18.1.08

Chico, Volte prá Casa!

Este blogue acha que Chico, o macaco prego que recentemente colocou Uberaba na mídia nacional, deve voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saído: a Mata do Ipê!

Chico foi tranferido para Araxá onde está em cativeiro, penalizado injustamente pela agressão humana que ele próprio sofreu.

Para quem não sabe o macaco era frequentemente molestado por pessoas que o agrediam e que chegaram inclusive a drogá-lo, segundo testemunhas.

O Chico não é perigoso pelo menos não tanto quanto o homem.

O que realmente aconteceu é o que vem acontecendo no mundo todo. A natureza dando resposta a ação nefasta do ser humano. A natureza dá o troco pela agressão sofrida: aquecimento global, tempestades, enchentes, secas prolongadas. No caso do macaco é a mesma coisa.

O macaco deveria ter ficado. O homem é que deveria ter sido retirado da mata. Não soube conviver com a natureza. É até uma ação de preservação manter o homem afastado da Mata do Ipê. E os responsáveis em cuidar das matas e parques deveriam se inteirar mais de como é feito esse trabalho. Tudo poderia ter sido evitado.

No fundo eu acho que o Chico foi para Araxá para não morrer. Ele corria risco de vida. Não estão acabando com tudo?

Pensei até em fazer aqui no blogue uma reparação de agravo ao Chico e clamar por sua volta, pensando que pudesse simbolizar uma atitude nova na defesa do nosso meio ambiente tão ameaçado. Mas lá em Araxá colocando-o numa mata e levando sua macaquinha Chica ele estará sendo preservado. Aqui ele morreria.

O Chico foi o primeiro a entrar em CANA.
Seremos os próximos a entrar em CANA

Salve-se quem puder!

17.1.08

Nos Trilhos de Minas


Meus compadres e comadres: Dia 25 e 26 de janeiro estarei em cantoria com minha confraria de Araguari. Quem estiver em algumas dessas duas cidades dia 25 e 26 já se considerem convidados.

2.1.08

A Revolução do Cine Falcatrua

Um cineclube ligado à universidade desperta a fúria das distribuidoras de audiovisual ao exibir, sem fins de lucro, filmes baixados por internet. Disputa revela como é necessário superar, em defesa do público e dos artistas, os limites estreitos da ''propriedade intelectual''.

Por Bruno Cava, para o Le Monde Diplomatique.

Em novembro, uma juíza de primeira instância da Justiça Federal condenou a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) a pagar indenização por suposta violação de propriedade intelectual. A infração aos direitos autorais teria sido provocada, segundo a magistrada, nas atividades do cineclube Falcatrua – programa de extensão e pesquisa do departamento de Comunicação Social, realizado por estudantes da UFES desde 2004.

Ao dar ganho de causa ao Consórcio Europa — um gigante da distribuição cinematográfica — o Judiciário ainda aplicou multa diária de R$ 10 mil à universidade, caso as exibições fossem retomadas, e determinou a destruição imediata de seu equipamento de produção, edição e projeção de cinema. A seguir, outro juiz, agora da vara local em Vitória e a pedido da mesma distribuidora e da Lumière, expediu medida liminar proibindo novas apresentações do cineclube, pois ele incorreria em ''concorrência desleal''.

O Cine Falcatrua é um dos carros-chefes do movimento da cultura livre. Protagonista do circuito nacional de Conteúdos Livres — com suas mostras de filmes, sob as (des)licenças Creative Commons e copyleft, e seus festivais de mídia-ativismo, esse cineclube universitário trabalha com tecnologias acessíveis do digital para democratizar a produção cultural. O grupo promove exibições abertas e gratuitas de filmes baixados da internet, sempre acompanhadas de discussões e intervenções. Também ministra a oficina Cineclubismo Digital Gambiarra, que ensina como produzir, projetar e distribuir filmes digitais. Além de tudo, ainda prepara material de divulgação acerca de direitos autorais, difusão cultural e cinema livre.

