15.7.07

Secretários estaduais imprimem força por uma política nacional

Com grande representatividade, segunda assembléia do Fórum Nacional de Secretários Estaduais da Cultura, ocorrida em São Paulo, articula apoio à aprovação do projeto de aumento do repasse para a cultura e cobra espaço político no MinC. TV Pública entra na pauta e secretários do nordeste lançam Carta de Fortaleza, por uma política cultural comum para a região.

O Museu da Língua Portuguesa e o Itaú Cultural sediaram, nos dias 5 e 6 de julho, a segunda assembléia geral do Fórum Nacional de secretários e dirigentes estaduais da cultura. O encontro contou com a presença de 25 dos 27 estados da federação, além dos Secretários do Ministério da Cultura (MinC) Sérgio Mamberti (Diversidade e Identidade), Alfredo Manevy (Políticas Culturais) e Mario Borghnet (Assessor Especial do Ministro).

Dentre as pautas, a discussão de determinadas políticas do MinC, principalmente relacionadas às secretarias federais presentes, o Plano Nacional de Cultura (PNC), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 150/2007 – que institui o aumento do repasse de verbas para a cultura – e a TV Pública, prestes a ser regulamentada.

Postados em uma grande mesa, os secretários iniciaram os trabalhos ouvindo a explanação do Secretário de Diversidade Cultural do MinC, Sérgio Mamberti, que lembrou as políticas desenvolvidas por sua pasta, em especial, aquelas voltadas aos negros, índios, movimentos populares e de diversidade sexual, além das demais minorias.

O secretário destacou a relevância da Convenção da Unesco, que “consagra a importância da diversidade e da proteção das culturas populares e tradicionais, preservando-as da violência cultural e da homogeinização”. Além disso, respondeu às indagações dos secretários, afirmando reiteradas vezes a necessidade do pacto federativo para a transversalidade das políticas culturais. “A questão da junção dos editais, do MinC com os estados, já é um grande avanço nesse sentido”, colaborou o secretário de Alagoas, Osvaldo Viegas.

Nessa linha, o secretário do MinC, Alfredo Manevy, ressaltou a importância do Fórum para a política de horizontalidade do MinC que, segundo ele, mantém uma relação “tranqüila e sem crise” com os secretários. De acordo com Manevy, o Fórum exerce um papel fundamental para as políticas setoriais do MinC, para o desenvolvimento dos gestores e produtores regionais e para a regionalização da cultura em todas as suas esferas e instâncias. No entanto, é preciso que ele desenvolva as suas próprias agendas.

No entanto, mesmo com a chancela do MinC, o tom dessa assembléia foi de cobrança por mais espaço nas suas esferas de decisão política. O atual presidente do Fórum, João Carlos Ferreira, secretário de Cultura do Mato Grosso, evidenciou essa movimentação, que ganhou corpo com a maior articulação dos estados. “O Fórum representa a base cultural do país, pois abrange os estados e municípios que os compõem. Queremos ter mais voz no MinC, não apenas sendo ouvidos, mas participando da elaboração das políticas de cultura”.

Algumas vozes, inclusive, eram mais incisivas nessa cobrança, como a da secretária de Minas Gerais, Eleonora Santa Rosa, que reclamou da falta de partilhamento orçamentário dos estados com o MinC e a ausência de cooperação nos programas. “É preciso que os Estados, legitimamente representados nesse Fórum, sejam construtores efetivos da política com o MinC”, discursou ela, para quem é preciso uma maior interlocução político-institucional com o Ministério.

A despeito disso, o aceno é otimista: “as discussões, a comunicação com o MinC está num processo ascendente”, diz o presidente do Fórum, que surgiu em 1983 e possui um assento na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), responsável pela aprovação dos projetos concorrentes na Lei Roaunet.

Articulação para a PEC 150/2007

Alguns pontos de convergência eram claros na mesa de discussão. O principal, veementemente declarado pelo secretário do Mato Grosso, era a aprovação da PEC 150/2007. “É objetivo do Fórum a aprovação da PEC. Faremos barulho para que isso aconteça e o ideal é que todos os secretários participantes encampem a iniciativa”, pontua o presidente da articulação.

A PEC 150/2007 prevê a vinculação institucional de verbas para a cultura de no mínimo 2% para a União, 1,5% para os Estados e 1% para os municípios, visando à implementação das políticas de cultura nessas três esferas - sabe-se que o repasse atual para a cultura, do Orçamento Geral da União, é de 0,7%. Na ocasião, a PEC foi apresentada pelo deputado federal Frank Aguiar, um dos proponentes do projeto na Câmara dos Deputados.

