26.12.07

Sucateamento da OSMG (2ª parte) - Bem que eu avisei!

Briga de orquestras acaba na Justiça em Belo Horizonte

ONG contratada pelo governo rachou Sinfônica de MG e criou uma nova.
Descontentes acusam entidade de 'desprezo pelos músicos' veteranos.

Por Mara Bergamaschi (para o G1)

O que nem Federico Fellini, em seu cáustico filme“Ensaio de orquestra”, ousou imaginar está acontecendo na pacata Belo Horizonte: duas orquestras disputam o mesmo palco, o mesmo instrumental, o mesmo caixa e a mesma platéia. A conhecida queda dos mineiros pela conciliação e o espírito natalino não foram suficientes para estabelecer uma trégua entre os representantes dos dois grupos - um tradicional e público; o outro novo e privado. Diálogo agora só por meio de oficiais de Justiça.

No último domingo (16), os oficiais foram chamados para impedir a escolha de músicos para a nova orquestra, que atende pela sigla Icos (Instituto Cultural Orquestra Sinfônica). Quem os acionou foram advogados que representam a maioria dos músicos de uma instituição bem mais conhecida, a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG). A confusão não terminou aí – e, ao que tudo indica, ainda vai longe. Segundo relataram testemunhas ao G1, os representantes do Icos chamaram a polícia e registraram boletim de ocorrência contra a ação do oficial de Justiça.

Depois de fazer este ano vítimas na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a guerra jurídica chegou à OSMG e está abalando o Palácio das Artes – endereço único dos dois quartéis inimigos. O que ocorreu em São Paulo, entretanto, se parece mais com o terremoto, imaginado por Fellini, que um só maestro temperamental e um único grupo de músicos rebelados podem causar. Em Belo Horizonte, a situação é mais complicada: a luta é fraticida, pois os músicos agora divididos estiveram sempre unidos na OSMG, que existe há 30 anos, sob uma única batuta.

Impasse

Em Minas, tudo começou há dois anos, tendo como modelo exatamente a Osesp - que deixou de ser pública e se transformou em Oscip (organização da sociedade civil de interesse público), ONG que pode receber verbas públicas, captar incentivos fiscais e patrocínios privados. Com a intenção declarada de melhorar as condições de trabalho da OSMG e os salários de seus integrantes, a Fundação Clóvis Salgado, do governo de Minas, assinou uma parceria com a então recém-criada Icos, que é uma oscip. Esse tipo de mudança também está em processo nas orquestras oficiais do Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Sul.

Na prática, os músicos da OSMG, funcionários públicos concursados, migrariam para o Icos. Eles avaliaram, entretanto, que seus direitos, como a estabilidade e as vantagens adquiridas, não estariam garantidos com a transferência. Conclusão: mesmo com o atrativo de salários triplicados para quem está em início de carreira, até hoje apenas 32 dos 74 músicos da OSMG se licenciaram para aderir à nova estrutura. E instalou-se o impasse, cuja face mais absurda e visível são as duas meias-orquestras, atuando em paralelo, no maior centro cultural do Estado.

Audições no exterior

Para tentar completar seu quadro de músicos , o Icos, que se apresentou pela primeira vez este mês com somente 17 instrumentistas, marcou, no início de dezembro, audições de músicos até em Miami e Filadélfia. Na versão em inglês de seu site, o Instituto se coloca, confusamente, no lugar da OSMG. Diz o texto: “a OSMG, localizada em Belo Horizonte, terceira maior cidade brasileira, com quatro milhões de habitantes, está fazendo audições de músicos para completar seus quadros”. Informa ainda que a OSMG passa por completo processo de reformulação administrativa e artística e terá como regente titular Fábio Mechetti – que, vindo dos Estados Unidos, já está em Belo Horizonte. Mas quem ainda rege a OSMG, que faz concertos de Natal nesta quarta e quinta-feira, é o maestro Marcelo Ramos. Ele se licencia do cargo em janeiro.

As vantagens oferecidas aos músicos estrangeiros são salários que variam de R$ 65 mil a R$ 78 mil anuais, além de assistência de saúde e benefícios sociais, e oito semanas de férias pagas por ano. Ainda falando em nome da OSMG, o Icos diz que a Orquestra funciona em prédio do “famoso arquiteto Oscar Niemeyer” (Palácio das Artes) e que seus integrantes fazem turnês pelo Brasil e por Minas Gerais. Por fim, lembra que o custo de vida em Belo Horizonte é inferior ao de outras capitais brasileiras e ao das cidades americanas.

“Entendemos que o que está ocorrendo é a privatização de um patrimônio artístico e cultural público, com total desprezo pelos músicos, que nunca foram ouvidos”, afirma o contrabaixista Fernando Santos, 14 anos de OSMG, que fala em nome do grupo que não aderiu ao Icos. A Fundação Clóvis Salgado, parceira da Icos, tem adotado um tom moderado. Segundo a assessoria de imprensa da Fundação, as duas orquestras conviverão pacificamente, por enquanto sob o teto do Palácio das Artes, para o bem do público mineiro, que terá agora mais opções. Mas os músicos que ficaram na OSMG questionam no Tribunal de Justiça do Estado a legalidade da parceria público-privada. Caberá aos tribunais decidir até quem tem o direito de usar o título Orquestra Sinfônica. Intriga digna de cinema.

24.12.07

18.12.07

Niemeyer, a beleza é leve

Sábado, 15 de dezembro, Oscar Niemeyer completou cem anos de vida, para a alegria de seus amigos e de seus admiradores. Se é função da arte inventar o mundo em que vivemos, no caso do aniversariante, já por ser arquiteto e o arquiteto que é, não há exagero em dizer-se que ele mudou a imagem que se tem do Brasil, criando formas arquitetônicas, belas e inusitadas, que se integraram para sempre em nosso imaginário.

