várias editoras
- Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, várias editoras
- Haroun e o Mar de Histórias, de Salman Rushdie, Cia. das Letras
- Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, Record

Denise Mota (EntreLivros)

16.5.07

Mulheres

Meus compadres e comadres

Estive ontem (terça) na Câmara dos Vereadores de Ribeirão Preto a convite da vereadora Fátima Rosa para fazer uma intervenção cultural na sessão especial que homenageou as mulheres e especialmente aquelas que desempenham funções de trabalho identificadas com o perfil masculino e por isso sofrem discriminações e preconceitos.

Não podia deixar de comparecer a essa homenagem tão justa e necessária e compareci empunhando minha rabequinha, que foi construída por Mestre Nelson da Rabeca. Toquei uma valsa caipira de Zé Côco do Riachão e declamei uma poesia cabocla de Zé Laurentino.

Depois da sessão foi oferecido um coquitel aos presentes onde pude reencontrar amigos e colocar a prosa em dia.

Mas voltando ao assunto das mulheres, que desempenham funções de trabalho identificadas com o perfil masculino, gostaria de homenagea-las aqui em nosso blogue manifestando a minha solidariedade nessa luta diuturna que enfrentam para conquistarem o lugar de direito nessa sociedade machista em que vivemos.

Sugiro que busquem forças e se espelhem no exemplo de mulheres como Joana D'arc, que comandou exércitos na França do Século XV, na polonesa Rosa Luxemburgo, em Olga Benário Prestes, em Anita Garibaldi - guerreira nas batalhas no sul do Brasil.

Que deixassem contaminar pela força e coragem de Maria Bonita - companheira de Lampião e também de Dadá - companheira de Corisco. Quero também lembrar Diadorim, personagem de João Guimarães Rosa em "Grande Sertão, Veredas", que teve que usar disfarce de homem para conseguir sobreviver no meio da jagunçada que vivia em bandos pelos sertões das Minas Gerais. São exemplos de mulheres corajosas que se endureceram para a luta necessária, porém não perderam a ternura, jamais.

Fica aqui a minha admiração e o respeito por todas essas mulheres valorosas, incluindo nossa amiga vereadora Fátima Rosa a quem parabenizo pela iniciativa.

Choro pelo Vale

O músico fluminense, Carlos Henrique, resgata em dois discos e ampla pesquisa pelo Vale do Paraíba a contribuição negra para o desenvolvimento do chorinho. Em entrevista à Carta Maior sobre o projeto, o músico critica a política de Estado no Brasil de só financiar a música de concerto devota da cultura européia.

O choro é o gênero musical surgido no Brasil, na virada do século 19 para o 20, da mescla dos bailes da nobreza com a capacidade criativa do músico brasileiro, misturado por natureza desde sempre. Música de ressaltado valor melódico e harmônico, o chorinho passou à história com uma mal avaliada contribuição negra. O bandolinista e compositor fluminense Carlos Henrique Machado Freitas quer recontar essa história recobrando o valor da ritmia negra na construção do choro no Brasil.

Fez isso em ampla pesquisa pelo Vale do Paraíba que resultou em dois discos e um libreto acondicionado numa bem-bolada caixinha de lata batizada de Vale dos Tambores. Projeto realizado via Lei Rouanet com patrocínio da Eletrobras, a caixa ganhou há pouco sua segunda edição. O conjunto forma um conjunto interessante ao estudo do choro como fenômeno musical e social no Brasil.

Não é mera homenagem ao gênero, é também uma crítica à desvalorização que ainda cerca o gênero, diz Freitas, músico nascido e radicado em Volta Redonda (RJ). Contemporâneo de chorões de respeito como Raphael Rabello e o conjunto Galo Preto, Freitas afastou-se da música na década de 90. "Com essa pesquisa, eu quis mostrar que houve um 'aclareamento' do choro no Brasil, assim como fizeram com a própria história política e social do país. O choro começou com as bandas de música formada por escravos regidos por um maestro branco, europeu", comentou em entrevista à Carta Maior.

Para Freitas, a dissimulação do ritmo no choro ao longo de sua evolução não foi natural, como passou a se acreditar e até ser afirmado por muitos estudiosos. "Não foi, o negro das bandas de música foi intimado a tocar instrumentos de sopro e acabou desenvolvendo neles o seu ritmo ancestral", afirma Freitas citando o bombardino e a tuba como instrumentos das antigas retretas que faziam as vezes do ritmo, marcando a cozinha como se fosse um tambor.

Na capa do projeto, Freitas estampa uma foto da Banda de Escravos do Vale do Paraíba, formada em 1870. Há outras bandas centenárias citadas na pesquisa, a maioria exibindo uma formação de negros escravos das fazendas de café e a regência de maestros brancos. Essa tradição colonizadora na música, para Freitas, continua até hoje e toma de assalto o próprio Estado brasileiro. "É incrível como até hoje gastamos dinheiro público para manter corpos musicais voltados para a cultura européia. Até quando?", questiona mirando as orquestras mantidas com dinheiro público no Brasil.

Freitas questiona o fato de o Brasil ter uma diversidade musical popular tão rica, admirada inclusive pela elite européia e, no entanto, ainda se dedicar a financiar como política pública a cultura do colonizador. A crítica tem alvo certeiro nas orquestras brasileiras, a maioria se não toadas, mantidas com dinheiro público. Polêmico, mas não menos verdadeiro. "Cerca de 60% da verba da Cultura no Rio de Janeiro, por exemplo, vai para o Teatro Municipal", lembra o músico.

