27.11.07

Teatro Oficina encena 'Os Sertões' na cidade de Canudos

O Teatro Oficina leva sua montagem da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, ao seu palco histórico - a cidade de Canudos na Bahia. O "encontro" ocorrerá entre os dias 28 de novembro e 2 de dezembro. A montagem de Zé Celso Martinez Corrêa em Canudos será dividia em cinco apresentações, num total de 25 horas de encenação.

De acordo com a organização do espetáculo, a equipe do Teatro Oficina utiliza cinco toneladas de objetos de cena e equipamentos para montar o palco no Estádio Municipal de Canudos. A peça tem 47 atores, músicos, dançarinos e atores mirins, além de câmeras e equipe técnica.

As apresentações serão gravadas e transmitidas ao vivo em vídeo pela internet, no site da companhia (www.teatroficina.com.br). O dia 2 de dezembro, data da apresentação da última parte da peça, marca também a comemoração de 105 anos do lançamento da primeira edição de Os Sertões.

Marcas

A ida do Teatro Oficina a Canudos marca também o pedido mundial e ao Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de reparação para o desmassacre deste tabu nacional. Mais de cem anos após a Guerra de Canudos, Zé Celso conclama a "multidão brazyleira" a se arregimentar.

Com o manifesto IÓ! Brasileiros!, o dramaturgo lançou o desafio dessa temporada e uma grande mobilização nacional, através dos mais diversos setores de poder e dos mais diversos setores de nossa gente. "A junção dos nossos sentimentos, das nossas energias, ao lado de todos os canudenses, certamente será a verdadeira largada para o início dessa fundamental correção histórica, que o Brasil deve a cidade de Canudos."

A conquista do sertão

Universalizado pelas várias linguagens da arte, o espaço sertanejo, expressão da nossa identidade, é patrimônio geográfico e cultural do Brasil

No ano que vem comemora-se o centenário do nascimento de João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores de todos os tempos e de todas as línguas. Sua obra mais famosa, Grande Sertão: Veredas, publicada em 1956, está traduzida numa dezena ou mais de línguas e é conhecida nos cinco continentes. Ela ajudou a consagrar o sertão – inclusive no Brasil – como algo “brasileiro” e como uma região geográfica situada entre o norte de Minas Gerais e o sul do Piauí e do Maranhão, ladeada, a oeste, pelo Planalto Central, onde fica Brasília, e a leste pela aproximação da orla litorânea da Bahia e dos estados do Nordeste. Mas nem sempre foi assim.

Ao contrário do que se pensa, o sertão chegou de barco no (futuro) Brasil. Não havia sertão por aqui. Os tupis e outros povos habitantes do litoral não conheciam esse conceito. Foram os portugueses que o trouxeram, assim como trouxeram a casa, a cidade, a rua, a igreja, o galo e a galinha, os cachorros, o cavalo, o céu, o inferno.

A primeira vez em que o sertão aportou no (futuro) Brasil foi na pena de Pero Vaz de Caminha, na carta escrita ao rei dom Manuel dando conta de que as caravelas de Cabral tinham chegado a uma terra desconhecida. Caminha escreveu que se olhando sertão adentro (apontando para o interior, a oeste) viam-se terras e árvores a perder de vista. Pronto: assim como as quinas e padrões portugueses, que marcavam a nova conquista, o sertão fora assentado nas terras que Portugal iria ocupar, para o bem e também para muito mal, sobretudo das populações nativas e dos escravos trazidos da África.

Na carta de Caminha o sertão começava onde terminava a areia da praia. De lá para cá, o sertão pôs-se a caminhar, indo cada vez mais para dentro da “nova” terra, cada vez mais longe do litoral, e também foi se modificando. Ainda no século 16, quando o padre José de Anchieta se referia ao “sertón” (pois ele escrevia mais em espanhol, guarani e latim do que em português), ele falava de uma terra bravia, dominada pelos “gentios” (índios não cristianizados), que começava na fímbria das montanhas da Serra do Mar e se perdia terra adentro, sempre para oeste.

Quando o padre Vieira, em seus sermões, se referia ao sertão, já nos anos 1600, falava de uma terra bem distante, para os lados dos interiores da Bahia, do Maranhão, até da Amazônia.

Entre esse século e o 18 o sertão passou por uma grande transformação. Era a terra do gentio, de “completamente estranho”, ou a terra “por desbravar”, ainda “por conquistar”.

Em 1711 o padre João Antônio Andreoni tentou publicar em Portugal seu Cultura e Opulência do Brasil. Não conseguiu. O rei achou que o livro despertaria cobiça em outros países. A obra só foi publicada no século 19. Andreoni, cujo pseudônimo era Antonil, assim descrevia a vinda de boiadas do interior para o litoral, na Bahia: “Os que a trazem, são brancos, mulatos e pretos, e também índios, que com esse trabalho procuram ter algum lucro. Guiam-se indo uns adiante cantando, para serem desta sorte seguidos do gado, e outros vêm atrás das reses, tangendo-as, e tendo cuidado para que não saiam do caminho e se amontoem”.
Quer dizer, o sertão estava se tornando um mundo próprio, sim, dono de uma cultura peculiar, de uma produção econômica própria, e do que parecia aos olhos do padre (que era italiano) uma “gente própria”, acaboclada, com “cantos próprios”, que falava até para os animais, atraindo-os para seu destino (que não era dos melhores).