Uma frente parlamentar está se formando para aumentar as possibilidades de aprovação dessa PEC. Atualmente, 294 parlamentares assinaram a lista que compõe a frente parlamentar da cultura na Casa, ainda circulante para mais adesões. Esse movimento vem sendo catalisado pelo Fórum, conforme o seu presidente, que também pretende, com a frente, obter mais apoio para participar da elaboração do Plano Nacional de Cultura, em processo de confecção pelo MinC.

Para Manevy, essa articulação faz sentido ainda, pois “o PNC não substitui o planejamento estadual de cada estado, mas influencia e se influencia pelas políticas estaduais e municipais”. “Os secretários do Fórum estão chamando para si a responsabilidade de trabalhar a sua base parlamentar para alcançarmos esse objetivo.”, declarou João Carlos Ferreira.

A Carta de Fortaleza

Durante o Fórum, foi distribuído um documento denominado Carta de Fortaleza (leia na íntegra). Nele, os secretários de cultura alinhavam-se em torno de uma visão comum de políticas culturais para a região do nordeste e mostravam uma articulação inédita para o setor. Assinado pelas nove secretarias estaduais de Cultura do nordeste, eles declaravam o “acerto do processo de construção da Política Nacional de Cultura (...) assim como a importância do Sistema Nacional de Cultura para a articulação equilibrada dos entes federativos”. Além da mobilização dos seus parlamentares para a aprovação da PEC 150/2007.

O secretário da Bahia, Márcio Meirelles, deixou clara a necessidade de união dos estados em torno de uma linha de atuação e de um calendário integrados. “Historicamente, o nordeste é segregado, e isso criou não só uma identidade entre os estados, mas problemas e reivindicações comuns”, afirmou em entrevista o secretário, que também declarou uma afinidade ideológica entre os vizinhos – todos os nove governos do nordeste são do PT ou da base aliada.

A visão é compartilhada por Osvaldo Viegas, secretário de Alagoas, que pontuou ainda a importância de reforçar a articulação horizontal, a democratização do acesso e a distribuição dos recursos públicos.

Atestando a robustez dessa união, a Carta de Fortaleza oficializa também a criação da Rede Nordeste de TV’s públicas. Conforme a fala dos secretários, a idéia seria criar musculatura aos setores regionais com pouca capacidade de produção, em uma área midiática ainda fortemente ligada ao colonato. Um reforço político de ajuda mútua no setor, ainda arcaico em muitas localidades, sem grande abrangência e obsoleto tecnicamente.

Essa rede já conta com a adesão de quatro canais de televisão e inclui o compartilhamento de produção entre cinema e televisão pública, inclusive com cartas de co-produção, e espaço para a produção independente.

Com relação à novidade, umas das poucas manifestações do secretário de cultura de São Paulo foi indagar o porquê de o nome não ser “rede Brasil”, já que “rede nordeste” poderia trazer uma nuance de “discriminação” dos outros estados.

TV Pública e os estados

A TV Pública Federal foi outro tema amplamente discutido no encontro. A explanação do projeto governamental da TV Brasil ficou a cargo do assessor especial do MinC, Mario Borghnet, que trouxe a necessidade de pactuação dos estados com o projeto, cuja discussão alcança cerca de um ano e meio, e as expectativas do MinC para com os estados na área.

Borghnet explicou que a TV Brasil deve ter “uma espinha dorsal, mas não uma estrutura verticalizada”, ter o papel de catalisador da produção das próprias TV’s estaduais e, assim, tornar-se um veículo de ampliação dos protagonismos locais, inclusive com a programação advinda dos próprios estados. Avalia que pode ser uma plataforma importante para o ganho de escala das políticas culturais estaduais, além de um instrumento de comunicação de governo, no exercício da “interface comunicativa entre as esferas governamentais”.

Além disso, para o MinC, a TV Pública é essencial no deslocamento da pasta da cultura para o centro da política governamental e a sua expectativa é que as secretarias estaduais contribuam para a construção do discurso e da plataforma para essa centralidade. “É papel central das secretarias estaduais agir pela mobilização dos pólos regionais”.

Quanto à política de comando das TV’s públicas, Borghnet conclama os estados a seguirem o modelo federal e entregarem o comando das TV’s estaduais à sociedade. E ressalta a necessidade de que as secretarias estaduais coordenem seus municípios para o processo de migração digital, que está na iminência de ocorrer.

Borghnet termina destacando a importância da mudança de visão também na programação: “Para a TV pública, o telespectador não é um consumidor. As demandas são outras, o tipo de relação é outro. Ele não pode ser um receptor de conteúdo, mas sim interagir. A audiência deve ser construída com outras bases, que não a publicidade”.

Guilherme Varella cobriu o Fórum para 100canais, parceiro de Carta Maior.