Segundo Freitas, além de mostrar subrepticiamente sua destreza musical nas bandas, mesmo num instrumento estranho à sua formação, os negros continuavam exercitando sua cultura de tamobores quando não estavam em ação nos eventos "oficiais". Pula-se 100 anos no relato e Freitas diz que esse mesmo "aclareamento" do ritmo no choro pôde ser observado com a chegada da bossa nova. "O contraponto típico do violão de sete cordas sumiu do choro, como sumiu o próprio gênero no Rio de Janeiro dos anos 50. Juscelino Kubitischeck era um seresteiro mineiro, mas foi vendido como o 'presidente bossa nova', lembra o músico.

No libreto de 54 páginas, Freitas apresenta o estudo que fez da larga faixa de cidades que se estabeleceram pela mocultura do café ao longo do Rio Paraíba em três estados brasileiros (RJ, MG e SP). É neste ambiente que ele situa, numa leitura "marioandradina", o caráter antropofágico do chorinho. "A trilha da Semana de 22 foi o choro burilado por Villa-Lobos e outros nacionalistas", recorda.

Para os discos, compôs 25 chorinhos entremeados de diferentes linguagens musicais do Brasil profundo que vão da influência negra às tradições rurais como a viola caipira ("para compor Brejeiro, Ernesto Nazareth foi à viola caipira", lembra) e a sanfona forrozeira num calango dedicado ao forrozeiro Luiz Calango, da cidade de Rialto. Cada faixa pende para um gênero ou personagem importante na evolução das tradições musicais do país. Tudo está sempre ligado com a "música técnica" do Brasil, como o choro é considerado por pesquisadores por ter construído a cultura da escrita musical no meio popular, quando este formalismo só estava disponível na música clássica.

Por ironias só vistas no Brasil, um novo e rico repertório do choro e sua discussão profunda são revisitados por um não-técnico. Carlos Henrique Machado de Freitas compôs tudo sem dominar partituras. E há belas peças entre as 25 faixas, todas gravadas com músicos de Volta Redonda. O projeto animou Freitas e ele agora diz que vai se debruçar em desdobramentos. Parte para estudar a tradição negra disseminada por Pixinguinha e recolhida por Mário de Andrade no livro "Música de Feitiçaria".

Vale dos Tambores
Carlos Henrique Machado de Freitas
Gravadora: independente
Preço médio: R$ 60,00 (frete incluso)
compras pelo site www.carloshenrique.mus.br)

Edson Wander

14.5.07

Ariano Suassuna ataca racismo de escritores brasileiros

Durante Sessão Solene na Câmara de Vereadores de Salvador, que lhe outorgou o título de cidadão baiano, Ariano Suassuna, autor do renomado e premiado da obra O Auto da Compadecida, reconheceu que o discurso de que o Brasil é um país miscigenado apaga a identidade da comunidade negra e mascara o racismo que existe no país. Para o escritor, Gregório de Mattos e Gilberto Freire eram racistas.

Nascido em 16 de junho de 1927, na cidade de João Pessoa, Paraíba, o escritor e teatrólogo Ariano Suassuna tornou-se cidadão baiano, nesta quinta-feira (10). Autor de diversos livros, contos e peças teatrais, como o Casamento Suspeitoso, Ariano é agora o mais novo conterrâneo de escritores como Euclides da Cunha, Castro Alves e Gregório de Mattos. Sobre este último fez uma série de elogios lembrando que por toda a sua capacidade de crítica tenaz à sociedade, especialmente, à elite política da época ficou consagrado como "Boca do inferno". Entretanto, Ariano, com seu jeito todo coloquial de falar sobre as coisas, disse de maneira muito indignada que infelizmente tinha que reconhecer que Gregório de Mattos era racista.

Suassuna fez a afirmação em relação ao racismo de Gregório de Mattos, ilustrando com a leitura de um trecho da poesia "A huma freira que impedio a outra mandar um vermelho ao poeta de presente, dizendo que à havia satyrizar". Na poesia, Gregório se revela irritado porque uma freira impediu a outra freira de mandar-lhe um peixe vermelho, que ele queria muito receber. Diz um verso da poesia: "Assim como o vosso conselho perdi eu o meu vermelho, percai vós a virgindade: que vo-la arrebate um frade; mas isto que praga é? Praza ao demo, que um cobé vos plante tal mangará que parais um paiaiá, mais negro do que um guiné". Ou seja, a praga que ele jogava contra a freira é que ela tivesse um filho negro.

Ao repetir esse verso, Suassuna contou à platéia um pouco da sua própria história de vida e sobre como se convenceu de que a miscigenação brasileira não resolveu o problema do racismo, como ele sempre imaginara. "Quando o IBGE resolveu realizar o senso, incluindo o quesito cor, muitos afirmaram que isso iria dividir o Brasil, pois éramos todos misturados. De um lado tínhamos Gilberto Freire que insistia na sua posição de uma nação miscigenada e do outro lado o movimento negro que afirmava que o discurso da mestiçagem apagava a identidade dos negros e mascarava o racismo vivido no cotidiano. Eu preferi, deste dia em diante, ouvir o movimento negro. Fui convertido da idéia de que existia não existia racismo no Brasil, por isso resolvi mudar o símbolo que sempre usei para representar a nação Brasileira, que era uma onça castanha, para uma onça malhada", declarou o homenageado.