Daí até o século 20, durante a formação da sociedade brasileira, o sertão foi viajando e também se fixando. Lá nos séculos antigos, havia sertões em toda parte, pois a palavra designava essa terra “estranha” ou na sua fímbria, onde ela estivesse, e ela estava por todo lado. A única cidade brasileira chamada Sertão fica no Rio Grande do Sul. E em São Paulo há uma cidade chamada Sertãozinho. Em Ubatuba, litoral norte paulista, um bairro mais distante da praia, colado ao pé da serra, é chamado Sertão da Quina.

Com o tempo e a diferenciação da sociedade brasileira, o sertão foi se restringindo às inóspitas terras pouco povoadas ou da pecuária mais ao norte do país, mas antes da Amazônia. Foi para esse Sertão que viajou Euclides da Cunha, em 1897, para descrever a Guerra de Canudos, o sertanejo e sua terra em Os Sertões, publicado em dezembro de 1902.

O livro consagrou o sertão como um dos espaços privilegiados de formação da identidade nacional. Para o autor, essa identidade era de fato o palco de um conflito extremo, entre uma sociedade deslocada no tempo, isolada, a do sertanejo, e uma outra, aparentemente moderna, litorânea, que voltara as costas para a primeira e a destruíra por incompreensão e desconhecimento. O “Brasil moderno”, que dizimara a cidadela dos camponeses rebelados, afinal não era tão moderno assim, preso a costumes políticos tão violentos como os das terras sertanejas.

Euclides criou uma matriz não só para o sertão, mas para o Brasil, que adentrou e percorreu toda a cultura e a arte do país, concebendo também, ao lado de outras, imagens fundamentais para o autoconhecimento e para a projeção do nosso país diante de outras culturas. Nesse campo, o sertão teve uma “época de ouro”. Isso se deu ao fim da Segunda Guerra, num processo que envolveu a literatura, a música, o teatro, o cinema e as artes plásticas. Bem antes da televisão.

Nos anos 30 e 40 o sertão se recobrira de reivindicações sociais. Levadas ao conhecimento de todos os brasileiros, as condições de pobreza das terras sertanejas foram tema de uma literatura ao mesmo tempo comovida, comovente, combativa e revoltada, como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Também as artes plásticas se ocuparam dos dramas dessas terras, flageladas pelo latifúndio e pela seca, como no caso dos quadros (Retirantes, por exemplo) de Cândido Portinari, que alcançaram fama mundial.

Ao terminar a guerra, o Brasil entrou num processo acelerado de modernização econômica, política e cultural. Desenvolveram-se enormemente o cinema, o rádio e a indústria fonográfica, com a produção dos antigos discos de vinil, os LPs ou bolachões, em 33, 45 ou 78 rotações por minuto. O teatro passou por uma revolução temática e estética, e a literatura pôs-se mais uma vez a rever a História. Dessa vez tudo aconteceu com alcance mundial, levando junto, nessa viagem espacial e temporal, a paisagem dos sertões brasileiros, transformada em palco de dramas universalizantes.

A indústria fonográfica e o rádio catapultaram para o Brasil inteiro a música de Luiz Gonzaga, Rei do Baião antes que Pelé o fosse do futebol. O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto escreveu para o teatro, a pedido de Maria Clara Machado, um “auto de Natal”, Morte e Vida Severina. O auto, de 1952, só chegaria ao palco em 1964, com música de Chico Buarque, e consagraria o Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), de São Paulo, no Festival Mundial do Teatro de Estudantes em Nancy, na França. A fuga do retirante Severino pelo sertão brasileiro tornava-se a imagem da peregrinação do homem despossuído de todos os quadrantes do mundo, em busca de paz e justiça social.

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz, instalada em São Bernardo do Campo pelo empresário Franco Zampari para ser a nossa Hollywood, produz em 1952 O Cangaceiro, de Lima Barreto, com Milton Ribeiro, Alberto Ruschel (grande galã da época), Marisa Prado e Vanja Orico. Ruschel era gaúcho, o que deu uma cor especial ao sotaque do sertanejo. Mas de qualquer modo O Cangaceiro ganhou o prêmio de melhor filme de aventuras no Festival de Cannes, na França. Percorreu o mundo, distribuído pela Columbia Pictures e popularizou a canção Mulher Rendeira, dos tempos e do bando de Lampião e Maria Bonita. O roteiro era do próprio Lima Barreto e da escritora cearense Rachel de Queiroz.

Em 1955 estreava no Recife a comédia O Auto da Compadecida, do paraibano Ariano Suassuna, escrita quatro anos antes. Em 1957 a peça chegava a São Paulo, e tornou-se sucesso nacional, que dura até hoje, com as posteriores transposições para o cinema e a televisão. Na ocasião, estava quente o lançamento do livro de Guimarães Rosa sobre os sertões mineiros. A obra ganhou projeção nacional e internacional pela inovadora concepção lingüística, que mesclava o falar das populações rústicas com neologismos e a criatividade solta do escritor erudito.

Em 1957 se dá a inauguração dos painéis Guerra e Paz, de Cândido Portinari, na sede da ONU, em Nova York. As obras não têm como tema propriamente o sertão brasileiro, mas o levaram junto com o estilo consagrado do autor. Ainda mais que o fato gerou uma repercussão política enorme, porque o governo dos Estados Unidos negou o visto ao pintor, por ser ele membro do Partido Comunista.

Em 1962 o filme O Pagador de Promessas, com Leonardo Villar, Glória Menezes, Norma Bengell, dirigido por Anselmo Duarte, vence a Palma de Ouro em Cannes. Baseado numa peça de Dias Gomes, o filme tem como protagonista o peregrino Zé do Burro, que vai do sertão para Salvador cumprir uma promessa. Pouco depois Nelson Pereira dos Santos adapta para o cinema Vidas Secas, de Graciliano.