Inserido no movimento cineclubista, que remonta aos anos 1920 e formou diretores do porte de Gláuber Rocha e Rogério Sganzerla, o Cine Falcatrua abre espaço para o cinema independente, incentiva a politização da sétima arte e enriquece a produção crítica. Aplaudido por diretores como Cláudio Assis ( Amarelo Manga, Baixio das Bestas), só em 2004 foram mais de 40 sessões públicas, reunindo um público de aproximadamente cinco mil pessoas. Indo além dos muros universitários, o cineclube já expôs em bairros da periferia de Vitória, em galerias de arte, nas ruas de São Paulo e até em bailes funk (com o filme ''Sou feia, mas tô na moda''). Assim, ele retoma a tradição cineclubista brasileira dos anos 1970 e 80, quando, graças ao início da redemocratização, o movimento pôde estender-se para sindicatos, universidades e centros culturais, para um público além dos cinéfilos.

O Falcatrua vai mais longe. Não se restringe a promover filmes históricos, cult, alternativos, independentes ou ''underground'' – material clássico do cineclubismo. Também oferece filmes do grande circuito comercial: faz o download de cópias disponíveis na rede e projeta-as grátis — e antes da estréia oficial. Quer dizer: ele antecipa-se à indústria de entretenimento — como fazem os camelôs, mas sem auferir qualquer lucro. Eis aí o salto qualitativo desse projeto inovador.

Afinal, quantos podem dispor de R$ 50,00 para levar a família ao cinema? E a imensidão de localidades que simplesmente não tem cinema? Que dizer da decepcionante diversidade oferecida pela indústria de entretenimento, especialmente fora dos grandes centros? E mais: por que aceitaríamos o miserê de assistirmos a filmes de vez em quando, ou quando o dinheiro der?! Quando podemos — cada um de nós, cidadãos — assistir a muitos, novos e bons filmes, todos os dias em que desejarmos!?

O que fez as distribuidoras, enfurecidas, ajuizarem ações judiciais, foi o fato de o Falcatrua ter exibido Fahrenheit 911 (Michael Moore) e Kill Bill (Quentin Tarantino) antes das estréias oficiais. As demandas foram rapidamente acolhidas pela contra-insurgência estatal. Resultado: a iniciativa alcançou tamanha projeção que já é reconhecida como uma modalidade específica de fazer cinema: baixar produções da internet, editá-las e projetá-las, de graça, em espaços públicos.

Portanto, não se trata de mais um caso prosaico de aplicação fria da lei dos direitos autorais, de uma decisão simplesmente técnico-jurídica, pretensamente apolítica. No nosso tempo, este é um caso paradigmático. A criminalização do Cine Falcatrua coloca-se no coração dos conflitos da sociedade pós-industrial, na qual, à socialização da produção de conhecimento e cultura, opõem-se os dispositivos expropriatórios, oligopolistas e antidemocráticos do capitalismo.

Não por acaso, a criminalização incitou a imediata resistência. Articulando-se pelas mídias democráticas, o movimento cineclubista mobilizou-se e o Conselho Nacional de Cineclubes (CNC) reagiu publicamente, classificando o fato como ''caça às bruxas''. A medida judicial, no tocante à destruição de meios de produção da UFES, foi comparada a um ''obscurantismo policialesco'', próprio dos anos de chumbo. De fato, o caso remete à violência sistemática que o cineclubismo sofreu quando do endurecimento da ditadura, período em que vários cineclubes foram depredados, seus membros perseguidos, os acervos confiscados e ''desaparecidos'' (de 1968 a 1969, a quantidade de cineclubes caiu de significativos 300 para somente 12). A Federação Mundial, com sede na Itália, emitiu um comunicado em defesa do Falcatrua e um dos diretores supostamente ''violados'', Michael Moore, declarou que não vê qualquer problema na divulgação livre e didática de seus documentários, desde que sem fins comerciais.