Presidente da Comissão de Educação e Cultura, a vereadora Olívia Santana (PCdoB), representou a Câmara Municipal de Salvador na Sessão e parabenizou o escritor e teatrólogo Ariano Suassuna pela sua visão crítica das obras de Gregório de Matos e de Gilberto Freire e declarou ser um presente participar de uma sessão tão forte que homenageia uma pessoa tão simples e ao mesmo tempo intensa como o escritor. "Fiquei impressionada com Ariano. Gosto muito da sua obra e da pessoa que ele é. Suassuna expressa muito bem o sentimento nordestino. Mas, o que me emocionou mais foi ouvir a maneira como ele falou sobre o racismo presente na obra de seus colegas escritores consagrados e sobre a maneira como ele passou a compreender a justeza da luta de todos nós, negras e negros. Também achei linda a forma apaixonada e cuidadosa como ele se referia a sua esposa. Um homem de 80 anos, muito à frente do seu tempo", declarou a vereadora.

Ariano Suassuana, demonstrou ser unanimidade entre todos os parlamentares presentes na Sessão Solene. Entrou no plenário da Assembléia, ladeado por deputados de diversos partidos, como: Álvaro Gomes (PCdoB), Gilberto Brito (PR) e Zé Neto (PT). O título foi concedido ao escritor através de uma iniciativa do deputado estadual Paulo Rangel.

Pescado do site www.vermelho.com

12.5.07

A Mãe

"A Mãe", principal obra de Máximo Gorki, completa 100 anos. Além de traços feministas, ela descreve com tintas realistas as convulsões ocorridas na Rússia na primeira década do Século XX.

Em 1907, o escritor russo Máximo Gorki estava refugiado em Staten Island, com a idosa mulher que lhe pariu e resolveu escrever “A Mãe”, um de seus monumentos literários montado em envolventes pilastras sociais.
Descreve de início os costumes, a dura e crua sobrevivência das pessoas num comum bairro operário russo. Em seguida, passa a narrar a saga de uma das famílias. Mikhail Vlassov - chefe de casa - morre. Ficam Peláguea Nilovna viúva e o filho Pavel. A morte do velho não abalou os familiares. Nem a comunidade onde morava, em razão da sua grosseria e rudez, tanto com a mulher quanto com o filho. Fazia mais de dois anos não se falavam. Mikhail era detestado por quantos conviviam com ele, mesmo por breves tempos. Era arruaceiro. Apesar de sua relevante capacidade profissional como serralheiro, a sua ignorância o afastava até dos que precisavam de seus serviços. Por isso, escapava com migalhas financeiras.

Durante boa parte do livro Máximo Gorki deixa, também, a sua marca de inimigo do machismo, embora fosse obrigado a conviver com gente dessa espécie, mas quando tinha oportunidade deixava em seus escritos e ensinamentos, um sutil e comovente protesto.

Diz o famoso escritor Marques Rebelo na apresentação de uma das obras de Gorki, ter nascido o revolucionário russo em Nijni Novgorod - hoje Gorki - a 14 de março de 1868, sob o batismo de Alexei Maximoviche Pechtov, com profundas e compreensivas razões para adotar o pseudônimo literário de Máximo Gorki, com o qual se imortalizaria. É que Gorki em russo significa amargo, amargoso; e amarga como fel tantas vezes, foi a sua vida desde o berço miserável. E até a sua morte, em pleno auge da glória, a 14 de junho, de 1936. Não foi isenta de amargura, quando os médicos que o atendiam teriam sido forçados a aplicar-lhe remédios inadequados , uma espécie de cicuta estatal. É que pelos altos poderes diretivos era olhado sob suspeita de conspirador. Quando não foi mais, durante toda a sua agitada existência, do que um grande e generoso inconformado. Um descontente com a feição que iam tomando os negócios públicos e desejoso de voltar para o estrangeiro, onde tanto tempo estivera, quando negaram-lhe o passaporte – “e tudo isso era conhecido publicamente e discutido em murmúrios”, escreve Trotski em livro de memórias.

