28.9.07

Meus compadres e comadres.
Mais uma cariocada em cima do Galo. Lembram de 1981 quando o Zé Roberto White expulsou quase que o time inteiro do Atlético, contra o Flamengo, no Serra Dourada, em Goiânia? O campo era neutro, mas o juiz não.

Agora, a punição imposta ao nosso Glorioso pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD beneficia novamente o Flamengo. Os dois clubes se enfrentam neste sábado e lutam contra o rebaixamento.

O Galo perdeu o mando de campo em uma partida, foi multado em R$ 10 mil, por causa de um par de chinelos arremessado ao gramado do Mineirão durante o clássico contra o Cruzeiro e Coelho foi suspenso por 120 dias pela entrada no meia Kerlon durante o jogo. Cabe recurso.

Quanto ao Coelho acho que deveria ser punido, mas quatro meses sem jogar foi exagero. Quanto ao malabarista jogador do Cruzeiro acho que ele está mais para picadeiro que prá campo de futebol.

O Ziza falou: “O Rio é sempre beneficiado. No caso específico nosso, o juiz que estava presidindo a sessão afirmou durante o julgamento que era flamenguista. E se comportou como tal. Ele deu o voto de Minerva contra a gente. Já no caso do Flamengo, ele deu a favor. Os fatos são absolutamente iguais e somente nós fomos punidos”, disse Ziza Valadares.

Ele está falando do julgamento do Flamengo no mesmo dia que o Atlético. Os cariocas foram absolvidos pelo STJD e escaparam de perder mando de campo e arcar com uma multa em função de objetos atirados no gramado do Maracanã durante o clássico com o Vasco.

Dodô do Botafogo foi perdoado de punição depois de ter sido flagrado em exame de anti-dopping.

Este ano na Copa do Brasil o juiz Simon tirou o Galo da competição para o mesmo Botafogo continuar. No finalzinho do jogo sofremos um pênalti e o cabra não marcou. Deu vantagem. Já viram vantagem em pênalti? Só quando sai o gol. Mas não foi o caso. Depois pediu desculpas. É fácil, né. Esse povo erra e pede desculpas com uma facilidade...!

Lembram ainda da decisão de 74 do Cruzeiro contra o Vasco? O jogo era no Mineirão e na hora "h" foi transferido para o Maracanã e lá o juiz Armando Marques se encarregou de dar o título ao Vasco?

Ainda tem o Zé de Assis Aragão que andou expulsando um monte de jogador do Galo em outras decisões contra o mesmo Flamengo.

Esse STJD não tinha que ter sede em Brasília? Porque é no Rio de Janeiro?

Pois é, minha gente. Quando não são os juizes dentro de campo são os juizes nas mesas dos tribunais prejudicando os times mineiros em favor dos clubes cariocas.

21.9.07

Hélio Siqueira


Meus compadres e comadres,
Dia 01 de outubro, às 19 horas, na Galeria do Centro Cultural José Maria Barra será a abertura da mostra de cerâmica do amigo e artista Hélio Siqueira denominada “Oratórios”.

"Hélio Siqueira é um artista que trabalha com múltiplas linguagens, começando pelo desenho, passando pela pintura, cerâmica, tecelagem, música, teatro, figurino e chegando à ação cultural, trabalho este que o artista realiza paralelo ao da criação individual.

A exposição ORATÓRIOS apresentada agora na Galeria de Arte do SESI de Uberaba, trás como inspiração, várias vertentes da arte mundial. O artista vai buscar seus temas na arte dos povos primitivos como: nos monolitos da Ilha de Páscoa, na cerâmica chipriota do Museu do Louvre “Madre y Nino”, na “Vênus de Willendorf”, nas esculturas de “Adelina Gomes” do Museu do Inconsciente e nos Oratórios da arte sacra mineira.

Sempre com algumas acrobacias irônicas em torno da desmistificação e uma pitada de erotismo, fator constante em suas cerâmicas, o artista comunga com a idéia de que a arte, ao contrário do que muitos pensam, deve ser inédita, imprevista e extremamente imaginativa."

O crítico mineiro Walter Sebastião escreve que: “Há uma força de algum modo alegórico nestas obras cujo mote, insistentemente, parece ser um momento após a percepção da forma por si, instante em que irrompe na matéria um algo mais, ‘imaterial’ e simbolicamente, capaz de contagiar todas as coisas, mesmo os objetos mais cotidianos e a natureza, tensionando a sua naturalidade, dando corpo a fantasmas individuais e coletivos, evocando um antes, primal, que foi suprimido.”

Exposição “ORATÓRIOS”
Centro Cultural José Maria Barra – SESI/Uberaba
Abertura: 01/10/2007, às 19h, na Galeria de Arte
Visitação de 02 à 30 de outubro de 2007
Praça Frei Eugênio, 231 – São Benedito
Tel.: (34) 3322-2021 ou 3322-2023

15.9.07

Concretismo: 50 anos de uma poesia genuinamente brasileira

A poesia concreta, movimento artístico genuinamente brasileiro, completou 50 anos do seu lançamento em dezembro de 2006, sem que houvesse grande repercussão na imprensa, a não ser em veículos especializados em literatura. E, assim mesmo, a divulgação ficou muito aquém do esperado, se levarmos em conta a importância que essa revolução poética teve (e tem) para a cultura nacional.

Na verdade, tudo começou em 1952, quando um grupo de poetas (notadamente os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari) se congregou para lançar uma nova revista: a Noigandres, palavra extraída de um poema de Ezra Pound, sem nenhum significado.

Ressalte-se que a expressão "arte concreta" é muito anterior a esse movimento. Foi usada, pela primeira vez, não na poesia, mas no campo das artes plásticas, por Theo Van Doesburg, em 1930, para caracterizar toda a arte que se tinha desvinculado por completo da mera imitação da natureza.

Ou seja, aquela de caráter não-figurativo. Quem trouxe esses princípios para o campo das letras foram, originalmente, os irmãos Campos e Décio Pignatari, aos quais logo vieram se juntar o carioca Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Waldimir Dias Pino.