Por Ferreira Gular, para a Folha de S.Paulo

Monumentos arquitetônicos como o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional e a Catedral de Brasília -para ficamos apenas em obras da capital brasileira- tornaram-se exemplos de uma nova concepção estética, paradigmas da arquitetura contemporânea.

São apenas três exemplos, mas a verdade é que esse brasileiro é dotado de uma capacidade -quase, diria, de uma genialidade- que lhe permite criar formas esteticamente sofisticadas e, ao mesmo tempo, capazes de tocar a sensibilidade de todas as pessoas. Por isso, escrevi, num poema a ele dedicado, "Oscar nos ensina / que o sonho é popular".

Não tenho dúvida nenhuma de que ele nasceu arquiteto. Certamente, teve de fazer o curso de arquitetura, teve de conhecer e estudar a obra dos grandes arquitetos que o antecederam, mas só um talento excepcional para intuir o espaço arquitetônico e concebê-lo em formas inesperadas pode explicar o fenômeno que ele é.

Essa capacidade de intuir e conceber o edifício manifestou-se, nele, muito cedo e se mantém com o mesmo ímpeto criativo, hoje, quando ele completa um século de vida e após projetar e construir o maior número de obras da história da arquitetura mundial.

Modesto e audacioso, mudou o projeto, concebido por seu mestre Le Corbusier, para o edifício que é hoje o Palácio Gustavo Capanema. O detalhamento do projeto estava a cargo de uma equipe chefiada por Lúcio Costa da qual ele fazia parte. Ao perceber que o edifício ganharia em monumentalidade se as colunas que o sustentariam fossem aumentadas no dobro da altura, fez um esboço que (à sua revelia) levaram a Lúcio Costa, que decidiu adotá-lo. O projeto modificado ficou tão bom que Le Corbusier fez de conta que o projetara daquele jeito.

Quem conhece a história da arquitetura moderna sabe que o princípio básico do novo modo de construir diz que "a forma segue a função". Essa estética funcionalista foi uma reação ao gosto "revival", que sufocava a forma dos objetos e dos edifícios com um decorativismo exagerado.

Por isso, os criadores da moderna arquitetura adotaram a reta e a composição despojada como o seu princípio estético. Essa é a característica comum às obras dos pioneiros da nova arquitetura, como Le Corbusier, Walter Gropius ou Mies van der Rohe.

Se o princípio funcionalista deu nascimento a uma nova linguagem arquitetônica, provocou, em contrapartida, soluções repetitivas que terminaram por empobrecer o repertório formal da nova arquitetura. Ela se tornou pouco criativa.

Coube a Niemeyer romper com essa submissão à funcionalidade e à ditadura da linha reta e soluções ortogonais, ao conceber o conjunto arquitetônico da Pampulha, onde a forma curva predominava. Iniciou-se, então, uma revolução que mudaria radicalmente o vocabulário da arquitetura contemporânea.

Buscar a forma nova, que surpreenda e comova, terá sido o empenho de Niemeyer, desde seus primeiros projetos. E é extraordinária a sua capacidade de criar novas formas, quer sejam as colunas do Palácio da Alvorada, quer sejam os arcos assimétricos do edifício da editora Mondadori, em Milão. É tal a expressão poética desses edifícios que eles parecem apenas pousados no chão, sem peso.

O arquiteto brasileiro deu início, assim, à exploração das possibilidades plásticas do concreto armado e das novas técnicas de construção. Em conseqüência disso, sua audácia na concepção das obras obrigava a soluções técnicas inovadoras, fazendo avançar os processos de edificação. Para isso, contou com a colaboração de Joaquim Cardoso que, além de calculista, era poeta -e dos melhores.

Já houve quem afirmasse que Oscar Niemeyer, mais que um arquiteto, seria um escultor. A afirmação é destituída de fundamento, já que uma de suas principais virtudes é precisamente a intuição e a concretização do espaço arquitetônico. Essa é uma qualidade essencial dos edifícios por ele concebidos, em que o espaço interior e o exterior são percebidos pelas pessoas como uma experiência que tanto as fascina quanto as conforta.

3.12.07

Rapozinha precisou do Galo para ir à Libertadores, pois se dependesse somente dela não iria.

Para quem ainda tem saco de tocar em orquestra

ABERTAS INSCRIÇÕES PARA SELEÇÃO DE MÚSICOS DA OSBA

Aberta as inscrições para a seleção de 13 músicos/professores da Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA). De acordo com o edital lançado Fundação Cultural do Estado, a seleção será feita pela própria Orquestra, através de uma comissão composta por cinco músicos com experiência. As inscrições vão até 12 de dezembro.

Entre os profissionais selecionados, estão disponíveis 5 (cinco) vagas para Violino, 2 (duas) para Viola, 2 (duas) para Contrabaixo, 1 (uma) para Trompa, 1 (uma) para Trombone, 1 (uma) para Oboé e 1 (uma) para Harpa. O Salário (Base + Gratificações) para os músicos gira entre R$ 2.500 e R$ 3.000 com contrato de até 2 anos.

Para mais informações, incluindo o edital, ficha de inscrição, os anexos e programa das músicas a serem executadas durante a seleção, já estão disponíveis no site do Teatro Castro Alves e podem ser obtidas também através do telefone (71) 3339-8049, telefax (71) 3339-8048 e pelo e-mail: osbatca@yahoo.com.br.