Feminismo

Em 1923, por exemplo, quando escreveu seu famoso conto ´O Primeiro Amor´, Máximo Gorki esbanjou solidariedade feminina, ao exteriorizar: ´A maior prova da inteligência que o homem pode dar é saber amar a mulher, adorar a sua beleza; do amor pela mulher nasceu toda beleza do mundo´.
Mas, voltando à família operária russa de “A Mãe”... Salvando-se, mesmo de maneira funesta, da convivência dolorosa do marido, Peláguea Nilovna dedica-se com mais fervor a cuidar do filho Pavel. De tanto se apegar ao jovem, nota - o que não sentira antes - que seu comportamento é diferente dos outros jovens de sua comunidade. Não vai a festa. Entorna bebida uma vez na vida, apesar de viver mais na rua do que em casa. A mãe de Pavel começa a se preocupar com os estranhos – para ela, claro - hábitos do filho. Botando a imaginação e a experiência para trabalharem com mais intensidade, enfrenta crises angustiosas de preocupação, de tanto levantar suposições sobre o afastamento do filho, de sua companhia em casa com mais constância. Numa baixíssima temperatura climática, depois do desjejum da tarde, Pavel recolheu-se a um canto da casa, sob a penumbra de uma lanterna, para ler um livro. A mãe sorrateiramente dele se aproxima, pensando que não estava sendo percebida, de tão embebido na leitura estava o filho. No entanto, Pavel diz logo que está a ler um livro proibido. “Como este já li outros. São considerados perigosos. Por isso, proíbem. E proíbem por dizer a verdade sobre vidas de operários.” De repente a mãe se angustia. O filho explica-lhe com paciência o que havia aprendido da vida dos operários. E informa, também, que alguns de seus amigos da cidade iriam brevemente a sua casa para realizar uma reunião. Desde este dia as reuniões são constantes na casa de Pavel. A mãe, de início, ficou assustada. Mas, depois aclimatou-se e estendeu a admiração e o afeto que tinha pelo filho aos seus demais colegas. Pavel organiza um grupo e passa a ativista profissional, agindo nas fábricas do bairro. Distribuição de panfletos é uma das tarefas mais executadas. Organizam uma greve como ponto alto dessas tarefas, mesmo a época não sendo nada favorável. A repressão do governo czarista agia com violência, como com violência age toda polícia. Numa de suas atividades Pavel foi preso. Mas, solto em seguida. Durante a prisão do filho, Nilovna sentiu no sangue a proposta de Pavel e de seus amigos. E isto resultou no fortalecimento de sua disposição para a luta, transformando-se em ativista, integrando-se ao grupo dos jovens que se mobilizavam clandestinamente no bairro. Peláguea Nilovna passou até a se disfarçar de vendedora de comida para facilitar a infiltração de diversos panfletos nas fábricas, passando com muita malícia e cinismo pela vigilância governista e pelas tropas privadas do patronato.

Realidade e ficção

Na “A Mãe”, Máximo Gorki conta episódios verídicos ocorridos na Rússia, neste período. Relata que alguns dias antes do dia 1° de Maio de 1902, a mãe de Pavel - que já alcançara um elevado grau de consciência política, sob a influência também do filho - passou a cooperar na organização dos movimentos no bairro, a partir da confecção, distribuição de panfletos e cartazes - o que antes fazia ainda recatadamente - afora os cuidados que tomava em advertir aos seus companheiros, para não caírem nas malhas da repressão czarista. “Os manifestos” - narra Gorki –“conclamando os operários a festejar o 1° de Maio eram pregados nos muros e paredes todas as noites; apareciam, até, nas portas de delegacias e eram encontrados diariamente nas fábricas. Todas as manhãs, policiais enfurecidos percorriam o bairro, arrancando e raspando os cartazes roxos das paredes, Mas, à hora do almoço, eles voltavam a voar pelas ruas caindo aos pés dos transeuntes.” No entanto, nem a vigilante repressão czarista, nem a colaboração não oficial, evitaram que o ânimo envolvesse o movimento de 1° de Maio. Uma avalanche operária, comandada pelo grupo de Pavel - um dos mais influentes lideres - esteve presente ao ato popular.

Na “A Mãe” - escrito há cem anos - o grupo de Pavel é identificado como célula do Partido Operário Social Democrata Russo. Com o fortalecimento gradativo da passeata, Pavel dá de cara com as forças da reação. Mas, não se intimida. Porém, a multidão, em pequenos grupos, desvanece. Já os lideres do movimento não arredam o pé e entra em choque com os policiais. Como era de se esperar, após a dispersão da massa, Pavel e seis de seus companheiros são presos. Até o ucraniano Andrei que morava na casa de Pavel e adquirira grande amizade com Peláguea. Após a prisão houve um ato, cuja participação principal foi de Nilovna que falou não somente na defesa do filho, porém demonstrando um ardor pela causa que os jovens serviam.

Precaução

Com medo de que houvesse mais reação com funestas conseqüências à mãe de Pavel, dada a sua impetuosidade e destemor no ato público e por encontrar-se só em casa, os companheiros levaram-na para morar na cidade. A polícia czarista já tinha ido duas vezes a casa da mãe de Pavel. Não a encontrara. Porém, reviraram tudo. Agora, ela poderia ser presa. Diante disso, Peláguea foi morar na casa de Nicolai, ativo militante. Mas, sem deixar de intensificar seu trabalho clandestino pelo partido. Assumiu, inclusive, a responsabilidade de organizar o transporte de jornais, panfletos e manifestos. Prioritariamente, para os camponeses, tornando-se, assim, uma autêntica revolucionária. O livro é fiel ao narrar às convulsões sociais em que a Rússia mergulhou no começo do Século XX, mostrando todo começo do movimento político no bairro operário. De tal maneira que somente um habilidoso, perspicaz e sensível conhecedor da cultura, dos vícios de linguagem, das gírias, mas mazelas, das virtudes, das manias e dos costumes do povo russo, como Máximo Górki, seria capaz de escrever ´A Mãe´ - despertando um grande entusiasmo em quantos o lêem, a partir da história da vida de Peláguea Nilovna.

GERVÁSIO DE PAULO.