Não tardou para que o movimento ganhasse novas adesões, entre as quais as de José Lino Grünewald, Reinaldo Jardim e do crítico Oliveira Bastos. Até Manuel Bandeira, na ocasião o decano do Modernismo no Brasil, chegou a realizar algumas experiências poéticas concretas. E foi além da mera experimentação. Em sua coluna diária de crônicas, publicada em vários jornais do País, o poeta pernambucano fez vários comentários favoráveis a essa renovadora tendência poética.

Elogios e críticas

Mas o marco oficial do novo movimento foi, mesmo, a Exposição Nacional de Arte Concreta, levada a efeito no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) em dezembro de 1956. Participaram dessa mostra histórica os artistas plásticos Geraldo Barros, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro, João S. Costa, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Maurício Nogueira Lima, Rubem M. Ludolf, César Oiticica, Hélio Oiticica, Luís Sacilotto, Décio Vieira, Alfredo Volpi, Alexandre Wollner, Lothar Charoux, Lygia Pape, Amílcar de Castro, Kasmer Fejer, Franz J. Weissmann e Ivan Serpa. E, claro, como convidados de honra, fizeram-se presentes os poetas Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Waldimir Dias Pino.

Foram expostos, naquela oportunidade, cartazes-poemas, ao lado de obras pictóricas e de esculturas. A mostra foi um sucesso, pelo menos de crítica. Agitou os meios artísticos paulistas e não tardou a ganhar repercussão nacional.

Claro que, junto a referências elogiosas aos trabalhos expostos, não faltaram críticas, que, aliás, todas as obras transgressoras de cânones vigentes, via de regra, produzem. As soluções gráficas dos cartazes (como padronização de tipos, diagramação etc.) foram sugeridas na ocasião pelo artista plástico e publicitário Hermelindo Fiaminghi, um dos expositores.

Contudo, o impacto maior da eclosão do movimento concreto não foi o causado pela mostra paulista. Ocorreu, de fato, quando a exposição foi levada ao Rio de Janeiro, dois meses depois, em fevereiro de 1957.

Muitos críticos consideram esta segunda data como a da gênese do concretismo poético no Brasil. Discordo. Mas devo admitir que só a partir dessa segunda mostra, montada no saguão do Ministério de Educação e Cultura da então Capital Federal, que a poesia concreta ganhou amplo espaço na imprensa, já que jornais e revistas, de grande circulação, deram cobertura ao evento.

Pela renovação

Tenho uma visão bastante particular sobre movimentos e escolas literários, que tentarei expor de forma bastante sucinta. A palavra "poesia", permitam-me lembrar, vem do grego "poesis". Trata-se de substantivo derivado do verbo "poieô", que indica a ação de fazer. "Poieô" tem, também, estes significados: fabricar, confeccionar, fazer por si, fazer de acordo com seu gosto, criar por si, fazer a si mesmo e apreciar, julgar.

Por derivação, "poietis" é o sujeito realizador dessas ações. Ou seja, é o autor, criador, inventor, fabricante, artesão. Sua realização é a "poiesis" e o "poiema", a obra, os atos de criação do espírito, a invenção. O poeta, portanto, é um criador. Cria novos seres a partir dos que já existem. Ou seja, lhes dá novas significações e expressões. Daí fazer-se, com assiduidade, uma analogia (bastante válida) entre a poesia e a criação divina.

Para mim, não importa a forma com que um poema é produzido. O que conta é a criatividade, a originalidade e o bom-gosto da obra. No meu processo de criação poética, tanto lanço mão de princípios do parnasianismo, ou do simbolismo, ou de formas muito mais antigas, quanto (quando julgo ser a melhor maneira de expressar o que quero) de cânones da poesia concreta. Tanto recorro, por exemplo, ao soneto, com métrica, rima e ritmo, quanto a versos brancos, dependendo do quê e de como desejo me expressar.

É certo que movimentos como o concretismo contribuem para renovar a arte de compor. Faço uma analogia com a água. Se esta for corrente, tende sempre a se renovar, a se purificar, a ser potável. Se ficar estagnada, contudo, em pouco tempo se torna doentia, poluída, insalubre, não-utilizável para consumo.

Esses movimentos renovadores fornecem, ao artista, alternativas, que são sempre válidas, desde que utilizadas com perícia, com talento e com bom-gosto. Mas não me sinto antiquado e nem considero o poema como inferior se recorrer às regras do parnasianismo, por exemplo. Não se trata de preconceito da minha parte contra o que lembre vanguarda, já que em arte, idéias preconcebidas, dogmas e regras rígidas somente tendem a engessar a criatividade.

"Contra a infuncionalidade"

Tanto não sou avesso à poesia concreta (como chegaram a me acusar), que em inúmeras ocasiões perpetrei poemas com essas características, como o que peço licença para expor, abaixo, composto em Campinas, em 30 de outubro de 1982:

Sol, som, só

Sol.
Som.
Só.

Soluço sombrio
solvendo sossego,
saindo sozinho
sem solução.

Sombras salientes,
severas, soturnas,
sangram, sicárias,
as suas saudades.

Sonhando,
sofrendo,
suando,
sabendo,
semeio
safiras,
seduzo
sereias,
saqueio
sampanas,
sibilo
sonetos,
sossego
sabendo,
sentindo
ser só.

Sol,
suor,
seiva...
Sons,
silvos,
sambas.
Saudades,
"soledades",
solidão...

Um dos criadores da poesia concreta, Augusto de Campos, explicou, em um artigo: "A revolta da poesia concreta não é contra a linguagem. É contra a infuncionalidade e a formalização da linguagem (...) não há razão para supor que os poetas concretos tenham criado uma nova linguagem, ou seja, que sua poesia escape por completo a qualquer categoria formal da linguagem. Se suas estruturas não coincidem com um determinado tipo de estrutura lingüística (a ocidental ou indo-européia, de modo geral) imposto pela tirania do hábito, isto não quer dizer que os poetas concretos não se sirvam de procedimentos conceituais e gramaticais universamente conhecidos".