27.11.07

Teatro Oficina encena 'Os Sertões' na cidade de Canudos

O Teatro Oficina leva sua montagem da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, ao seu palco histórico - a cidade de Canudos na Bahia. O "encontro" ocorrerá entre os dias 28 de novembro e 2 de dezembro. A montagem de Zé Celso Martinez Corrêa em Canudos será dividia em cinco apresentações, num total de 25 horas de encenação.

De acordo com a organização do espetáculo, a equipe do Teatro Oficina utiliza cinco toneladas de objetos de cena e equipamentos para montar o palco no Estádio Municipal de Canudos. A peça tem 47 atores, músicos, dançarinos e atores mirins, além de câmeras e equipe técnica.

As apresentações serão gravadas e transmitidas ao vivo em vídeo pela internet, no site da companhia (www.teatroficina.com.br). O dia 2 de dezembro, data da apresentação da última parte da peça, marca também a comemoração de 105 anos do lançamento da primeira edição de Os Sertões.

Marcas

A ida do Teatro Oficina a Canudos marca também o pedido mundial e ao Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de reparação para o desmassacre deste tabu nacional. Mais de cem anos após a Guerra de Canudos, Zé Celso conclama a "multidão brazyleira" a se arregimentar.

Com o manifesto IÓ! Brasileiros!, o dramaturgo lançou o desafio dessa temporada e uma grande mobilização nacional, através dos mais diversos setores de poder e dos mais diversos setores de nossa gente. "A junção dos nossos sentimentos, das nossas energias, ao lado de todos os canudenses, certamente será a verdadeira largada para o início dessa fundamental correção histórica, que o Brasil deve a cidade de Canudos."

A conquista do sertão

Universalizado pelas várias linguagens da arte, o espaço sertanejo, expressão da nossa identidade, é patrimônio geográfico e cultural do Brasil

No ano que vem comemora-se o centenário do nascimento de João Guimarães Rosa, um dos maiores escritores de todos os tempos e de todas as línguas. Sua obra mais famosa, Grande Sertão: Veredas, publicada em 1956, está traduzida numa dezena ou mais de línguas e é conhecida nos cinco continentes. Ela ajudou a consagrar o sertão – inclusive no Brasil – como algo “brasileiro” e como uma região geográfica situada entre o norte de Minas Gerais e o sul do Piauí e do Maranhão, ladeada, a oeste, pelo Planalto Central, onde fica Brasília, e a leste pela aproximação da orla litorânea da Bahia e dos estados do Nordeste. Mas nem sempre foi assim.

Ao contrário do que se pensa, o sertão chegou de barco no (futuro) Brasil. Não havia sertão por aqui. Os tupis e outros povos habitantes do litoral não conheciam esse conceito. Foram os portugueses que o trouxeram, assim como trouxeram a casa, a cidade, a rua, a igreja, o galo e a galinha, os cachorros, o cavalo, o céu, o inferno.

A primeira vez em que o sertão aportou no (futuro) Brasil foi na pena de Pero Vaz de Caminha, na carta escrita ao rei dom Manuel dando conta de que as caravelas de Cabral tinham chegado a uma terra desconhecida. Caminha escreveu que se olhando sertão adentro (apontando para o interior, a oeste) viam-se terras e árvores a perder de vista. Pronto: assim como as quinas e padrões portugueses, que marcavam a nova conquista, o sertão fora assentado nas terras que Portugal iria ocupar, para o bem e também para muito mal, sobretudo das populações nativas e dos escravos trazidos da África.

Na carta de Caminha o sertão começava onde terminava a areia da praia. De lá para cá, o sertão pôs-se a caminhar, indo cada vez mais para dentro da “nova” terra, cada vez mais longe do litoral, e também foi se modificando. Ainda no século 16, quando o padre José de Anchieta se referia ao “sertón” (pois ele escrevia mais em espanhol, guarani e latim do que em português), ele falava de uma terra bravia, dominada pelos “gentios” (índios não cristianizados), que começava na fímbria das montanhas da Serra do Mar e se perdia terra adentro, sempre para oeste.

Quando o padre Vieira, em seus sermões, se referia ao sertão, já nos anos 1600, falava de uma terra bem distante, para os lados dos interiores da Bahia, do Maranhão, até da Amazônia.

Entre esse século e o 18 o sertão passou por uma grande transformação. Era a terra do gentio, de “completamente estranho”, ou a terra “por desbravar”, ainda “por conquistar”.

Em 1711 o padre João Antônio Andreoni tentou publicar em Portugal seu Cultura e Opulência do Brasil. Não conseguiu. O rei achou que o livro despertaria cobiça em outros países. A obra só foi publicada no século 19. Andreoni, cujo pseudônimo era Antonil, assim descrevia a vinda de boiadas do interior para o litoral, na Bahia: “Os que a trazem, são brancos, mulatos e pretos, e também índios, que com esse trabalho procuram ter algum lucro. Guiam-se indo uns adiante cantando, para serem desta sorte seguidos do gado, e outros vêm atrás das reses, tangendo-as, e tendo cuidado para que não saiam do caminho e se amontoem”.
Quer dizer, o sertão estava se tornando um mundo próprio, sim, dono de uma cultura peculiar, de uma produção econômica própria, e do que parecia aos olhos do padre (que era italiano) uma “gente própria”, acaboclada, com “cantos próprios”, que falava até para os animais, atraindo-os para seu destino (que não era dos melhores).