Quando Glauber Rocha lança Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 1964, projeta no mundo uma linguagem cinematográfica original como a de Guimarães na literatura. E o sertão brasileiro já era uma espécie de patrimônio cultural internacional. E assim ficou até hoje, consagrando até mesmo a palavra “sertão” como contribuição brasileira ao vocabulário mundial. A premiada tradução do livro de Euclides para o alemão pelo professor Berthold Zilly, do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim, tem como título Krieg (luta, guerra)im Sertão. Assentado pelo mundo afora, diga-se “sertón”,“sehhhtao”,“sertáo” ou como se queira, o sertão é mesmo brasileiro.

Flávio Aguiar

Ilustração: Mauro Andriole: Sertão (Aquarela, 2003 - 0,40 X 0,55m)

23.11.07

Encontro com o Saci: guardião das matas e do saber popular

Nessa semana, de 19 a 25 de novembro 2007, está sendo realizado o ‘Encontro com o Saci: o guardião das matas e do saber popular'. Esse Encontro está propiciando a valorização da cultura popular e contribuindo para a afirmação da identidade cultural brasileira e camponesa.

Nele a cultura popular enquanto elemento de formação dialoga com a educação, a saúde e o meio ambiente, a partir do elemento Saci, guardião das matas, conhecedor das plantas medicinais e seus usos, e um ser brincante.

O evento tem caráter formativo e de celebração. O seminário reflete sobre as bases da formação da cultura brasileira, valorizando o saber popular. Essa análise está sendo ampliada para as relações da cultura popular com a educação, a partir de uma reflexão sobre a cultura da criança e do brincar, além das temáticas ambiental e de saúde.

O Encontro com o Saci tem brincadeiras, expressões artísticas, sarau, apresentações de grupos culturais, violeiros e cantadores.

Gue - Setor de Cultura MST - FONE: 16 3975-2343

Todas essas atividades ocorrem no Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara
– Sítio Pau D’alho (Rod. Alexandre Balbo – Km 328,5 – Anel Viário – Contorno Norte
Ribeirão Preto/SP)
Tel: (16) 3975-2343
E-mail: centrodeformacao@anca.org.br

PROGRAMAÇÃO - FESTA DO SACI:

Este encontro será uma celebração da cultura e do saber popular. Ocorrerá nos dias 24 e 25 de novembro com a participação de cerca de 3000 pessoas.

•24/novembro
10:00h – Mística de Abertura, Camponesa Rádio Poste, Cantinho das ervas medicinais e dos chás, Feira de Sementes;

Expressões de artes plásticas – exposição – Blanco Castro / Lucília e da Oficina de Bordando histórias

Brincadeiras: boi, cordas, pião, construção de brinquedos, cama de gato,(brincadeira de barbante), de elástico, bolinhas de gude(búrica, burca ou bolinha)durante todo o dia.

Encontro de Carrinhos
14:00h – Grupo de Teatro Etanóis
14:15h – Oficina de construção de barquinhos
16:00h – Encontro ao pé da figueira - dos sacis, bonecas e brinquedos produzidos
Cortejo para a lagoa
16:30h – Encontro de barquinhos de brinquedo na lagoa
17:00h – Saberes e sabores ao pé da figueira
Sarau: contação de 'causos', de histórias, cordel do saci e poesia;
Vários contadores de histórias das áreas de Reforma Agrária
18:00h – Jeziel Paiva - contador de histórias e rabequeiro
19:00h – Roda de violas e tambores: o Saci, a Viola e a Figueira com a presença de João Bá, Joaci Ornelas, Zeca Colares, Pereira da Viola, Wilson Dias, Hamilton Camargo, Minerin e outros.

•25/novembro
10:00h – Mística de Abertura, Camponesa Rádio Poste, Cantinho das ervas medicinais e dos chás, Feira de Sementes.

Expressões de artes plásticas – exposição – Blanco Castro / Lucília e da Oficina de Bordando histórias.

Brincadeiras: boi, cordas, pião, construção de brinquedos, cama de gato (brincadeira de barbante),de elástico,bolinhas de gude (búrica,burca ou bolinha) durante todo o dia;

Encontro de Carrinhos
10:30h – Intervenção teatral;
10:45h – Encontro de gerações com vivências e trocas de saberes entre idosos, adultos, jovens e crianças com vivências de brincadeiras de roda, viola e tambores;
14:00h – Intervenção de palhaços;
14:15h – Vivências da cultura popular: brincadeiras de roda: ciranda, coco, etc.
14: 45h – Roda de Poema com tambor: Carlos Assumpção - Franca (a confirmar)
15:15h – Contação de causos, histórias;
16:00h – Encerramento
Cantoria coletiva: João Bá, Joaci Ornelas, Zeca Colares, Pereira da Viola, Dito Rodrigues, Wilson Dias, Fernando Guimarães, Hamilton Camargo, Minerin e outros.

22.11.07

Por que as cantoras se tornaram as grandes estrelas da MPB?

Há mais de 30 anos, as cantoras têm ocupado posição de destaque na canção brasileira. O que teria acontecido com os cantores? O músico e ensaísta Luiz Tatit analisa esse fenômeno numa das passagens do Todos Entoam, que acaba de ser lançado pela Publifolha.