Em suma, para mim, da forma que entendo essa importante vertente de expressão artística, não há poesia arcaica e nem de vanguarda. Ela não pode, não deve e nem é antiquada ou moderna. Nada proíbe (nem deve proibir) o poeta de lançar mão de que forma que for de expressão. Só há um, e único tipo de poesia: a que sensibiliza, que comunica, que transmite pensamentos, sentimentos e emoções. E esse, parodiando Carlos Drummond de Andrade, é, sobretudo, eterno.

Pedro J. Bondaczuk

Construtivismo no Brasil

Concretismo e Neoconcretismo

Haroldo de Campos

O Construtivismo brasileiro tem suas raízes na década de 1950. De fato, em 1949 se situam as primeiras atividades de artistas com Waldemar Cordeiro (pesquisas com linhas horizontais e verticais; criação do Art Club de São Paulo, dedicado ao experimentalismo), bem como as experimentos iniciais de Abraham Palatnick com a luz e a cor; de Mary Vieira com volumes; de Geraldo de Barros com "fotoformas". Como precursoras dessa tendência se poderiam citar, nos anos 20, as estruturas neocubistas de Tarcila do Amaral (1886-1973), animadas por um "colorismo" voluntariamente ingênuo, "caipira". Tarsila foi discípula, em Paris, de Lhote, Gleizes e Léger e, de volta ao Brasil, lançara a "pintura pau-brasil", da qual, posteriormente, desenvolveu-se a "pintura antropofágica". Casada com o poeta e romancista experimental Oswald de Andrade (1890-1954), a mais dinâmica figura do Modernismo de 22, com ele se empenhou nos homônimos movimentos de vanguarda, anunciados por memoráveis manifestos oswaldianos. Outro pioneiro foi Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), ativo em Paris e no Brasil, influenciado, em suas figurações geométricas, tanto pela tendência Art Déco quanto por um cubismo estilizado e "tropicalizado" ("primitivista")

Em 1950, Max Bill apresenta uma exposição individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo (fundado em 1947) e, em 1951, recebe o Prêmio Internacional de de Escultura com a Unidade Tripartida, na I Bienal de São Paulo. Nesse mesmo ano, Mary Vieira e Almir Amvignier deixam o Brasil: a primeira para estudar com Max Bill e radicar-se na Suíça (Basiléia); o segundo, para matricular-se na Escola Superior da Forma ( Hochschule für Gestaltung), Ulm, e radicar-se na Alemanha. Em 1952, forma-se o grupo de pintores concretos de São Paulo, liderados por Waldemar Cordeiro (jovem artista ítalo-brasileiro, educado em Roma, ideologicamente influenciado pelo marxismo gramsciano). O grupo, inicialmente constituído por Charoux, Geraldo de Barros, Fejer, Leopold Haar, Sacilotto e Anatol Wladyslaw, além de Cordeiro, lançam polêmico manifesto, sob o título "Ruptura". Aos construtivistas de "Ruptura" logo se aliam os poetas do grupo Noigandres (revista-livro fundada em 1952, em São Paulo, por Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari). Das atividades e experimentos do grupo Noigandres emergiria, entre 1953 e 1956, o movimento de poesia concreta , cujo lançamento público iria ocorrer na "Exposição Nacional de Arte Concreta" ( São Paulo, dezembro de 1956; Rio de Janeiro, fevereiro de 1957), na qual tomaram parte poetas e artistas plásticos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os construtivistas do Rio pertenciam ao Grupo Frente, fundado em 1954, sob a liderança de Ivan Serpa; quanto à poesia, participavam da mostra o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar (maranhense de nascimento), expressamente convidado por Augusto de Campos, e o mato-grossense Wladimir Dias Pino .