Daí até o século 20, durante a formação da sociedade brasileira, o sertão foi viajando e também se fixando. Lá nos séculos antigos, havia sertões em toda parte, pois a palavra designava essa terra “estranha” ou na sua fímbria, onde ela estivesse, e ela estava por todo lado. A única cidade brasileira chamada Sertão fica no Rio Grande do Sul. E em São Paulo há uma cidade chamada Sertãozinho. Em Ubatuba, litoral norte paulista, um bairro mais distante da praia, colado ao pé da serra, é chamado Sertão da Quina.

Com o tempo e a diferenciação da sociedade brasileira, o sertão foi se restringindo às inóspitas terras pouco povoadas ou da pecuária mais ao norte do país, mas antes da Amazônia. Foi para esse Sertão que viajou Euclides da Cunha, em 1897, para descrever a Guerra de Canudos, o sertanejo e sua terra em Os Sertões, publicado em dezembro de 1902.

O livro consagrou o sertão como um dos espaços privilegiados de formação da identidade nacional. Para o autor, essa identidade era de fato o palco de um conflito extremo, entre uma sociedade deslocada no tempo, isolada, a do sertanejo, e uma outra, aparentemente moderna, litorânea, que voltara as costas para a primeira e a destruíra por incompreensão e desconhecimento. O “Brasil moderno”, que dizimara a cidadela dos camponeses rebelados, afinal não era tão moderno assim, preso a costumes políticos tão violentos como os das terras sertanejas.

Euclides criou uma matriz não só para o sertão, mas para o Brasil, que adentrou e percorreu toda a cultura e a arte do país, concebendo também, ao lado de outras, imagens fundamentais para o autoconhecimento e para a projeção do nosso país diante de outras culturas. Nesse campo, o sertão teve uma “época de ouro”. Isso se deu ao fim da Segunda Guerra, num processo que envolveu a literatura, a música, o teatro, o cinema e as artes plásticas. Bem antes da televisão.

Nos anos 30 e 40 o sertão se recobrira de reivindicações sociais. Levadas ao conhecimento de todos os brasileiros, as condições de pobreza das terras sertanejas foram tema de uma literatura ao mesmo tempo comovida, comovente, combativa e revoltada, como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Também as artes plásticas se ocuparam dos dramas dessas terras, flageladas pelo latifúndio e pela seca, como no caso dos quadros (Retirantes, por exemplo) de Cândido Portinari, que alcançaram fama mundial.

Ao terminar a guerra, o Brasil entrou num processo acelerado de modernização econômica, política e cultural. Desenvolveram-se enormemente o cinema, o rádio e a indústria fonográfica, com a produção dos antigos discos de vinil, os LPs ou bolachões, em 33, 45 ou 78 rotações por minuto. O teatro passou por uma revolução temática e estética, e a literatura pôs-se mais uma vez a rever a História. Dessa vez tudo aconteceu com alcance mundial, levando junto, nessa viagem espacial e temporal, a paisagem dos sertões brasileiros, transformada em palco de dramas universalizantes.

A indústria fonográfica e o rádio catapultaram para o Brasil inteiro a música de Luiz Gonzaga, Rei do Baião antes que Pelé o fosse do futebol. O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto escreveu para o teatro, a pedido de Maria Clara Machado, um “auto de Natal”, Morte e Vida Severina. O auto, de 1952, só chegaria ao palco em 1964, com música de Chico Buarque, e consagraria o Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), de São Paulo, no Festival Mundial do Teatro de Estudantes em Nancy, na França. A fuga do retirante Severino pelo sertão brasileiro tornava-se a imagem da peregrinação do homem despossuído de todos os quadrantes do mundo, em busca de paz e justiça social.

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz, instalada em São Bernardo do Campo pelo empresário Franco Zampari para ser a nossa Hollywood, produz em 1952 O Cangaceiro, de Lima Barreto, com Milton Ribeiro, Alberto Ruschel (grande galã da época), Marisa Prado e Vanja Orico. Ruschel era gaúcho, o que deu uma cor especial ao sotaque do sertanejo. Mas de qualquer modo O Cangaceiro ganhou o prêmio de melhor filme de aventuras no Festival de Cannes, na França. Percorreu o mundo, distribuído pela Columbia Pictures e popularizou a canção Mulher Rendeira, dos tempos e do bando de Lampião e Maria Bonita. O roteiro era do próprio Lima Barreto e da escritora cearense Rachel de Queiroz.

Em 1955 estreava no Recife a comédia O Auto da Compadecida, do paraibano Ariano Suassuna, escrita quatro anos antes. Em 1957 a peça chegava a São Paulo, e tornou-se sucesso nacional, que dura até hoje, com as posteriores transposições para o cinema e a televisão. Na ocasião, estava quente o lançamento do livro de Guimarães Rosa sobre os sertões mineiros. A obra ganhou projeção nacional e internacional pela inovadora concepção lingüística, que mesclava o falar das populações rústicas com neologismos e a criatividade solta do escritor erudito.

Em 1957 se dá a inauguração dos painéis Guerra e Paz, de Cândido Portinari, na sede da ONU, em Nova York. As obras não têm como tema propriamente o sertão brasileiro, mas o levaram junto com o estilo consagrado do autor. Ainda mais que o fato gerou uma repercussão política enorme, porque o governo dos Estados Unidos negou o visto ao pintor, por ser ele membro do Partido Comunista.

Em 1962 o filme O Pagador de Promessas, com Leonardo Villar, Glória Menezes, Norma Bengell, dirigido por Anselmo Duarte, vence a Palma de Ouro em Cannes. Baseado numa peça de Dias Gomes, o filme tem como protagonista o peregrino Zé do Burro, que vai do sertão para Salvador cumprir uma promessa. Pouco depois Nelson Pereira dos Santos adapta para o cinema Vidas Secas, de Graciliano.