Livro aborda a música no Brasil De acordo com o autor, "as cantoras, que brotam sem cessar de todo canto do país, encarregam-se de aproximar as tendências e de estabelecer uma coerência panorâmica de todos estilos presentes na canção brasileira". Em Todos Entoam, além da participação feminina na música, Tatit fala de suas lembranças, comenta e divide suas reflexões teóricas sobre músicas, cantores e compositores.

Leia abaixo texto em que o músico e ensaísta especula por que as cantoras se tornaram as grandes estrelas da música brasileira.

Rita Lee e a era das cantoras na canção popular
Por Luiz Tatit

Vivemos no Brasil o auge da era das cantoras e, gradativamente, vem ampliando também o número de cantoras compositoras. De fato, um curioso fenômeno tem caracterizado nossa tão rica e festejada canção brasileira: há mais de 30 anos praticamente só surgem cantoras, que dividem com os compositores-cantores a linha de frente do estrelato nacional; há muito tempo não assistimos ao lançamento bem-sucedido de um intérprete masculino que não apresente simultaneamente as credenciais de autor musical.

Claro que essas afirmações precisam ser devidamente matizadas. Surgem duplas sertanejas, crooners de banda e mesmo cantores restritos a uma faixa de consumo menos exigente, mas nada que se assemelhe ao surgimento de artistas como Francisco Alves, Mário Reis, Orlando Silva ou João Gilberto, cuja produção erigiu a própria linguagem da canção brasileira. O bastão de João Gilberto foi entregue aos compositores que, interpretando as próprias canções, vêm fazendo da música brasileira um dos principais artigos de exportação.

Mas se cada um cuida basicamente de sua obra, as cantoras, que brotam sem cessar de todo canto do país, encarregam-se de aproximar as tendências e de estabelecer uma coerência panorâmica de todos estilos presentes na canção brasileira. São elas as profissionais do canto que encomendam composições aos autores, escolhem repertório concentrado ou diversificado, transitam pelos gêneros e exibem seus dotes vocais ou interpretativos.

Palco das grandes mudanças do século 20, a década de 1960 também testemunhou a atuação crepuscular dos cantores stricto sensu e o nascimento da era dos compositores-intérpretes e das vozes femininas. Realmente, foi na TV Record de São Paulo que nomes como Jair Rodrigues, Agnaldo Rayol, Wilson Simonal e quase toda a turma de intérpretes da jovem guarda (Ronnie Von, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso etc.), que não deve ser confundida com os compositores Erasmo e Roberto Carlos, viveram sua última fase de grande sucesso.

O espaço desses cantores começava a ser ocupado por compositores-intérpretes como Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor etc. E para estabelecer elos entre esses estilos havia as cantoras, que apenas iniciavam uma carreira, cuja fecundidade pôde ser avaliada nas décadas seguintes: Elis Regina, Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa e Rita Lee. Esta última com particularidades que comentaremos adiante.

O que teria acontecido aos cantores, que sempre figuraram como verdadeiros proprietários do cancioneiro popular pré-bossa nova? E por que essa "crise" atingiu apenas o universo musical masculino?

A primeira resposta - superficial, mas necessária para situar o problema - deve esclarecer que não se tratava, evidentemente, de uma ineficácia repentina da interpretação daqueles cantores que protagonizaram momentos extraordinários da canção dos anos 60. Cada vez mais, porém, os autores se sentiam capacitados a conduzir a própria obra até a gravação e a apresentação ao público. Claro que essa decisão artística vinha acompanhada por uma recompensa financeira nada desprezível numa época em que os autores já pretendiam viver exclusivamente da música.

Lembremos ainda que essa crise só poderia mesmo atingir o universo masculino, uma vez que as mulheres, à época, praticamente não compunham. Só esse fato já baixava consideravelmente o grau de concorrência no mercado dos intérpretes. Se o autor precisasse de uma voz e de uma execução totalmente distintas das suas, propendia naturalmente para o canto feminino.

O início desse avanço dos compositores no terreno dos intérpretes pode ser localizado nos anos 1966 e 1967, por ocasião dos famosos festivais de música promovidos pela TV Record. A apresentação de "A Banda", composição que lançou Chico para o grande público, já deixava claro que havia uma extrema hesitação por parte dos organizadores do evento: o êxito da marcha dependeria mais da intervenção direta do compositor ou do desempenho de uma intérprete consagrada?

Não conseguindo solucionar o dilema, os promotores escalaram Chico Buarque (o compositor) e Nara Leão (a intérprete) para uma dupla execução da mesma música, a primeira mais intimista, só ao violão, e a segunda (pouco) mais expansiva com o acompanhamento de uma pequena fanfarra, tudo como se a voz do compositor ainda não fosse suficiente para sustentar a própria canção e, por outro lado, somente a voz da cantora já não fosse mais suficiente para caracterizar o trabalho integral do autor.

A canção "Disparada", que fora programada apenas com o intérprete Jair Rodrigues, e que dividiu com "A Banda" o prêmio máximo do festival, encontrou ainda novo fôlego quando recebeu a interpretação envolvida de um de seus autores, Geraldo Vandré, que passou então a repartir com Jair Rodrigues a glória obtida pelo trabalho.

Essa fase de transição ainda permaneceria no festival do ano seguinte, quando Edu Lobo, compositor da vitoriosa "Ponteio", defendeu sua canção ao lado de Marília Medalha (a cantora), em vozes uníssonas, como se um precisasse compensar eventais insuficiências do outro. Em terceiro lugar, mais uma vez, Chico Buarque compareceu como compositor de "Roda Viva" para interpretar sua obra escorado pelos cantores do MPB4. Nesse mesmo festival, Gilberto Gil (com "Domingo no Parque") e Caetano Veloso (com "Alegria Alegria"), segundo e quarto lugares respectivamente, já haviam assumido em definitivo a condição de compositores-cantores, abrindo a rota que todos seguiriam mais tarde.