No plano internacional, o movimento, na sua dimensão poética, foi colançado pelo poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer (secretário de Max Bill na Escola Superior da Forma) a quem Décio Pignatari encontrara numa visita a Ulm, em 1955 ( Gomringer chamava Konstellationen suas composições de estrutura ortogonal e linguagem reduzida, escritas em alemão, francês, inglês e espanhol, mas aceitou a denominação geral poesia concreta/ konkrete dichtung, proposta pelo grupo Noigandres que, por sua vez, costumava designar por "ideogramas" seus poemas em geral de semântica mais complexa, plurilingues e de múltiplas direções de leitura. A cooperação entre os poetas concretos brasileiros e Gomringer resultou numa kleine anthologie konkreter poesie, de âmbito plurinacional, editada pelo poeta das "constelações" no n°8 da revista Spirale (Berna, 1968). Em 1959, os artistas concretos do Rio, sob a liderança de Ferreira Gullar, lançam a dissidência denominada Neoconcretismo, anunciada por um manifesto publicado no Jornal de Brasil, cujo Suplemento Dominical se convertera na tribuna dos poetas e pintores da vanguarda brasileira. No plano estético, o dissídio explicava-se pela diferença de formação do grupo carioca, em especial de seu porta-voz e teórico, F. Gullar, cuja concepção artística progredia da matriz surrealista francesa, aguçada pelo sonorismo glossolático e fraturado de Antonin Artaud, e decantada pelo cubismo e pela abstração geométrica, uma concepção de forte marca subjetivista; os paulistas, acusados pelos cariocas de "racionalistas", defendiam, na verdade um "racionalismo sensível", uma dialética "razão/sensibilidade", que não discrepava da máxima de Fernando Pessoa: "Tudo que em mim sente está pensando" e que não encontraria maiores objeções da parte do Mallarmé da "geometria do espírito", do Lautréamont do elogio às matemáticas; do Pound da equação "poesia" igual à matemática inspirada" e, entre nós, de João Cabral do lecorbuseano e valeryano O Engenho (1945), mas que irritava o expressionismo subjetivista do grupo do Rio, sobretudo de seu mentor no nível crítico-teórico. Os pintores se São Paulo estavam influenciados pelo neoplasticismo de Mondrian pelo construtivismo derivado do De Stijl holandês, pelos futuristas italianos e pela vanguarda russa (Gabo, Pevsner, Tátlin, Lissístski, - Maliévitch também, no seu extremado despojamento "suprematista", apogeu de certa leitura do cubismo) bem como pela experiência participativa do Bauhaus de Gropius, retomada no pós-guerra pela escola de Ulm, dirigida por Max Bill, onde lecionava o filósofo de estética e semioticista Max Bense. O principal alvo dos "neo" artistas do Rio, que juntaram (para distinguir-se) um prefixo neo ao concretismo, era Waldemar Cordeiro, teórico de idéias combativas e formação marxista não-jdanovista; lembre-se, a propósito o ataque de Theo Spanudis, colecionador de arte, psicanalista e poeta amador, alistado ao neoconcretismo desde o primeiro momento, aos poetas de Noigandres, que lhe pareciam "barroquisantes em confronto com o "despojado" Gomringer, e que estariam sob a "deletéria" influência do "marxista" Cordeiro (cf. "Gomringer e os Poetas Concretos de São Paulo"; Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 15.09.57) Forte componente da discórdia entre ambas as facções construtivistas (a "concreta" e a "neo") estava situada, portanto, no plano da política artística, com matizes reivindicativos de prestígio regional, quando não eram meramente idiossincráticos, de "desafinidades" eletivas: caso de Willys de Castro e de Barsotti que, apesar de uma efêmera participação na Galeria NT (1963), incompatibilizaram-se com o "agressivo" Cordeiro e, consequentemente, buscaram abrigo junto à dissidência carioca, onde foram bem aceitos. Hoje essas divergências, em boa parte, dados os méritos respectivos dos artistas plásticos envolvidos, pertencem sobretudo à pequena história" e não relevam; que divergência maior havia, por exemplo, salvo o timbre intransferível da personalidade de cada um, entre o construtivista já op Sacilotto e a Lygia Clark da fase anterior a suas inventivas intervenções plásticos-terapêuticas e comportamentais (das borrachas contorcionistas às tramas de fios e baba salivar)? Razão tinha Hélio Oiticica, o mais jovem e um dos mais ousados e criativos entre os artistas do Rio, quando, em 1967, deu o exemplo de largueza de compreensão e superação de ressentimentos, ao organizar a exposição "Nova Objetividade Brasileira" sob o signo da relativização dos "ismos" e da "vocação construtiva" como ideal comum, convidando para dela participar o inimigo n°1 do "neoconcretismo" carioca, Waldemar Cordeiro, que então desenvolvia, em cooperação com o poeta Augusto de Campos, a fase "pop creta" de seu trabalho (exposição na Galeria Atrium de S. Paulo, 1964) bem como artistas mais novos (Antonio Dias, Gerschman, o grupo libado a Wesley Duke Lee).

Quanto ao neoconcretismo em poesia, foi tendência de curta duração, que deixou magro saldo. Gullar, convertendo-se a uma linha populista de impostação neojdanovista, partiu já em 1962 para o malogro equivocado do Violão de Rua, tornando-se porta-voz das teses dogmáticas do CPC (Centro Popular de Cultura). Na ocasião os poetas concretos de São Paulo, alinhados ideologicamente à esquerda, porém anti-stalinistas, anti- "realismo socialista", reclamavam-se, por sua vez, de Maiakóvski ("sem foram revolucionária, não há arte revolucionária", "a novidade, novidade do material e do procedimento, é indispensável a toda obra poética"; ver o "PS - 1961", acrescentado ao Plano Piloto para Poesia Concreta" de 1958, Teoria da Poesia Concreta, Textos críticos e Manifestos, São Paulo, Edições Invenção, 1965/ 3° edição: São Paulo, Brasiliense, 1987. Hoje, passados 40 anos da "Exposição Nacional de Arte Concreta" ( quando eu próprio, já há mais de duas décadas, não faço "poesia concreta" no senso estrito do conceito, embora continue perseguindo a concretude na linguagem e prossiga nutrindo-me do ostinato rigore da fase concretista dos anos 50 e 60) parece-me que ambas as orientações artísticas daquele período fecundo e polêmico, com as naturais diferenças de temperamento e realização, podem ser vistas com variantes - até complementares- de um "Projeto Construtivo Brasileiro", título aliás da grande exposição retrospectiva apresentada, em 1977, no MAM do Rio e na Pinacoteca do Estado de São Paulo, sob a curadoria da crítica e historiadora da arte Aracy Amaral.

O grande mestre, aliás, respeitado por ambas as tendências e respaldado pela crítica de SãoPaulo, (Mário Schenberg à frente) e do Rio ( Mário Pedrosa), foi Alfredo Volpi (1896-1988), cujo centenário de nascimento se comemora esse ano,. Nascido em Lucca na Itália e jamais naturalizado formalmente, Volpi teve um longo convívio com os pintores e poetas concretos paulistas ( Décio Pignatari o definia como um "Mondrian trecentista"). Equivocadamente tido por alguns como um pintor "primitivo", o lacônico mas juundo Volpi era na verdade um sábio, um refinado mestre do olhar e do gesto pictórico, soberano no trato das "estruturas elementares" (por assim dizer) da visualidade e da cor (obtida por um sutilíssimo domínio da têmpera).