O orientador do projeto, Alexandre Curtiss, assegurou a continuidade da iniciativa: ''Estamos entrando em outra etapa do projeto. Não vamos nos preocupar com essa liminar. Nosso objetivo não é fazer pirataria e sim gerar acesso à cultura cinematográfica. Nós vamos continuar as exibições'' . Um recurso foi interposto na segunda instância. Argumentos jurídicos não faltam. A Constituição garante: a função social da propriedade (art. 5º XXIII), o direito exclusivo do autor e não da distribuidora (art. 5º XXVII), o direito de acesso à cultura e à produção cultural (art. 23 V) e, principalmente, a democratização do acesso aos bens da cultura e sua difusão (art. 215, § 3º cf EC n.º 48/2005). Além disso, a lei de direitos autorais, nº 9.610/98, não exige a autorização para a exibição do audiovisual, quando sem interesse econômico (art. 81). O Código Civil de 2002 exige o dano como caracterizador da responsabilidade civil (arts. 927 c/c 186).

Evidentemente, a contenda é política. O filósofo italiano Antonio Negri identifica na atualidade uma tendência do capitalismo em direção ao trabalho imaterial e cognitivo. Isto é, o valor agregado pelos ativos imateriais (circulação de bens, marketing, serviços, criatividade) sobreleva aquele advindo da cadeia produtiva industrial, de modelo fordista e seriado. As leis nacionais e os tratados internacionais de propriedade intelectual (o Trips da OMC), o copyright, a ''polícia autoral'' (como o Ecade), tudo isso torna-se, em conjunto, o instrumento por meio do qual o sistema capitalista explora, monopoliza e concentra a produtividade social.

A luta contra a propriedade dos bens comuns coincide progressivamente com a luta contra o copyright. A diversidade cultural, a transversalidade entre produtores/transmissores e consumidores/receptores, a valorização dos insumos culturais (idéias, informações, símbolos, linguagens), tudo isso põe a cultura no centro da nova economia. A cultura cada vez mais é a própria economia. O produtor cultural torna-se o agente político por excelência, já que a arte da política está em organizar a produção.

Daí a importância, para as distribuidoras, de barrar uma insurgência tão libertária quanto o Cine Falcatrua, que democratiza a cultura contra o monopólio sobre a cópia. Desde a origem, no século 14, os direitos autorais interessaram primordialmente aos atravessadores dos produtos culturais. Primeiro as editoras; depois, as gravadoras de música e as distribuidoras de audiovisual.

E como fica o artista? Para o artista, o que vale é estabelecer uma comunicação com seus públicos, multiplicando oportunidades e articulando contatos e redes colaborativas. ''O valor econômico na produção cultural reside na relação que o artista constrói com seu público'' (Ronaldo Lemos). Preocupante ao artista não é a ''pirataria'', mas a obscuridade. Mesmo porque a atual indústria de entretenimento tende a concentrar-se em poucos filmes, álbuns ou livros, porém ultra-badalados, e geralmente limita-se a produzir... entretenimento.

Ora, os filmes são feitos para serem vistos! Pássaro livre, a produção cultural e de conhecimento do público, para o público e pelo público deve arrebentar as amarras da indústria e dos direitos autorais para difundir-se livremente, instituindo um ciclo virtuoso de produção de valores, bens e sentidos – constituindo um comum colaborativo. Como escreveram Ana Bonjour e Leonora Corsini: é ''a arte abandonando o conceito enrugado de artigo de luxo [ou acadêmico, acrescento] para, finalmente, enfiar-se no parangolé de Hélio Oiticica''. A revolução não tem data marcada: é agora, neste instante. O Cine Falcatrua é mais um potente efeito dos ventos da mudança.

1.1.08

Passagem do ano


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

Carlos Drummond de Andrade