Dos anos 70 em diante, ao lado de novos compositores-intérpretes, como Moraes Moreira, Ivan Lins, Gonzaguinha, João Bosco, Fagner, Alceu Valença, Djavan etc., surgiriam cantoras de grande sucesso, como Simone, Joana, Beth Carvalho, Clara Nunes, Elba Ramalho, Zizi Possi, Fafá de Belém e Baby do Brasil; pouco depois, essa tendência viria a se consolidar com a aparição de Marina Lima, Marisa Monte, Tetê Espíndola, Leila Pinheiro, Paula Toller, Ná Ozzetti, Vânia Bastos, Adriana Calcanhotto, Daniela Mercury, Cássia Eller, Zélia Duncan e teríamos que nos satisfazer com um inventário permanentemente aberto para acompanharmos a velocidade dos lançamentos de vozes femininas. Tudo isso sem contar que o mercado comporta uma impressionante convivência de veteranas com estreantes, todas abocanhando uma boa fatia do sucesso da música popular.

Fonte: Folha Online

15.11.07

Infantil

O menino ia no mato
E a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino
E ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: mas se a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando meu corpo
E eu desviei depressa.
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.
Manoel de Barros

13.11.07

Periferia moderna

''A periferia, apesar da dura realidade e abandono dos governantes em geral, está dominada pela poesia'', afirma Sérgio Vaz em artigo para o Programa de Democratização Cultural da Votorantim. Exemplo disso é o sarau da Cooperifa, realizado semanalmente num boteco da periferia de São Paulo. Mas a periferia quer mais - e realizou de 4 a 10 de novembro sua própria Semana de Arte Moderna. Leia o artigo de Sérgio Vaz.

A periferia, apesar da dura realidade e abandono dos governantes em geral, está dominada pela poesia. Prova disso são os saraus que não param de acontecer nas quebradas de São Paulo. E por conta da poesia e dessa literatura que se alastra pelas ruas, as pessoas mais simples têm se interessado um pouco mais em ter uma vida cultural.

Um clássico exemplo é o sarau da Cooperifa, que na ausência de teatros, bibliotecas, livrarias, cinemas, museus e raríssimos espaços para acesso à cultura e arte, transformou um boteco da periferia da maior cidade do país em centro cultural.

No bar, há seis anos, todas às quartas-feiras, uma média de 200 pessoas - com picos de até 400 - reúnem-se para ouvir e falar poesia. O sarau é freqüentado por toda comunidade e gente de várias quebradas, inclusive do centro. Os saraus que acontecem na periferia têm se transformado num grande quilombo cultural. Muitos até os denominam de o movimento dos sem-palco.

O sarau da Cooperifa é freqüentado por poetas, motoristas de táxi, donas-de-casa, desempregados, professores, crianças, jovens, idosos, jornalistas, mecânicos, motoboys, advogados, estudantes, etc. E muitos deles tinham apenas a televisão como referência cultural. Toda essa gente que nunca havia tocado num livro ou sequer ouvido uma poesia, foi seduzida ali, na porta do bar, pela literatura. Não é de embriagar?

E o que é melhor é que boa parte desse povo lindo e inteligente, hoje, já segura seu próprio livro editado nas mãos. A maioria tem seus escritos registrados em CDs e antologias que se alastram pelos becos e vielas da grande metrópole paulistana. Sem contar que, por meio da oralidade, muita gente tem se transformado em intérprete de poesias de autores consagrados. O livro, sempre tratado como o pão do privilégio, chegou na periferia através da palavra. Literalmente no boca-a-boca.

Lógico que não se trata de uma literatura melhor que a produzida pelos acadêmicos, mas também não é menos importante. Muitos deles nos acusam de assassinar a gramática e seqüestrar a crase, por isso, é comum ver jovens poetas e escritores sendo enquadrados pelas canetas nervosas dos intelectuais como suspeitos de abusar da palavra alheia.

Mas esconder e negar a educação durante 500 anos, também não é crime? Menos vírgulas, mais acentos, mas ainda assim literatura. O difícil foi acordar.

Aprender é um verbo que se conjuga em grupo.

Falando em aprendizado, nesses seis anos de atividades do sarau da Cooperifa, mais de 30 autores lançaram seus livros. Grupos de teatros como Manicômicos, Ação e Arte, Cavalo de Pau, Irmãos Carozzi, entre outros, encenaram ali, no chão duro, as suas peças.

Pessoas com mais de 50 anos que nunca haviam ido a um teatro, assistiram, tomando rabo de galo, a sua primeira peça. Vários documentários produzidos por jovens da região e de cineastas consagrados são freqüentemente exibidos. Exposições de fotos e artes plásticas, lançamentos de discos e DVDs, tudo o que é produzido pela periferia, está sendo consumido por ela.

Hoje na periferia paulistana, por onde quer que você olhe tem alguma coisa acontecendo, e para todos os gostos: Panelafro na Casa de Cultura do M'boi Mirim, Cine becos e vielas, sarau do Binho, Favela toma conta, Quilombagem, Arte na periferia, Samba da vela, Poesia das ruas, Saraus nas escolas, Saraus no acampamento João Cândido (MTST), Biblioteca nas favelas, Um da sul, o rap, o reggae, etc. A gente no centro tinha de tudo e nem se dava conta. Estamos vivendo a nossa Primavera de Praga.