A arte concreta no Brasil - que entretém remotas afinidades com o geometrismo da cerâmica e dos motivos da pintura corporal indígena, assim como o pré-cubismo das esculturas e objetos religiosos africanos; que emergiu coincidentemente no tempo com a criação de Brasília, a nova Capital, por obra do arquiteto Oscar Niemeyer e do urbanista Lúcio Costa - teve grande influência no design (sobretudo por obra de Alexandre Wollner e Geraldo de Barros e, no plano teórico, pelas intervenções de Décio Pignatari); na propaganda (Fiaminghi, Pignatari, Mavignier); na reformulação visual da imprensa (Amílcar de Castro, em 1957, programou o novo lay-out do jornal do Jornal do Brasil, diário de alcance nacional, que abrigava as manifestações da vanguarda construtivista); junto à música de vanguarda, cujos compositores publicaram seu manifesto no n°3 da revista Invenção, junho de 1963, dirigida pelos concretos de S. Paulo, como também junto à nova música popular ( o sofisticado movimento Tropicalista de Caetano Veloso e Gilberto Gil, influenciado por idéias de Hélio Oiticica, pela prática inovadora da poesia brasileira - de Oswald e João Cabral à poesia concreta - e apoiado, pioneiramente, no plano crítico e musicológico, por Augusto de Campos; cf. A. de Campos, O Balanço da Bossa e Outras Bossas, São Paulo, Perspectiva, 1974 ( 1° ed.1968). Já em 1960, mesmo após a manifestação pública da dissidência neo, artistas de ambas as vertentes construtivistas concorriam simultaneamente à grande exposição koncrete kunst, organizada por Max Bill em Zurique, regida por um critério abrangente, gesto de amplitude que seria repetido em 1967 por Hélio Oiticica (em contato e correspondência com os poetas concretos de S. Paulo - Haroldo de Campos e Décio Pignatari sobretudo- a partir daquela década e até o seu falecimento em 1980).

Da ótica dessa "Nova Objetividade" ou "Novo Objetivismo" (veja-se o texto de H. Oiticica: Esquema Geral da Nova Objetividade), a arte construtiva brasileira constitui um magnífico exemplo da antropofagia cultural, preconizada por Oswald de Andrade: devoração crítica do legado universal sob a perspectiva da "diferença" brasileira. "Somos concretistas" escreveu, com efeito, Oswald em seu fundamental Manifesto Antropófago de 1928, referindo o exemplo "sonorista" (zaúm diriam os futuristas russos) extraído de uma canção indígena brasileira (em língua tupi-guarani)

catiti catiti
imara notiá
notiá imara
ipeju

E se, de fato, como já ficou dito, o construtivismo brasileiro pode reivindicar raízes pré-cabralinas na arte aborígene - da cerâmica `a pintura corporal e a essa verdadeira joalheria de cores em acorde luminoso que é a arte plumária, por um lado; por outro, encontra manifestas afinidades com o jogo de formas combinatórias, vertiginosas, de nosso Barroco miscigenado, de tradição ibérica mas caldeado no trópico, cuja extroversão pública se dá, por exemplo, na "festa" comunitária dos "triunfos" eclesiásticos-dramáticos, tão bem estudada por Affonso Ávila (nosso maior especialista nesse campo intersemiótico, onde coesistem aspectos lúdicos verbais e não-verbais) revela também, por mais de uma faceta, traços de congenialidade com relação às manifestações populares, barroquizantes em seu explendor multicolorido e em suas evoluções rítmico-alegóricas, tais como o carnaval do Rio(mais pagão e urbano) e o da Bahia (onde o elemento afro tinge de sacralidade o vistoso dos trajes e o cerimonioso dos passos nos desfiles) não à toa Hélio Oiticica, músico da plástica e passista da Mangueira, soube sintetizar essas essas harmonias "simpoéticas" na invenção do parangolé (asa delta para o êxtase, como já o defini).

13.9.07

Emir Sader celebra o Guerra e Paz de Portinari

Neste ano, cumprem-se 40 anos da inauguração dos painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, no prédio da ONU, em Nova York. Quadros que não puderam ser inaugurados pelo pintor brasileiro, que teve sua entrada nos EUA impedida por negação de visto de parte do governo estadunidense, sob acusação de “comunista”. Até hoje os quadros estão no Conselho de Segurança, sem identificação, a ponto que os guias não sabem inidicar aos visitantes a autoria dos painéis. Este ano está prevista uma cerimônia que “inaugure” uma das obras primas do maior pintor brasileiro, 50 anos depois. Este artigo celebra os quadros, mais do que atuais, de Portinari.

Por Emir Sader*

Desde que Portinari pensou na idéia dos painéis de guerra e paz, muitos canhões dispararam, muitos acordos de paz foram obtidos. Mas o que aconteceu com esses dois temas cruciais que têm cruzado toda a história da humanidade, desde então?

As observações de Che Guevara

Quando pintava os painéis, Portinari pode conhecer o que seria o “pós-guerra”, depois daquela que foi praticamente uma única guerra – interimperialista – de 1914 a 1945. Chegada a paz, que mundo seria aquele?

Em 1967 o Che se referia a esse período:

"Já se cumpriram vinte e um anos desde o fim da última conflagração mundial e diversas publicações, em infinidade de idiomas, celebram o acontecimento simbolizado pela derrota do Japão. Há um clima de aparente otimismo em muitos setores dos distintos campos em que o campo se divide.”

“Vinte e um anos sem guerra mundial, nestes tempos de confrontrações máximas, de choques violentos e mudanças repentinas, parecem uma cifra muito alta. Mas, sem analisar os resultados práticos dessa paz pela que todos nos manifestamos dispostos a lutar (a miséria, a degradação, a exploração cada vez maior de enormes setores do mundo) é preciso perguntar-nos se ela é real.”

"A paz está outra vez em perigo"

Enquanto Portinari escolhia o tema dos seus painéis e começava a ideá-los, segundo o Che:

Na Coréia, “depois de anos de luta feroz, a parte norte do país ficou submetida à mais horrível devastação que figure nos anais da guerra moderna; devastada por bombas; sem fábricas, escolas ou hospitas; sem nenhum tipo de casa para abrigar a dez milhões de habitantes.”

“No outro lado, o exército e o povo da Coréia e os voluntários da República Popular da China contaram com o abastecimento e a assessoria do aparato militar soviético. Por parte dos estadunidenses foram feitos todos os tipos de provas de armas de destruição, excluindo as termonucleares, mas incluindo as bacteriológicas e as químicas, em escala limitada. No Vietnã, se sucederam ações bélicas, sustentadas pelas forças patrióticas desse país quase ininterruptamente contra três potências imperialistas: o Japão, cujo poderio havia sofrido uma queda vertical a partir das bombas de Hiroshima e Nagasaki; a França, que recupera daquele país vencido suas colônias indochinesas e ignorava as promessas feitas em momentos difíceis; e os EUA, nesta última fase da luta.”