8.5.07

Paulo Freire e as teorias da comunicação

Freire partiu do princípio de que a comunicação é a que transforma essencialmente os homens em sujeitos.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire contribuiu de maneira decisiva para a formulação de um modelo de comunicação horizontal e democrático. Ainda que a única oportunidade em que Freire se referiu explicitamente à comunicação foi em seu livro Extensão e Comunicação, no qual realizou uma crítica radical ao modelo “extensionista”, suas propostas formuladas a partir da educação tiveram, especialmente na América Latina, impacto significativo sobre a teoria da comunicação em geral.

Freire partiu do princípio de que a comunicação é a que transforma essencialmente os homens em sujeitos. Com esta base formulou sua proposição fundamental de que a educação, como construção compartilhada de conhecimentos, constitui um processo de comunicação porque se gera através de relações dialéticas entre os seres humanos e com o mundo. A educação como prática da liberdade é sobretudo e antes de tudo uma situação de conhecimento que não termina no objeto estudado, já que se comunica a outros sujeitos também abertos ao conhecimento.

Um processo interativo e co-participado de criação entre sujeitos necessita estar baseado numa relação de diálogo que, como processo significativo, compartilhado por sujeitos iguais em uma relação também de igualdade, constitui a “essência”, a “estrutura fundamental” e o campo social da educação.

A comunicação adquiriu em Freire uma dimensão política, em vista do caráter problematizador, gerador de reflexão (consciência crítica) e de transformação da realidade que possui o diálogo. Este não é possível sem um “compromisso com seu processo”.

O caráter problematizador do diálogo em torno das situações ou conteúdos reais, concretos, existenciais, implica necessariamente um “retorno crítico à ação” transformadora.

A reflexão e a ação constituem para Freire as duas dimensões necessárias da essência da comunicação, mediadas pela “palavra” ou “linguagem-pensamento”. Daí que somente se pode falar da “palavra verdadeira” como práxis, no sentido de “dar nome ao mundo”, “de compreender o processo sócio-histórico em que são gerados o pensamento e a linguagem” e de “transformar o mundo”.

Como proposta de “ação cultural” libertadora, Freire finalmente defendeu que o desafio fundamental para os oprimidos do Terceiro Mundo, consistia em “seu direito à voz”, ou seu “direito de pronunciar sua palavra”, “direito de auto expressão e expressão do mundo”, de participar, em definitivo, do processo histórico da sociedade.

Seguindo esta matriz de pensamento, diversos comunicadores e grupos latino-americanos contribuíram, durante a década de 70, para configurar melhor proposta de um modelo de comunicação horizontal, democrático e participativo do qual somos herdeiros. Nossas novas propostas democráticas para esta década não podem esquecer de onde provém sua inspiração fundamental.

Carlos Crespo Burgos

7.5.07

Noel Rosa X Wilson Batista: A histórica polêmica do samba

A polêmica Noel Rosa (1910-1937) X Wilson Batista (1913-1968) durou menos de três anos, mas rendeu músicas interessantes e virou parte do folclore musical brasileiro. Quando o entrevero começou, na década de 1930, o boêmio da Vila já era um respeitado compositor, freqüentador da Lapa, amigo de famosos e com o nome feito no meio radiofônico.

Noel e Wilson: da disputa às homenagens

Já o garoto Wilson ainda era um aprendiz, candidato a malandro e disposto a qualquer coisa para se tornar conhecido. Justamente por isso muitos até hoje não entendem por que Noel começou a rincha.

Wilson Batista, que entraria para a história como um grande sambista da década de 1940, estava apenas começando a carreira quando compôs Lenço no Pescoço. A música foi a sua terceira gravação e, em versos simples, fazia apologia à malandragem:

LENÇO NO PESCOÇO - 1933
(Wilson Batista)

Meu chapéu do lado
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio

Meu chapéu do lado...

Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão

Meu chapéu do lado...

E ele toca
E você canta
E eu não dou
Ai, meu chapéu do lado...

Por que Noel Rosa teria se importado tanto com a música a ponto de dar a ela uma resposta? Há quem diga que seria por influência de um amigo, chamado Orestes Barbosa. Ele teria escrito: "num momento em que se faz a higiene poética do samba, a nova produção de Sílvio Caldas, pregando o crime por música, não tem perdão". Mais tarde, a música seria censurada pela Confederação Brasileira de Radiofusão, em nome da moralidade e do respeito às autoridades constituídas.

Mas e Noel? O que ele teria contra a figura do malandro? Na verdade, Noel tinha simpatia por ela, que estava presente em muitas de suas músicas. Apenas a influência de Orestes Barbosa talvez não justificasse sua resposta.

Aí é que entra uma versão mais apimentada da história. Wilson Batista havia se engraçado com uma morena, freqüentadora da Lapa e que também teria atraído a atenção de Noel Rosa. Só que os argumentos de Wilson foram mais fortes, e ele ficou com a moça, deixando Noel desapontado e ansioso para revidar na primeira oportunidade. A letra de Lenço no Pescoço era a desculpa que Noel precisava para dar uma lição no moleque atrevido. E com a arma que o poeta melhor sabia manejar: o samba. Assim, Noel compôs Rapaz Folgado, com endereço certo ao seu rival:

RAPAZ FOLGADO - 1933
(Noel Rosa)

Deixa de arrastar o teu tamanco...
Pois tamanco nunca foi sandália
E tira do pescoço o lenço branco,
Compra sapato e gravata,
Joga fora essa navalha
Que te atrapalha.