Baseado neste momento de luz, a Cooperifa e um grupo de artistas propõe, 85 anos depois, uma nova Semana de Artes, só que agora oriunda da periferia. Uma nova história, escrita e contada por quem realmente vive por ela e para ela. Uma nova versão da Semana, contada não de fora para dentro, mas de dentro para fora. Construída com as mesmas mãos calejadas que construíram a cidade de São Paulo. Uma Semana Cultural criada e produzida com o mesmo suor desse povo que tanto luta por um Brasil melhor.

Inspirada na Semana de Arte Moderna de 22, a Cooperifa propõe sacudir o marasmo cultural que se instalou no país. Uma Semana inteira de artes para que a bússola do país, que aponta para o centro, também aponte para a periferia.

A idéia da Semana não é somente propor um outro tipo de linguagem, mas também um outro tipo de artista. Um artista mais humano e solidário e uma arte que preze pela estética, mas que também ofereça conteúdo.

Um artista formado pelo caráter da sua obra, não forjado em pranchetas de publicitários, em que a mesma música lançada nas rádios pela manhã é a que vende xampu, carro, miojo e cerveja no final da tarde. E de quebra, serve de jingle para campanhas políticas.

A Cooperifa, ao produzir a Semana, deseja estimular o interesse pela leitura, a criação poética, o gosto pelo teatro e pelo cinema e aliar-se à escola e universidade para que a cultura seja um elemento primordial para a construção de seres humanos melhores e mais conscientes.

Moderno por aqui tem sido ousar e encarar novos desafios. E o medo ficou no período Barroco.

Sérgio Vaz
(Poeta, fundador da Cooperifa (Cooperação Cultural da Periferia) e idealizador da Semana de Arte Moderna da Periferia)

Fonte: Programa de Democratização Cultural da Votorantim

12.11.07

Sergio Vaz: Manifesto da Antropofagia Periférica

A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.

A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula.

Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção.
Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer.
Da poesia periférica que brota na porta do bar.
Do teatro que não vem do “ter ou não ter...”.
Do cinema real que transmite ilusão.
Das Artes Plásticas, que, de concreto, quer substituir os barracos de madeiras.
Da Dança que desafoga no lago dos cisnes.
Da Música que não embala os adormecidos.
Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.

A Periferia unida, no centro de todas as coisas.

Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala.

Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.

É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades.

Um artista a serviço da comunidade, do país. Que armado da verdade, por si só exercita a revolução.

Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona.

Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural.

Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.
Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”.

Contra os carrascos e as vítimas do sistema.

Contra os covardes e eruditos de aquário.

Contra o artista serviçal escravo da vaidade.

ontra os vampiros das verbas públicas e arte privada.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.

É TUDO NOSSO!

Programa do governo pretende revolucionar a cultura no país

Meus compadres e comadres: leiam artigo de Gilberto Gil e Juca Ferreira sobre o programa Mais Cultura, lançado dia 4 de outubro em Brasília, que revolucionará a cultura no país. Pensado a partir de uma ampla pesquisa do Ministério da Cultura (MinC) em parceiria com o IBGE - que apontou, entre outros dados, que tanto ricos, quanto pobres, gastam 4% do seu orçamento com cultura - o programa investirá R$ 4,8 bilhões na área até 2010. Serão criados 20 mil Pontos de Cultura e nove milhões de livros serão distribuídos a preços populares. Outra meta é a construção de bibliotecas em todas as cidades do Brasil. As fotos ao lado são cenas do lançamento do Mais Cultura para mais brasileiros.

Por Gilberto Gil e Juca Ferreira*

Nesta semana, comemoramos o Dia Nacional da Cultura. Momento de celebrarmos a força e a riqueza de nossa cultura brasileira, mas também momento de olharmos para as dificuldades que enfrentam hoje os brasileiros para produzir, difundir e acessar o conjunto das manifestações culturais do país e do mundo.

Há cerca de um mês, o presidente Lula lançou o programa Mais Cultura, que tem mobilizado esforços não só do Ministério da Cultura mas também de todo o conjunto do governo federal, além dos diversos Estados e municípios brasileiros, para garantir mais acesso e mais condições para que a diversidade cultural brasileira possa se manifestar em sua plenitude.

Programa sem precedentes na história do país, não só pela abrangência e pelo envolvimento nacional das diversas esferas de governo e da sociedade mas também porque coloca a cultura em um novo patamar, como prioridade para o desenvolvimento brasileiro.

O Mais Cultura baseia-se num amplo diagnóstico produzido pelo ministério em parceria com o IBGE. O estudo mostra que 87% dos brasileiros nunca foram ao cinema, 92% nunca foram aos museus, 78% nunca assistiram a espetáculos de dança. Os dados também mostram que a população de baixa renda sacrifica cerca de 4% de seus orçamentos mensais para a cultura, o mesmo percentual destinado pelos mais ricos. Por que chegamos a essa situação?

Em parte porque, no passado, governos desinformados não reconheceram a cultura como agenda estratégica. Em parte porque o conceito de política cultural freqüentemente se restringia a uma política de investimentos em demandas artísticas, sem considerar as várias outras manifestações e dimensões que fazem parte da cultura.

Para enfrentar essa realidade, o programa Mais Cultura ataca três dimensões. A primeira é a garantia do acesso. Aos serviços culturais, à produção cultural brasileira e às condições para a livre manifestação. A segunda é trabalhar para que as atividades culturais possam contribuir para melhorar o ambiente social do país, a qualidade de vida do brasileiro. Já a terceira dimensão trata da economia da cultura, que hoje é o setor que mais gera emprego e renda no mundo.