E concluia o Che:

“Tudo parece indicar que a paz, essa paz precária a que se deu esse nome, só porque não se produziu nenhuma conflagração de caráter mundial, está outra vez em perigo de ser rompida diante de qualquer passo irreversível e inaceitável, dado pelos estadunidenses.”

"Uma decisiva e urgente tarefa"

Os “tempos de paz” depois de 1945 representaram que os acordos de Yalta inviabilizavam as guerras nos países do centro do sistema – EUA, Europa, Japão. Estas continuavam a ser protagonizadas pelas grandes potncias imperiais, mas passavam a ter seus cenários na periferia do sistema: Ásia, África, América Latina, para os quais os tempos foram de guerra mais do que nunca.

Ficam claras, nesse cenário, as razões que levaram Portinari a - convidado, em 1950, a fazer os painéis -, tivesse escolhido o tema da guerra e da paz. Consciente politicamente do período que a humanidade passava a enfrentar, apesar do fim do conflito mundial, um ano antes, ele escrevia:

“...A luta pela paz é uma decisiva e urgente tarefa. É uma campanha de esclarecimento e de alerta que exige determinação e coragem. Devemos organizar a luta pela Paz, ampliar cada vez mais a nossa frente anti-guerra, para ela todos os homens de boa vontade, sem distinção de crenças ou de raças, para assim, unidos os povos do mundo inteiro, não somente com palavras mas com ações, levarem até a vitória final a grande causa da Paz, da Cultura, do Progresso e da Fraternidade dos Povos...”

Dois elementos em tensão e conflito

Vítima, ele também, entre outros, da repressão advinda dos inícios da “guerra fria” - quando os partidos comunistas foram ilegalizados, conforme a linha ditada por Washington -, Portrinari buscou, em 1948, refúgio no Uruguai. Não faltava a Portinari a consciência do vínculo entre seu destino individual e os maiores enfrentamentos do novo período histórico, que fazia enfrentar a paz e a guerra.

O trabalho dos painéis inicia em 1952 e é concluído em 1956. Terminada a guerra da Coréia, a dialética entre a guerra e a paz ganha novas formas. A sensibilidade genial de Portinari e sua profunda compreensão histórica faz com que ele não pinte a guerra ou a paz. Sabe que em tempos imperiais, uma e outra estão permanentemente em tensão e em conflito. Que a paz é uma conqusita sobre as dinâmicas belicistas das potências imperiais, que fazem da guerra suas tentativas de impor seus interesses, violando permanentemente a paz.

O historiador britânico Eric Hobsbawn, depois de analisar as guerras no século 21, se arrisca a prever:

“...no século 21, a guerra não será tão sangrenta como foi no século 20, mas a violência armada, que dará lugar a um grau de sofrimento e umas perdas desproporcionais, continuará onipresente e será um mal endêmico e epidêmico por momentos, em grande parte do mundo. Fica longe a idéia de um século de paz.”

Assim, os painéis de guerra e paz de Portinari continuam dramaticamente atuais no século 21. Não apenas seus riscos, mas principamente as caras, as expressões humanas dos seus indizíveis sofrimentos de mulheres chorando, com filhos mortos, ajoealhadas diante dos seus corpos. As caras do povo – vítima da guerra e sujeito da paz -, que ninguem soube retratar melhor do que Portinari - o pintor da guerra e da paz, o pintor do povo.

* Fonte: Blog do Emir (http://www.agenciacartamaior.com.br); intertítulos do Vermelho

11.9.07

'Ser ou não ser': identidade de Shakespeare é posta em xeque

"Era ou não era o Bardo de Avon?" - eis a questão. Pelo menos é o que propõem alguns dos mais renomados atores "shakesperianos", no Reino Unido, sobre a identidade real de William Shakespeare. Conforme informa o jornal The Observer, a dúvida foi lançada por Derek Jacobi e Mark Rylance. Aos dois, sobra conhecimento de causa.

Jacobi, em sua longa carreira, encarnou personagens do famoso dramaturgo, a exemplo de Hamlet. Já Rylance foi diretor artístico do Globe Theatre - a conhecida réplica do teatro original de Shakespeare em Londres. Neste final de semana, eles divulgaram a chamada Declaration of Reasonable Doubt (Declaração de Dúvida Razoável). O documento questiona a identidade do "Bardo" (1564-1616), como também é conhecido o autor dos clássicos Otelo e Romeu e Julieta.

A polêmica veio à tona em local propício - no Minerva Theatre de Chichester (sul da Inglaterra). É lá que está em cartaz a peça teatral I Am Shakespeare (Eu Sou Shakespeare), que também investiga a veracidade da identidade do famoso dramaturgo. Ao fim da sessão de sábado, Jacobi e Rylance levaram ao público a declaração.

No texto divulgado, os atores indagam: como foi possível um plebeu do século 16 como Shakespeare, criado em uma família analfabeta de Stratford-upon-Avon, ter escrito as geniais obras que levam seu nome? Além disso, um homem que mal sabia ler e escrever não poderia possuir os rigorosos conhecimentos legais, históricos e matemáticos que salpicam as tragédias, comédias e sonetos atribuídos à pena do bardo.

O documento

Apesar de seu teor controverso, o comunicado promovido pela Shakespeare Authorship Coalition já recebeu a assinatura de quase 300 pessoas. Os signatários - dentre os quais figuram mais de trinta acadêmicos - dizem que não há provas de que o aldeão de Stratford-upon-Avon recebia algum tipo de pagamento para escrever alguns dos livros mais famosos da literatura universal.