Quando Glauber Rocha lança Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 1964, projeta no mundo uma linguagem cinematográfica original como a de Guimarães na literatura. E o sertão brasileiro já era uma espécie de patrimônio cultural internacional. E assim ficou até hoje, consagrando até mesmo a palavra “sertão” como contribuição brasileira ao vocabulário mundial. A premiada tradução do livro de Euclides para o alemão pelo professor Berthold Zilly, do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim, tem como título Krieg (luta, guerra)im Sertão. Assentado pelo mundo afora, diga-se “sertón”,“sehhhtao”,“sertáo” ou como se queira, o sertão é mesmo brasileiro.

Flávio Aguiar

Ilustração: Mauro Andriole: Sertão (Aquarela, 2003 - 0,40 X 0,55m)

23.11.07

Encontro com o Saci: guardião das matas e do saber popular

Nessa semana, de 19 a 25 de novembro 2007, está sendo realizado o ‘Encontro com o Saci: o guardião das matas e do saber popular'. Esse Encontro está propiciando a valorização da cultura popular e contribuindo para a afirmação da identidade cultural brasileira e camponesa.

Nele a cultura popular enquanto elemento de formação dialoga com a educação, a saúde e o meio ambiente, a partir do elemento Saci, guardião das matas, conhecedor das plantas medicinais e seus usos, e um ser brincante.

O evento tem caráter formativo e de celebração. O seminário reflete sobre as bases da formação da cultura brasileira, valorizando o saber popular. Essa análise está sendo ampliada para as relações da cultura popular com a educação, a partir de uma reflexão sobre a cultura da criança e do brincar, além das temáticas ambiental e de saúde.

O Encontro com o Saci tem brincadeiras, expressões artísticas, sarau, apresentações de grupos culturais, violeiros e cantadores.

Gue - Setor de Cultura MST - FONE: 16 3975-2343

Todas essas atividades ocorrem no Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara
– Sítio Pau D’alho (Rod. Alexandre Balbo – Km 328,5 – Anel Viário – Contorno Norte
Ribeirão Preto/SP)
Tel: (16) 3975-2343
E-mail: centrodeformacao@anca.org.br

PROGRAMAÇÃO - FESTA DO SACI:

Este encontro será uma celebração da cultura e do saber popular. Ocorrerá nos dias 24 e 25 de novembro com a participação de cerca de 3000 pessoas.

•24/novembro
10:00h – Mística de Abertura, Camponesa Rádio Poste, Cantinho das ervas medicinais e dos chás, Feira de Sementes;

Expressões de artes plásticas – exposição – Blanco Castro / Lucília e da Oficina de Bordando histórias

Brincadeiras: boi, cordas, pião, construção de brinquedos, cama de gato,(brincadeira de barbante), de elástico, bolinhas de gude(búrica, burca ou bolinha)durante todo o dia.

Encontro de Carrinhos
14:00h – Grupo de Teatro Etanóis
14:15h – Oficina de construção de barquinhos
16:00h – Encontro ao pé da figueira - dos sacis, bonecas e brinquedos produzidos
Cortejo para a lagoa
16:30h – Encontro de barquinhos de brinquedo na lagoa
17:00h – Saberes e sabores ao pé da figueira
Sarau: contação de 'causos', de histórias, cordel do saci e poesia;
Vários contadores de histórias das áreas de Reforma Agrária
18:00h – Jeziel Paiva - contador de histórias e rabequeiro
19:00h – Roda de violas e tambores: o Saci, a Viola e a Figueira com a presença de João Bá, Joaci Ornelas, Zeca Colares, Pereira da Viola, Wilson Dias, Hamilton Camargo, Minerin e outros.

•25/novembro
10:00h – Mística de Abertura, Camponesa Rádio Poste, Cantinho das ervas medicinais e dos chás, Feira de Sementes.

Expressões de artes plásticas – exposição – Blanco Castro / Lucília e da Oficina de Bordando histórias.

Brincadeiras: boi, cordas, pião, construção de brinquedos, cama de gato (brincadeira de barbante),de elástico,bolinhas de gude (búrica,burca ou bolinha) durante todo o dia;

Encontro de Carrinhos
10:30h – Intervenção teatral;
10:45h – Encontro de gerações com vivências e trocas de saberes entre idosos, adultos, jovens e crianças com vivências de brincadeiras de roda, viola e tambores;
14:00h – Intervenção de palhaços;
14:15h – Vivências da cultura popular: brincadeiras de roda: ciranda, coco, etc.
14: 45h – Roda de Poema com tambor: Carlos Assumpção - Franca (a confirmar)
15:15h – Contação de causos, histórias;
16:00h – Encerramento
Cantoria coletiva: João Bá, Joaci Ornelas, Zeca Colares, Pereira da Viola, Dito Rodrigues, Wilson Dias, Fernando Guimarães, Hamilton Camargo, Minerin e outros.

22.11.07

Por que as cantoras se tornaram as grandes estrelas da MPB?

Há mais de 30 anos, as cantoras têm ocupado posição de destaque na canção brasileira. O que teria acontecido com os cantores? O músico e ensaísta Luiz Tatit analisa esse fenômeno numa das passagens do Todos Entoam, que acaba de ser lançado pela Publifolha.

Livro aborda a música no Brasil De acordo com o autor, "as cantoras, que brotam sem cessar de todo canto do país, encarregam-se de aproximar as tendências e de estabelecer uma coerência panorâmica de todos estilos presentes na canção brasileira". Em Todos Entoam, além da participação feminina na música, Tatit fala de suas lembranças, comenta e divide suas reflexões teóricas sobre músicas, cantores e compositores.