Balanço e desafios

No primeiro mandato, criamos centenas de Pontos de Cultura e museus comunitários e lutamos pela desconcentração regional do financiamento cultural. Invertemos a lógica do Estado tutelar e provedor e sua pretensão de ''levar cultura'' aos mais pobres e apostamos no envolvimento direto dos grupos culturais no que diz respeito aos seus projetos, seus destinos e seus modos de vida.

Agora estamos articulando no governo federal um modelo de gestão eficiente e integrado, descentralizado, acompanhado diretamente por órgãos de controle, como a Controladoria Geral da União. Com o apoio de uma rede de parceiros públicos, privados e da sociedade civil, serão investidos 4,8 bilhões de reais em cultura até 2010.

Chegaremos a todo o território nacional, principalmente às áreas e comunidades expostas à violência e fragilizadas em termos sociais, econômicos e educacionais.

Criaremos e modernizaremos centenas de bibliotecas e equipamentos culturais, de forma que não faltará biblioteca em nenhum município do país. Serão implementados 20 mil Pontos de Cultura, hoje são 650, que funcionam como núcleos vivos da cultura brasileira. Por meio deles, por exemplo, comunidades indígenas passaram a ter condições de gravar seus CDs e vídeos. Ampliaremos o programa com ações de preservação da memória das comunidades, brinquedotecas para as crianças, cineclubes para aumentar o acesso dos brasileiros à produção cinematográfica, além de diversas outras intervenções.

Finaciamento

Em parceria com os bancos oficiais, já começam a funcionar as linhas de financiamento para as micro, pequenas e médias empresas do setor cultural, além de operações de microcrédito. O Mais Cultura também apoiará a produção de programas de qualidade para a nova televisão pública. Nove milhões de livros a preços populares serão editados e distribuídos.

Implantaremos também o Vale Cultura, que funcionará como o ticket refeição, mas voltado para o acesso a espetáculos e a compra de livros e CDs, por exemplo.

Convido vocês a participar dessa empreitada para fazermos valer o Mais Cultura: nos procurem, se informem, cobrem de seus representantes. Acompanhem o que estamos fazendo e façam da nossa casa, o Ministério da Cultura do Brasil, a sua própria casa.

* Gilberto Passos Gil Moreira, o Gilberto Gil, 65, músico, é o ministro da Cultura. João Luiz Silva Ferreira, o Juca Ferreira, sociólogo, é secretário-executivo do Ministério da Cultura.

** Intertíulos do Vermelho.

5.11.07

Grande Sertão "antenasal de mim a palmo"

Guimarães Rosa (1908-1967) é, por consenso, o maior escritor brasileiro de ficção da segunda metade do século 20. Um panorama da vida e da obra do autor de "Sagarana" é desvendado em "Guimarães Rosa", volume da coleção "Folha Explica", da Publifolha.

Na obra, assinada por Walnice Nogueira Galvão, professora livre-docente de literatura na USP, o leitor descobre e entende por que "Grande Sertão - Veredas" é considerado o principal romance do escritor, livro que transporta nossa língua para um plano de invenção nunca antes alcançado.

Juntamente com "Sagarana" e "Corpo de Baile", "Grande Sertão - Veredas" é uma das obras que definem o povo brasileiro e ensinam a pensar o país por outro viés, explica Walnice Nogueira.

Completa o livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que "Grande Sertão" suscitou.

Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.


Quando Guimarães Rosa publicou seu primeiro livro, Sagarana, em 1946, duas vertentes assinalavam o panorama da ficção brasileira: o regionalismo e a reação espiritualista.

Sua obra vai representar uma síntese feliz das duas vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os interiores do país, pondo em cena personagens plebéias e 'típicas', a exemplo dos jagunços sertanejos. Leva a sério a função da literatura como documento, ao ponto de reproduzir a linguagem característica daquelas paragens. Porém, como os autores da reação espiritualista, descortinando largo sopro metafísico, costeando o sobrenatural, em demanda da transcendência.

No que superou a ambas, distanciando-se, foi no apuro formal, no caráter experimentalista da linguagem, na erudição poliglótica, no trato com a literatura universal de seu tempo, de que nenhuma das vertentes dispunha, ou a que não atribuíam importância. E no fato de escrever prosa como quem escreve poesia - ou seja, palavra por palavra, ou até fonema por fonema.

Nesse sentido, Guimarães Rosa é único na literatura brasileira: foi em sua pena que nossa língua literária alcançou seu mais alto patamar. Nunca antes, nem depois, a língua foi desenvolvida assim em todas as suas virtualidades. A tal ponto que, na formulação de um de seus primeiros e melhores críticos, Cavalcanti Proença, ele chega a se confundir com a língua, colocando-se em seu ponto inaugural e, a exemplo dela, criando incessantemente.

Assim, por exemplo, toma a liberdade de trocar um sufixo por outro (prefere "abominoso" a abominável). Ou deriva um adjetivo, até então inexistente, de um substantivo; ou o contrário. Ou ainda inventa um verbo, a partir da enumeração das vogais ("o vento aeiouava"). Ou cunha um nome próprio, juntando o pronome de primeira pessoa em várias línguas --que, pronunciados à brasileira, se tornam irreconhecíveis-- para batizar a personagem Moimeichego (moi, me, ich, ego). E assim por diante. O escritor está reproduzindo os processos de criação da própria língua.