Outro ponto sob suspeita é que os livros do autor explicitam grande familiaridade com a vida das classes altas, além de incluírem "detalhes obscuros" sobre países como a Itália. "Os eruditos acharam poucas ligações - a maioria delas duvidosas - entre a vida do suposto autor e as obras", diz a declaração.

Além disso, a Coalizão, fundada em 23 de abril deste ano (coincidindo com os 391 anos da morte do escritor), ressalta que o testamento de Shakespeare não menciona livros, obras teatrais ou poemas, além de não conter frases "shakesperianas".

Alguns nomes

Desde o século 18, não faltam teorias que defendem a idéia que William Shakespeare não foi mais que um pseudônimo. Com o tempo, surgiram suspeitas de que, por trás da figura do bardo, pudessem se esconder o dramaturgo Christopher Marlowe (1564-1593), o filósofo e homem de letras Francis Bacon (1561-1626) e Edward de Vere (1550-1604), conde de Oxford.

"Apóio a teoria do grupo", disse Jacobi, que arrisca um palpite sobre "o verdadeiro" Shakespeare: Edward de Vere, freqüentador da corte no reinado de Elizabeth I (1533-1603). O ator expõe as supostas similaridades entre a biografia do conde e numerosos fatos relatados nos livros do bardo.

"Acho que quem mais lança luz (sobre o enigma) é possivelmente De Vere, pois penso que um autor escreve sobre suas próprias experiências, sua própria vida e sua própria personalidade", comentou o ator.

Legitimidade

Jacobi e Rylance entregaram uma cópia da declaração ao professor William Leahy, responsável pelo departamento de Inglês na Universidade Brunel de Londres. Leahy é ainda diretor do primeiro programa de estudos dedicado à obra de Shakespeare, que começa este mês.

Segundo ele, o debate proposto é "legítimo", já que o problema oferece um "mistério em sua origem". "A discussão intelectual pode nos aproximar dessa origem. Isso não quer dizer, no entanto, que vamos achar uma resposta para tudo. Naturalmente, essa é a questão."

Pescado do portal www.vermelho.org.br

9.9.07

Mais um pedaço da história de Uberaba vira entulho

Meus compadres e comadres.
Mais um pedaço da história de Uberaba virou entulho. Estou falando da demolição arbitrária de um casarão da Avenida Presidente Vargas.

A casa tinha valor significativo e estava dentro de um conjunto importante, no entorno do Grupo Brasil, Igreja São Domingos e Santa Rita, bens já tombados. Era inventariada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Iepha) desde 1987 e não poderia ser demolida ou modificada sem a autorização do Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba (Conphau).

Alguns conselheiros lembram que a Prefeitura de Uberaba está trabalhando para revitalizar e valorizar o aspecto histórico da cidade, e afirmam que não houve tempo para articular. "A prefeitura já permutou casas, restaurando e estudando o núcleo histórico da cidade. Aquele é um conjunto que merece ser preservado, com residências apresentando características ligadas ao ecletismo. O interesse não é isolado e não destacamos apenas os que têm valor artístico e arquitetônico, e sim o conjunto harmônico, que merece ser preservado".

Agora estão falando que vão aplicar uma multa de 50% do valor do imóvel à proprietária. Como se isso adiantasse ou trouxesse de volta o casarão.

Será que não está faltando uma política de prevenção mais séria que passe inclusive pela conscientização da população e principalmente dos proprietários desses imóveis de valor arquitetônico e histórico?

Há imóveis de valor histórico e cultural que são públicos e outros que são privados. Estes últimos, adquiridos pelo fruto do trabalho ou legado, são protegidos constitucionalmente como valores conquistados por direito. Mas a mesma Constituição diz que aquilo que tem valor e interesse social pode ser considerado público resultando assim no falecimento do interesse privado perante o interesse social.

O proprietário tem direito a indenização e em Uberaba é sabido das isenções e descontos de taxas públicas.

Temos que respeitar a sociedade preservando o que é dela por direito constitucional e dar benefícios àqueles que vão receber o justo por serem proprietários de bens considerados de valor arquitetônico e histórico.

Temos que saber mostrar à população e aos fervorosos defensores do “progresso” que pode haver convivência harmoniosa com a preservação. Além do mais hoje somos o que fomos e o que poderemos ser dependerá do que vamos conseguir preservar da nossa história e da nossa cultura.

O Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba (Conphau) deveria divulgar seus contatos telefônicos na vizinhança dos patrimônios arquitetônicos e históricos (S.O.S. PATRIMÔNIO) para que seja avisado quando uma agressão dessas estiver nas eminências de ser efetuada.

O povo pode e deve ajudar a preservar, mas antes precisa ser conscientizado e assim poderá cobrar uma política cultural séria, sem partidos, cor, raça ou religião que faça cessar a nefasta ação dos interesses privados que se sobrepõem ao interesse coletivo e cultural.

Vamos cuidar do que ainda resta!

6.9.07

Por que Pavarotti, o maior, não deixa herdeiros à ópera

A morte de Luciano Pavarotti, na manhã desta quinta-feira (6), deixa o mundo privado do maior dos tenores - "um vulcão que cantava fogo", nas palavras de Bono Vox. Da elite dos grandes teatros aos simples aficionados, o mundo da ópera chora a perda enquanto lembra especialmente a grande difusão que o cantor lírico italiano deu a essa forma artística.

A voz potente e a disposição em se juntar a nomes do universo pop, como Sting e Bono, fizeram de Pavarotti um nome familiar no mundo inteiro. Morto aos 71 anos, após lutar contra um câncer pancreático, é considerado o "maior tenor do mundo", desde a morte do "grande Enrico Caruso", em 1921.

"Sempre admirei sua voz divina, seu timbre inconfundível e sua extensão vocal completa", declarou Plácido Domingo, que fez com Pavarotti e José Carreras a poular série de concertos Os Três Tenores. "Eu adorava seu belo senso de humor."

A Ópera Real do Covent Garden de Londres - onde Pavarotti saltou para a fama com sua primeira apresentação solo, em 1963 - também lamentou a morte do tenor: "Ele tinha a capacidade única de tocar as pessoas com a qualidade emotiva e brilhante da sua voz. Era um homem com o toque comum e com o dom mais extraordinário".