Leia abaixo texto em que o músico e ensaísta especula por que as cantoras se tornaram as grandes estrelas da música brasileira.

Rita Lee e a era das cantoras na canção popular
Por Luiz Tatit

Vivemos no Brasil o auge da era das cantoras e, gradativamente, vem ampliando também o número de cantoras compositoras. De fato, um curioso fenômeno tem caracterizado nossa tão rica e festejada canção brasileira: há mais de 30 anos praticamente só surgem cantoras, que dividem com os compositores-cantores a linha de frente do estrelato nacional; há muito tempo não assistimos ao lançamento bem-sucedido de um intérprete masculino que não apresente simultaneamente as credenciais de autor musical.

Claro que essas afirmações precisam ser devidamente matizadas. Surgem duplas sertanejas, crooners de banda e mesmo cantores restritos a uma faixa de consumo menos exigente, mas nada que se assemelhe ao surgimento de artistas como Francisco Alves, Mário Reis, Orlando Silva ou João Gilberto, cuja produção erigiu a própria linguagem da canção brasileira. O bastão de João Gilberto foi entregue aos compositores que, interpretando as próprias canções, vêm fazendo da música brasileira um dos principais artigos de exportação.

Mas se cada um cuida basicamente de sua obra, as cantoras, que brotam sem cessar de todo canto do país, encarregam-se de aproximar as tendências e de estabelecer uma coerência panorâmica de todos estilos presentes na canção brasileira. São elas as profissionais do canto que encomendam composições aos autores, escolhem repertório concentrado ou diversificado, transitam pelos gêneros e exibem seus dotes vocais ou interpretativos.

Palco das grandes mudanças do século 20, a década de 1960 também testemunhou a atuação crepuscular dos cantores stricto sensu e o nascimento da era dos compositores-intérpretes e das vozes femininas. Realmente, foi na TV Record de São Paulo que nomes como Jair Rodrigues, Agnaldo Rayol, Wilson Simonal e quase toda a turma de intérpretes da jovem guarda (Ronnie Von, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso etc.), que não deve ser confundida com os compositores Erasmo e Roberto Carlos, viveram sua última fase de grande sucesso.

O espaço desses cantores começava a ser ocupado por compositores-intérpretes como Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor etc. E para estabelecer elos entre esses estilos havia as cantoras, que apenas iniciavam uma carreira, cuja fecundidade pôde ser avaliada nas décadas seguintes: Elis Regina, Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa e Rita Lee. Esta última com particularidades que comentaremos adiante.

O que teria acontecido aos cantores, que sempre figuraram como verdadeiros proprietários do cancioneiro popular pré-bossa nova? E por que essa "crise" atingiu apenas o universo musical masculino?

A primeira resposta - superficial, mas necessária para situar o problema - deve esclarecer que não se tratava, evidentemente, de uma ineficácia repentina da interpretação daqueles cantores que protagonizaram momentos extraordinários da canção dos anos 60. Cada vez mais, porém, os autores se sentiam capacitados a conduzir a própria obra até a gravação e a apresentação ao público. Claro que essa decisão artística vinha acompanhada por uma recompensa financeira nada desprezível numa época em que os autores já pretendiam viver exclusivamente da música.

Lembremos ainda que essa crise só poderia mesmo atingir o universo masculino, uma vez que as mulheres, à época, praticamente não compunham. Só esse fato já baixava consideravelmente o grau de concorrência no mercado dos intérpretes. Se o autor precisasse de uma voz e de uma execução totalmente distintas das suas, propendia naturalmente para o canto feminino.

O início desse avanço dos compositores no terreno dos intérpretes pode ser localizado nos anos 1966 e 1967, por ocasião dos famosos festivais de música promovidos pela TV Record. A apresentação de "A Banda", composição que lançou Chico para o grande público, já deixava claro que havia uma extrema hesitação por parte dos organizadores do evento: o êxito da marcha dependeria mais da intervenção direta do compositor ou do desempenho de uma intérprete consagrada?

Não conseguindo solucionar o dilema, os promotores escalaram Chico Buarque (o compositor) e Nara Leão (a intérprete) para uma dupla execução da mesma música, a primeira mais intimista, só ao violão, e a segunda (pouco) mais expansiva com o acompanhamento de uma pequena fanfarra, tudo como se a voz do compositor ainda não fosse suficiente para sustentar a própria canção e, por outro lado, somente a voz da cantora já não fosse mais suficiente para caracterizar o trabalho integral do autor.

A canção "Disparada", que fora programada apenas com o intérprete Jair Rodrigues, e que dividiu com "A Banda" o prêmio máximo do festival, encontrou ainda novo fôlego quando recebeu a interpretação envolvida de um de seus autores, Geraldo Vandré, que passou então a repartir com Jair Rodrigues a glória obtida pelo trabalho.

Essa fase de transição ainda permaneceria no festival do ano seguinte, quando Edu Lobo, compositor da vitoriosa "Ponteio", defendeu sua canção ao lado de Marília Medalha (a cantora), em vozes uníssonas, como se um precisasse compensar eventais insuficiências do outro. Em terceiro lugar, mais uma vez, Chico Buarque compareceu como compositor de "Roda Viva" para interpretar sua obra escorado pelos cantores do MPB4. Nesse mesmo festival, Gilberto Gil (com "Domingo no Parque") e Caetano Veloso (com "Alegria Alegria"), segundo e quarto lugares respectivamente, já haviam assumido em definitivo a condição de compositores-cantores, abrindo a rota que todos seguiriam mais tarde.