Dedicou-se incansavelmente a atacar o lugar-comum, que jamais utilizava, a menos que fosse para criar um análogo, antes escrevendo 'antenasal de mim a palmo' que 'a um palmo diante do nariz'. Esse propósito de inovação lingüística manifesta-se a todo momento em sua obra; e ele também se pronunciou a respeito em entrevistas e declarações.

Outra razão pela qual a leitura de Guimarães Rosa é uma experiência imperativa reside em sua capacidade de fabulação. Raramente houve na literatura brasileira um autor tão prolífico em diferentes enredos, com suma capacidade de inventar tramas e personagens.

Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu, o escritor como que dignifica o sertanejo pobre, mostrando como o mais papudo dos catrumanos dos cafundós pode aspirar à transcendência e se entregar a especulações metafísicas, sem precisar sequer saber ler.

Este livro tem por objetivo apresentar a obra do escritor, examinando-a de diferentes perspectivas. Um primeiro capítulo cuida de determinar o lugar que ocupa na literatura brasileira, mostrando como sua originalidade o torna incomparável, embora tenha precursores.

O Capítulo 2 se concentra em esmiuçar o mais importante de seus livros e único romance, Grande Sertão: Veredas (1956), assumindo que todos os grandes achados de sua ficção se encontram ali sintetizados. O terceiro capítulo é dedicado ao restante da obra de Guimarães Rosa, analisando desde Sagarana (1946), passando por Corpo de Baile (1954), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia - Terceiras Estórias (1967), até seus dois livros póstumos, Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970). O capítulo seguinte fornece os traços biográficos do escritor. E a Conclusão faz um balanço de seu papel em nossa cultura.

Completa este livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que essa obra suscitou.

"Guimarães Rosa"
Autor: Walnice Nogueira Galvão
Editora: Publifolha
Páginas: 80
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

3.11.07

De Tião Carreiro a Lennon

Em seu novo CD, Ivan Vilela grava releituras e busca novos sons para a viola

Para o violeiro Ivan Vilela, mineiro de Itajubá, o conceito de dupla é algo bem amplo. Vai de Tião Carreiro e Lourival dos Santos a John Lennon e Paul McCartney, passando por Edu Lobo e Capinam. Esses são apenas alguns dos autores que ele contempla no seu novo disco, Dez cordas, no qual mostra talento para fazer releituras.

“Quando gravei o autoral Paisagens, estava praticando viola para descobrir como usá-la. Agora resolvi fazer arranjos. Esse disco é importante porque registra essa fase, documentando a técnica que o Renato Andrade esboçou e para a qual dei implicações rítmicas e melódicas. Não toco as cordas da viola em cinco duplas, toco as 10 separadamente. Parece que estou tocando dois instrumentos”, explica.

No repertório, Valsinha (Vinicius de Moraes e Chico Buarque), Eleanor Rigby (John Lennon e Paul McCartney), Chora viola (Tião Carreiro e Lourival dos Santos), Nascente (Flávio Venturini e Murilo Antunes), Ponteio (Edu Lobo e Capinam) e While My Guitar Gently Weeps (George Harrison).

O que todas essas canções têm em comum? “Além de serem tocadas com a minha técnica, a amarração se dá com o meu jeito de fazer arranjo. A harmonia é feita com tonalismo e modalismo. Assim, há momentos em que a música toma rumo inesperado. Acho que é influência do Clube da Esquina, que pesquiso há anos. Além disso, gosto de criar espaços para o silêncio”, responde Ivan Vilela.

Por Eduardo Tristão Girão

Dia do Saci reafirma a cultura brasileira, diz sociólogo

Já faz alguns anos que artistas, educadores, políticos e parcela da sociedade se mobilizam pela comemoração, em 31 de outubro, do Dia do Saci. A idéia é de se homenagear o personagem do folclore nacional mais conhecido e descrito na literatura no mesmo dia em que, nos Estados Unidos, se comemora o Dia das Bruxas, ou o Raloin, na grafia dos saciólogos.

Algumas cidades brasileiras, como São Paulo, já aprovaram leis que institui a data como Dia do Saci e pela preservação da cultura nacional. Mas o projeto que institui a data em âmbito nacional ainda aguarda aprovação no Congresso Nacional. Dois projetos de lei - do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e da ex- deputada Angela Guadagnin (PT-SP) - se fundiram e foram apresentados à Comissão de Educação e Cultura, que aprovou a medida. Falta a matéria ir a plenário.

Em entrevista à Fórum, Mouzar Benedito, membro da Sociedade dos Observadores do Saci (Sosaci), entidade fundada em 2003, lembra que já faz alguns anos que, no dia 31, o povo brasileiro está comemorando o Raloim, "uma festa imperialista, deformadora do caráter das crianças". Segundo ele, "precisamos nos contrapor a isso. O mais importante é legitimarmos a discussão da mitologia brasileira como resistência à invasão cultural.".

"Nós da Sosaci acreditamos que o dia 31 deve ser o Dia do Saci e seus amigos, justamente pela importância de valorizamos a cultura brasileira. Somente escolhemos o Saci para representar, pois ele é o mito brasileiro mais conhecido no país, além de representar à síntese dos três grandes povos que deram origem ao povo brasileira - o povo guarani, o povo africano e o povo europeu", diz Mouzar.

A seu ver, "o Saci representa muito bem o povo brasileiro, alegre e peralta". Mouzar também é autor do Anuário do Saci, uma agenda que vale por três anos e traz o "lado B da" história do Brasil.