Com chapéu do lado deste rata...
Da polícia quero que escapes
Fazendo samba-canção,
(Eu) Já te dei papel e lápis
Arranja um amor e um violão.

Malandro é palavra derrotista...
Que só serve pra tirar
Todo o valor do sambista.
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado.

Rapaz Folgado só seria gravada em 1938, por Aracy de Almeida, mas já circulava de boca em boca nos meios freqüentados pelos compositores. Todos sabiam que a alfinetada era para Wilson, que não engolia provocações. "Brigar" com Noel era uma excelente chance para ficar famoso. Batendo na caixinha de fósforos e escrevendo a letra em papel de maço de cigarro, Wilson compôs a tréplica logo em seguida, intitulada Mocinho da Vila:

MOCINHO DA VILA - 1934
(Wilson Batista)

Você, que é mocinho da Vila,
Fala muito em violão,
Barracão e outras coisas mais.
Se não quiser perder o nome,
Cuide do seu microfone,
E deixe quem é malandro em paz.
Injusto é seu comentário,
Fala de malandro quem é otário,
Mas falando não se faz.
Eu, de lenço no pescoço,
Desacato
E também tenho o meu cartaz

Considerada fraca na letra e na melodia, a criação de Wilson foi ignorada por Noel, que continuou a escrever sambas sem nenhuma relação com o debate musical. Um desses sambas foi o belíssimo Feitiço da Vila, cuja versão original fora interpretada por João Petra de Barros em 1934:

FEITIÇO DA VILA - 1934
(Noel Rosa - Oswaldo Gogliano [Vadico])

Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos
Do arvoredo
E faz a lua nascer mais cedo!

Lá em Vila Isabel
Quem é bacharel
Não tem medo de bamba
São Paulo dá café,
Minas dá leite
E a Vila Isabel dá samba!

A Vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem...
Tendo nome de Princesa
Transformou o samba
Num feitiço decente
Que prende a gente...

O sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente implora:
Sol, pelo amor de Deus,
Não venha agora
Que as morenas vão logo embora!

Eu sei por onde passo
Sei tudo que faço
Paixão não me aniquila...
Mas tenho que dizer:
Modéstia à parte,
Meus senhores, eu sou da Vila!

Nesta exaltação ao bairro de Vila Isabel, podemos sentir claramente a boemia, tão presente na vida de Noel Rosa e responsável pelo agravamento de sua doença (tuberculose). Na canção, Noel implorava para que o sol não nascesse, pois a roda de samba terminaria e as mulheres iriam para casa. Vale destacar também a beleza da imagem de galhos balançando ao som do samba.

Outra referência interessante é feita à política do café com leite de São Paulo e Minas Gerais. Apesar de a política ter se encerrado em 1930, ela ainda estava bastante presente na memória das pessoas.

No programa Case, da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, Noel criou novos versos para o já sucesso Feitiço da Vila. Esses versos são fundamentais para entendermos a provocação seguinte de Wilson Batista:

Versos adicionais de Feitiço da Vila

Quem nasce pra sambar
Chora pra mamar
Em ritmo de samba.
Eu já saí de casa olhando a lua
E até hoje estou na rua.
A zona mais tranqüila
É a nossa Vila
O berço dos folgados;
Não há um cadeado no portão
Porque na Vila não há ladrão.

Nos novos versos, Noel fez uma volta à infância, não só na referência ao choro pra mamar em ritmo de samba, mas, sobretudo, aos tempos em que a Vila Isabel gozava a má fama de atrair ladrões. Segundo Noel, esse tempo já teria passado, e o bairro podia se orgulhar de dormir sem cadeado nos portões. Nesse momento, Wilson Batista viu uma oportunidade de entrar novamente em ação.

Desde que sua canção Mocinho da Vila fora ignorada por Noel, Wilson Batista estava fora de cena. Ainda fiel ao sonho de ser famoso e sabedor de que nenhum compositor popular brasileiro estava tão em evidência quanto Noel, Wilson não perdeu tempo e escreveu Conversa Fiada:

CONVERSA FIADA - 1935
(Wilson Batista)

É conversa fiada
Dizerem que o samba
Na Vila tem feitiço.
Eu fui ver pra crer
E não vi nada disso.
A Vila é tranqüila,
Porém é preciso cuidado:
Antes de irem dormir,
Dêem duas voltas no cadeado.
Eu fui lá na Vila ver o arvoredo se mexer
E conhecer o berço dos folgados.
A lua nessa noite demorou tanto,
Assassinaram-me um samba.
Veio daí o meu pranto.

Noel não podia ignorar a nova canção. O ajustamento de ritmo e a bela melodia já continham elementos que permitiam antever o grande sambista que Wilson Batista seria. A música era indiscutivelmente bem-feita, e o bairro de Vila Isabel tinha sido debochadamente atacado.

O contra-ataque tinha que ser definitivo, mortal e em grande estilo. Veio na forma de um samba intitulado Palpite Infeliz - um dos mais populares e bem elaborados de toda a obra de Noel.

PALPITE INFELIZ - 1935
(Noel Rosa)

Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também.

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo,
Ao som do samba dança
até o arvoredo.
Eu já chamei você pra ver,
Você não viu porque não quis
Quem é você que não sabe o que diz?
Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também.