A perda foi ainda mais sentida em Modena, a cidade onde Pavarotti nasceu em 1935, viveu e morreu. Ali, ele era lembrado não só como um grande tenor mas também como o jovem amante do futebol que foi no passado. "Estivemos juntos desde a infância. Ele jogava de goleiro", recordou Giorgio Maletti, de 72 anos.

Venusta Nascetti, 71, costumava servir café a Pavarotti num bar local quando ambos eram adolescentes. Hoje se lembrou dele como alguém "cheio de alegria, um espírito feliz". Diante da casa de Pavarotti, aonde foi para prestar sua última homenagem, a frágil idosa, com a emoção escondida atrás de óculos escuros, resumiu aos jornalistas: "Ele sempre nos amou como o amamos".

Voz e carisma

Mas por que, afinal, Pavarotti é considerado o maior de sua geração? Como esse italiano soube impor, nos mais prestigiados palcos - do Teatro Scala de Milão ao Metropolitan Opera de Nova York - sua silhueta rabelaisiana, sua espessa barba castanho-escura e seu sorriso largo?

Luciano Pavarotti foi diferente de qualquer outro tenor, dizem os críticos, porque reunia uma voz lírica graciosa com carisma, em doses tão grandiosas quanto era grande seu corpo. Ele também conhecia suas próprias limitações, e, por isso, restringiu seu repertório para não aceitar papéis que não fossem adequados para ele, evitando cantar em línguas demais.

Tendo optado definitivamente pelo canto em 1961, Pavarotti combinava talento e audácia. Veja-se o que o tenor fez com La Bohème de Puccini, sua ópera preferida. Ao interpretá-la no teatro de ópera de Reggio Emilia, Pavarotti levou La Bohème a um sucesso fulgurante, ultrapassando muito rápido as fronteiras da Itália e da Europa.

Seu repertório era sofisticado. Donizetti (La Fille du Régiment), Bellini (La Somnanbule), Rossini (Guillaume Tell), Verdi (Rigoletto) faziam parte há mais de três décadas das turnês mundiais do tenor. Além disso, as maiores divas do mundo - como Montserrat Caballé, Kiri Te Kanawa e Joan Sutherland - acompanharam-no em suas mais belas apresentações.

Capaz de cantar do clássico e suas variações, passando pelo canto napolitando, Pavarotti não hesitava - mesmo correndo o risco de ser alvo da crítica - em formar os duetos mais diversos, como os que fez com Joe Cocker ou Mariah Carey, para defender a causa humanitária.

O futuro

Pavarotti não deixa herdeiros artísticos. A ascensão da "popera" (fusão do pop e da ópera), a obsessão pelo estrelato instantâneo e o limitado grupo de talentos entre os tenores da atualidade significam que não veremos outro como ele por muito tempo.

Na opinião do importante crítico de ópera Norman Lebrecht, a falta de investimentos em músicos e gravações clássicas atualmente revela que encontrar um sucessor para Pavarotti será mais difícil que nunca. "Não valorizamos a ópera da mesma maneira (que no passado), não fomentamos o talento da mesma maneira, nem criamos uma trajetória profissional mais fácil", disse o crítico.

Lebrecht afirmou que é quase impensável, nos dias de hoje, que um garoto italiano que crescesse em Módena, a cidade natal de Pavarotti, optasse por uma carreira na ópera em lugar do futebol - outro dos grandes amores do cantor. "O sucesso no futebol e no cinema é muito maior, mais recompensador e mais rápido, comparado ao trabalho árduo necessário para criar um grande cantor de ópera."

Hugh Canning, crítico de ópera do jornal britânico Sunday Times, afirmou que os tenores de talento atuais, em sua maioria, não passaram tanto tempo quanto Pavarotti alimentando suas vozes. Afora isso, sofrem pressões para se tornarem vendáveis já no início de suas carreiras. "Hoje em dia se identifica uma voz muito boa - e quatro ou cinco anos mais tarde ela já soa esgotada."

Canning citou os exemplos do tenor mexicano Rolando Villazón e do argentino José Cura, que vêm cantando no nível mais alto com menos frequência que seria de se esperar para artistas de sua idade. "Acho que é daí que vem a pressão: tentar forçar astros, em lugar de formar e nutri-los de maneira natural."

"E agora", acrescenta o crítico, "o mundo quer cantores jovens, para promover suas belas imagens em belas revistas. Pavarotti foi um astro improvável, porque já em meados dos anos 1970 ele era um homem bastante gordo. Se fosse hoje, talvez não tivesse tido uma carreira como a que teve". Segundo Canning, evitar o aprendizado prolongado exigido na ópera é uma tentação crescente para os cantores atuais, quando os reality shows na TV podem criar celebridades da noite para o dia.

"Para tornar-se um cantor clássico de alta qualidade, não basta vencer um concurso. Pessoas como Pavarotti e Plácido Domingo são prova disso O que realmente os tornou grande foi todo o trabalho anterior que fizeram antes de apresentar-se nos palcos internacionais e gravar os discos que recordaremos para sempre".

Especialistas também argumentam que, fora do pequeno círculo dos genuínos amantes do gênero, a maioria das pessoas associa a ópera a cantores como Andrea Bocelli e a banda Il Divo, que fundem música popular e clássica para tentar chegar ao público de massas. A "próxima geração" de tenores é liderada por Villazón e o peruano Juan Diego Flórez.

O francês Roberto Alagna tem muitos admiradores, embora sua decisão de abandonar o palco do La Scala no ano passado depois de ser vaiado tenha levantado dúvidas quanto a seu temperamento, como também acontece com o argentino Marcelo Alvarez e o mexicano Ramón Vargas.

Flórez, como Pavarotti em sua época áurea, canta os dós agudos de La Fille Du Regiment, de Donizetti, com facilidade. Mas poucos diriam que ele já se equipara ao mestre que acaba de falecer.