Dos anos 70 em diante, ao lado de novos compositores-intérpretes, como Moraes Moreira, Ivan Lins, Gonzaguinha, João Bosco, Fagner, Alceu Valença, Djavan etc., surgiriam cantoras de grande sucesso, como Simone, Joana, Beth Carvalho, Clara Nunes, Elba Ramalho, Zizi Possi, Fafá de Belém e Baby do Brasil; pouco depois, essa tendência viria a se consolidar com a aparição de Marina Lima, Marisa Monte, Tetê Espíndola, Leila Pinheiro, Paula Toller, Ná Ozzetti, Vânia Bastos, Adriana Calcanhotto, Daniela Mercury, Cássia Eller, Zélia Duncan e teríamos que nos satisfazer com um inventário permanentemente aberto para acompanharmos a velocidade dos lançamentos de vozes femininas. Tudo isso sem contar que o mercado comporta uma impressionante convivência de veteranas com estreantes, todas abocanhando uma boa fatia do sucesso da música popular.

Fonte: Folha Online

15.11.07

Infantil

O menino ia no mato
E a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino
E ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: mas se a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando meu corpo
E eu desviei depressa.
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.
Manoel de Barros

13.11.07

Periferia moderna

''A periferia, apesar da dura realidade e abandono dos governantes em geral, está dominada pela poesia'', afirma Sérgio Vaz em artigo para o Programa de Democratização Cultural da Votorantim. Exemplo disso é o sarau da Cooperifa, realizado semanalmente num boteco da periferia de São Paulo. Mas a periferia quer mais - e realizou de 4 a 10 de novembro sua própria Semana de Arte Moderna. Leia o artigo de Sérgio Vaz.

A periferia, apesar da dura realidade e abandono dos governantes em geral, está dominada pela poesia. Prova disso são os saraus que não param de acontecer nas quebradas de São Paulo. E por conta da poesia e dessa literatura que se alastra pelas ruas, as pessoas mais simples têm se interessado um pouco mais em ter uma vida cultural.

Um clássico exemplo é o sarau da Cooperifa, que na ausência de teatros, bibliotecas, livrarias, cinemas, museus e raríssimos espaços para acesso à cultura e arte, transformou um boteco da periferia da maior cidade do país em centro cultural.

No bar, há seis anos, todas às quartas-feiras, uma média de 200 pessoas - com picos de até 400 - reúnem-se para ouvir e falar poesia. O sarau é freqüentado por toda comunidade e gente de várias quebradas, inclusive do centro. Os saraus que acontecem na periferia têm se transformado num grande quilombo cultural. Muitos até os denominam de o movimento dos sem-palco.

O sarau da Cooperifa é freqüentado por poetas, motoristas de táxi, donas-de-casa, desempregados, professores, crianças, jovens, idosos, jornalistas, mecânicos, motoboys, advogados, estudantes, etc. E muitos deles tinham apenas a televisão como referência cultural. Toda essa gente que nunca havia tocado num livro ou sequer ouvido uma poesia, foi seduzida ali, na porta do bar, pela literatura. Não é de embriagar?

E o que é melhor é que boa parte desse povo lindo e inteligente, hoje, já segura seu próprio livro editado nas mãos. A maioria tem seus escritos registrados em CDs e antologias que se alastram pelos becos e vielas da grande metrópole paulistana. Sem contar que, por meio da oralidade, muita gente tem se transformado em intérprete de poesias de autores consagrados. O livro, sempre tratado como o pão do privilégio, chegou na periferia através da palavra. Literalmente no boca-a-boca.

Lógico que não se trata de uma literatura melhor que a produzida pelos acadêmicos, mas também não é menos importante. Muitos deles nos acusam de assassinar a gramática e seqüestrar a crase, por isso, é comum ver jovens poetas e escritores sendo enquadrados pelas canetas nervosas dos intelectuais como suspeitos de abusar da palavra alheia.

Mas esconder e negar a educação durante 500 anos, também não é crime? Menos vírgulas, mais acentos, mas ainda assim literatura. O difícil foi acordar.

Aprender é um verbo que se conjuga em grupo.

Falando em aprendizado, nesses seis anos de atividades do sarau da Cooperifa, mais de 30 autores lançaram seus livros. Grupos de teatros como Manicômicos, Ação e Arte, Cavalo de Pau, Irmãos Carozzi, entre outros, encenaram ali, no chão duro, as suas peças.

Pessoas com mais de 50 anos que nunca haviam ido a um teatro, assistiram, tomando rabo de galo, a sua primeira peça. Vários documentários produzidos por jovens da região e de cineastas consagrados são freqüentemente exibidos. Exposições de fotos e artes plásticas, lançamentos de discos e DVDs, tudo o que é produzido pela periferia, está sendo consumido por ela.

Hoje na periferia paulistana, por onde quer que você olhe tem alguma coisa acontecendo, e para todos os gostos: Panelafro na Casa de Cultura do M'boi Mirim, Cine becos e vielas, sarau do Binho, Favela toma conta, Quilombagem, Arte na periferia, Samba da vela, Poesia das ruas, Saraus nas escolas, Saraus no acampamento João Cândido (MTST), Biblioteca nas favelas, Um da sul, o rap, o reggae, etc. A gente no centro tinha de tudo e nem se dava conta. Estamos vivendo a nossa Primavera de Praga.

Baseado neste momento de luz, a Cooperifa e um grupo de artistas propõe, 85 anos depois, uma nova Semana de Artes, só que agora oriunda da periferia. Uma nova história, escrita e contada por quem realmente vive por ela e para ela. Uma nova versão da Semana, contada não de fora para dentro, mas de dentro para fora. Construída com as mesmas mãos calejadas que construíram a cidade de São Paulo. Uma Semana Cultural criada e produzida com o mesmo suor desse povo que tanto luta por um Brasil melhor.