A Vila é uma cidade independente
Que tira samba mas não quer tirar patente.
Pra que ligar a quem não sabe
Aonde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?

Obra-prima da música brasileira, o samba ficaria para sempre na memória do povo e de Wilson Batista. Logo no primeiro verso, Noel chama atenção para o fato de o rival ainda não ser tão conhecido: "Quem é você que não sabe o que diz?".

Mais do que provocativa, Palpite Infeliz também é uma obra integradora, que promove a confraternização do mundo do samba. A canção defende a Vila Isabel com elegância, sem colocá-la acima de Estácio de Sá, Salgueiro ou Mangueira. Para Noel, a disputa estava encerrada. Já Wilson pensava diferente, e a nova resposta veio com um golpe baixo intitulado Frankenstein da Vila. O samba era uma pilhéria com Noel, satirizando a sua feiúra provocada pelo defeito que tinha no queixo, causado por um acidente na hora do parto.

FRANKENSTEIN DA VILA - 1936
(Wilson Batista)

Boa impressão nunca se tem
Quando se encontra um certo alguém,
Que até parece o "Frankenstein".
Mas, como diz o rifão,
Por uma cara feia,
Perde-se um bom coração.

Entre os feios estás na primeira fila,
Eu te batizo "Fantasma da Vila".
Essa indireta é contigo,
E depois não vás dizer
Que eu não sei o que digo.
(Sou teu amigo)

Algumas testemunhas afirmam que Noel não deu importância ao samba, achando até graça do deboche. Outros garantem que a história não foi bem assim. Cícero Nunes, companheiro de muitas cervejadas, jura ter visto Noel chorar ao tocar no assunto. Ainda no mesmo ano, Wilson escreveu Terra de Cego, e cantou o samba para Noel no Café Leitão:

TERRA DE CEGO - 1936
(Wilson Batista)

Perde a mania de bamba
Todos sabem qual é
O teu diploma no samba.
És o abafa da Vila, eu bem sei,
Mas na terra de cego
Quem tem um olho é rei.
Pra não terminar a discussão
Não deves apelar
Para um barulho na mão.
Em versos podes bem desabafar
Pois não fica bonito
Um bacharel brigar.

Noel gostou da melodia, mas pediu para trocar a letra no próprio botequim. Como Wilson também havia andado de namoro com Ceci - uma antiga paixão de Noel Rosa -, a nova letra foi dedicada a ela. Com a música pronta, Noel viveu um "amor de parceria": a mulher era Ceci; o parceiro, Wilson Batista.

DEIXA DE SER CONVENCIDA - 1936
(Noel Rosa - Wilson Batista)

Deixa de ser convencida
Todos sabem qual é
Teu velho modo de vida.
És uma perfeita artista, eu bem sei,
Também fui do trapézio,
Até salto mortal
No arame eu já dei.
(Muita medalha eu ganhei!)
E no picadeiro desta vida
Serei o domador,
Serás a fera abatida.
Conheço muito bem acrobacia
Por isso não faço fé
Em amor, em amor de parceria.

Era o fim de uma briga musical da qual pouca gente tomou conhecimento na época (com exceção do meio artístico). É difícil saber até que ponto Noel guardou alguma mágoa ou ressentimento, principalmente com relação ao samba Frankenstein da Vila. Quanto a Wilson, façamos justiça: não foi por causa da rixa que ele se tornou alguém na vida. Seu tempo chegou pelo próprio talento. Noel faleceu em maio de 1937. A Wilson ficou saudade, respeito e grande admiração.

Antes de morrer, em 1968, Wilson Batista viu a briga com Noel virar disco nas vozes de Roberto Paiva e Francisco Egídio (Polêmica, 1956). O compositor também fez alguns sambas com menções a Noel Rosa. Entre eles, podemos citar Quero um Samba e Terra Boa.

QUERO UM SAMBA
(Wilson Batista - Waldemar Gomes)

Diga para o dono do baile
Que nós queremos sambar
A noite inteira sem tocar um samba
Nem parece que estamos no Rio,
A terra de Sinhô e o berço de Noel...

TERRA BOA
(Wilson Batista - Ataulpho Alves)

Terra de Santos Dumont
Carlos Gomes, Ruy Barbosa,
Grande Duque de Caxias,
Castro Alves, Noel Rosa...


Bibliografia

MÁXIMO, João e DIDIER, Carlos. Noel Rosa, uma biografia. Brasília, Linha Gráfica e UNB, 1990.
CABRAL, Sérgio. A MPB na era do rádio. São Paulo, Moderna, 1996.
Coleção MPB compositores, Noel Rosa. Globo.
Coleção MPB compositores, Wilson Batista. Globo.
Coleção História do Samba, "Capítulo 10". Globo.
Noel Rosa pela Primeira Vez - Discografia Completa. Ministério da Cultura/ Funarte.

É CAMPEÃO!!! Galôôôôôôôôôô...!

Meus compadres e comadres:
Tadim do Cruzeiro. Não é que os meninos tiveram até raça para reverter o resultado do primeiro jogo...!? Mas isso só fez aumentar o sofrimento deles. Ôh dó!!! O Galo deixou o Cruzeiro fazer dois gols e ele ficou "animadim" pensando que ia dar para reverter mas, aí, administramos o placar e somando os resultados, do primeiro jogo e do segundo, ficou 4X2 para o Galo. E assim, fomos Campeões Mineiros de 2007.
Foi uma festa só: de norte à sul, de leste à oeste de Minas.
Parabéns à toda Nação Atleticana.

Feira em Brasília atrai músicos independentes e discute incentivo à cultura

Debates e 31 espetáculos marcaram a realização da Feira da Música Independente (FMI), encerrada sábado (5) em Brasília. No encontro, músicos de selos não tradicionais de todo o país, e também estrangeiros, trocaram experiências e comercializaram discos – logo após um dos shows, mais de 200 CDs foram vendidos em menos de uma hora, segundo a organização da feira.

Em entrevista à TV Nacional, o vice-presidente da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), João Moreirão, disse que a comercialização dos produtos e a falta de visibilidade são os problemas enfrentados pela classe.

"Cerca de 85% da produção nacional de música não alcança os habitantes do país, por estar fora do circuito e não tocarem nas rádios", lembrou. Moreirão destacou ainda os debates realizados desde quarta-feira (2) sobre leis de incentivo à cultura, produção de eventos e sobre como redigir um projeto.

Para o pianista Rênio Quintas, os músicos brasileiros têm talento e criatividade, mas enfrentam "um muro muito grande todos os dias". Também em entrevista à TV Nacional, ele lembrou a falta de espaço nas grandes gravadoras e disse ver na Feira uma possibilidade de dar maior exposição à produção desses músicos.

“Os artistas brasileiros são essa coisa linda, têm energia, mesmo com o boicote das grandes gravadoras. Novos e velhos, eles insistem em fazer música e não se rendem", disse.

2.5.07

Os Ombros Suportam O Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade

O Sucateamento da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais

Meus compadres e comadres:

A Orquestra Sinfônica de Minas Gerais passa por um sucateamento promovido pelo Governo do Estado como meio para justificar sua privatização.
É aquela velha tática adotada pelo ex-Presidente FHC, naquela época nefasta e desavergonhada de entrega do Brasil.
O Governo Aécio Neves vem trilhando os mesmos caminhos.

O sucateamento da orquestra pode ser percebido, inclusive, pelos baixos salários dos músicos. Há tempos é o menor salário pago dentre as orquestras brasileiras.

Fomos surpreendidos recentemente pela notícia de criação de uma OCIP (Organização Civil de Interesse Público), entidade que poderá vir a ser a mantenedora da OSMG.
Parece que estão querendo fazer em Minas Gerais o que fizeram em São Paulo com a OSESP.

Em São Paulo, soubemos: os músicos pagaram um preço altíssimo. Muitos perderam seus empregos e os que ficaram foram submetidos a um regime bastante centralizado, para não dizer autoritário, sem contar as perdas dos direitos adquiridos, arduamente conquistados pelos servidores estaduais.

Os músicos mineiros por sua vez têm tentado denunciar essas investidas do Governo do Estado contra a cultura, mas não encontram apoio na imprensa mineira. Nada é publicado. Entrevistas são concedidas em vão. Houve até o caso de um repórter que ao entrevistar um músico afirmou estar ali cumprindo seu papel de jornalista, mas sabia que nada daquilo seria publicado.

O fato é que por trás da ideologia privatista está a falta de compromisso do Governo de Estado com a cultura.
Claro que deve haver a alegação de falta de recursos públicos para continuar gerindo a orquestra. É sempre o mesmo discurso. Mas tenho três indagações que buscam esclarecimentos:
1) é o Governo de Estado que não tem recursos para manter um organismo cultural dessa magnitude ou é a área cultural que recebe por parte do Governo de Estado um percentual ínfimo do orçamento?
2) esse orçamento ínfimo não demonstra a falta de compromisso do Governo de Estado com a cultura mineira?
3) se está constituindo uma OCIP para gerir a Orquestra porque não constituí-la para ser uma entidade que possa auxiliar o Governo de Estado na captação de recursos para a manutenção da orquestra, a exemplo do que foi feito na Orquestra Sinfônica de Campinas onde se criou uma entidade com essa finalidade?

Não se justifica esse sucateamento da OSMG, pelo contrário, ela precisa é de apoio e não de abandono por parte do Governo de Estado. Há que se criar alternativas antes de adotar medidas tão drásticas.

Não acho certo um governo de pouco mais de quatro anos de mandato interferir de forma tão nefasta num organismo cultural mineiro tão antigo e que já se tornou patrimônio do nosso povo.

Não pode um quadro de músicos profissionais, que sustenta o bom nome da Sinfônica de Minas e com grandes serviços prestados à comunidade, estar hoje vivendo esse tormento, sem perspectivas e temerosos quanto a seu futuro, pois estão vivendo uma situação que aponta não só para as perdas de direitos, mas inclusive de seus empregos.

Onde está o Sindicato dos Músicos de Belo Horizonte para defender sua categoria?
Onde está o Sindicato dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais para defender parte de sua categoria e garantir que isso não venha atingir mais nenhum setor do serviço público?

Como a imprensa, pelo que parece, está comprometida com o Governo de Estado podemos encontrar na internet o meio adequado de denunciar esse desserviço do Governo Aécio Neves para com a cultura de Minas Gerais.

Vamos espalhar a notícia!