Inspirada na Semana de Arte Moderna de 22, a Cooperifa propõe sacudir o marasmo cultural que se instalou no país. Uma Semana inteira de artes para que a bússola do país, que aponta para o centro, também aponte para a periferia.

A idéia da Semana não é somente propor um outro tipo de linguagem, mas também um outro tipo de artista. Um artista mais humano e solidário e uma arte que preze pela estética, mas que também ofereça conteúdo.

Um artista formado pelo caráter da sua obra, não forjado em pranchetas de publicitários, em que a mesma música lançada nas rádios pela manhã é a que vende xampu, carro, miojo e cerveja no final da tarde. E de quebra, serve de jingle para campanhas políticas.

A Cooperifa, ao produzir a Semana, deseja estimular o interesse pela leitura, a criação poética, o gosto pelo teatro e pelo cinema e aliar-se à escola e universidade para que a cultura seja um elemento primordial para a construção de seres humanos melhores e mais conscientes.

Moderno por aqui tem sido ousar e encarar novos desafios. E o medo ficou no período Barroco.

Sérgio Vaz
(Poeta, fundador da Cooperifa (Cooperação Cultural da Periferia) e idealizador da Semana de Arte Moderna da Periferia)

Fonte: Programa de Democratização Cultural da Votorantim

12.11.07

Sergio Vaz: Manifesto da Antropofagia Periférica

A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.

A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula.

Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção.
Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer.
Da poesia periférica que brota na porta do bar.
Do teatro que não vem do “ter ou não ter...”.
Do cinema real que transmite ilusão.
Das Artes Plásticas, que, de concreto, quer substituir os barracos de madeiras.
Da Dança que desafoga no lago dos cisnes.
Da Música que não embala os adormecidos.
Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.

A Periferia unida, no centro de todas as coisas.

Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala.

Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.

É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades.

Um artista a serviço da comunidade, do país. Que armado da verdade, por si só exercita a revolução.

Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona.

Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural.

Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.
Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”.

Contra os carrascos e as vítimas do sistema.

Contra os covardes e eruditos de aquário.

Contra o artista serviçal escravo da vaidade.

ontra os vampiros das verbas públicas e arte privada.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.

É TUDO NOSSO!

Programa do governo pretende revolucionar a cultura no país

Meus compadres e comadres: leiam artigo de Gilberto Gil e Juca Ferreira sobre o programa Mais Cultura, lançado dia 4 de outubro em Brasília, que revolucionará a cultura no país. Pensado a partir de uma ampla pesquisa do Ministério da Cultura (MinC) em parceiria com o IBGE - que apontou, entre outros dados, que tanto ricos, quanto pobres, gastam 4% do seu orçamento com cultura - o programa investirá R$ 4,8 bilhões na área até 2010. Serão criados 20 mil Pontos de Cultura e nove milhões de livros serão distribuídos a preços populares. Outra meta é a construção de bibliotecas em todas as cidades do Brasil. As fotos ao lado são cenas do lançamento do Mais Cultura para mais brasileiros.

Por Gilberto Gil e Juca Ferreira*

Nesta semana, comemoramos o Dia Nacional da Cultura. Momento de celebrarmos a força e a riqueza de nossa cultura brasileira, mas também momento de olharmos para as dificuldades que enfrentam hoje os brasileiros para produzir, difundir e acessar o conjunto das manifestações culturais do país e do mundo.

Há cerca de um mês, o presidente Lula lançou o programa Mais Cultura, que tem mobilizado esforços não só do Ministério da Cultura mas também de todo o conjunto do governo federal, além dos diversos Estados e municípios brasileiros, para garantir mais acesso e mais condições para que a diversidade cultural brasileira possa se manifestar em sua plenitude.

Programa sem precedentes na história do país, não só pela abrangência e pelo envolvimento nacional das diversas esferas de governo e da sociedade mas também porque coloca a cultura em um novo patamar, como prioridade para o desenvolvimento brasileiro.

O Mais Cultura baseia-se num amplo diagnóstico produzido pelo ministério em parceria com o IBGE. O estudo mostra que 87% dos brasileiros nunca foram ao cinema, 92% nunca foram aos museus, 78% nunca assistiram a espetáculos de dança. Os dados também mostram que a população de baixa renda sacrifica cerca de 4% de seus orçamentos mensais para a cultura, o mesmo percentual destinado pelos mais ricos. Por que chegamos a essa situação?

Em parte porque, no passado, governos desinformados não reconheceram a cultura como agenda estratégica. Em parte porque o conceito de política cultural freqüentemente se restringia a uma política de investimentos em demandas artísticas, sem considerar as várias outras manifestações e dimensões que fazem parte da cultura.

Para enfrentar essa realidade, o programa Mais Cultura ataca três dimensões. A primeira é a garantia do acesso. Aos serviços culturais, à produção cultural brasileira e às condições para a livre manifestação. A segunda é trabalhar para que as atividades culturais possam contribuir para melhorar o ambiente social do país, a qualidade de vida do brasileiro. Já a terceira dimensão trata da economia da cultura, que hoje é o setor que mais gera emprego e renda no mundo.

Balanço e desafios

No primeiro mandato, criamos centenas de Pontos de Cultura e museus comunitários e lutamos pela desconcentração regional do financiamento cultural. Invertemos a lógica do Estado tutelar e provedor e sua pretensão de ''levar cultura'' aos mais pobres e apostamos no envolvimento direto dos grupos culturais no que diz respeito aos seus projetos, seus destinos e seus modos de vida.

Agora estamos articulando no governo federal um modelo de gestão eficiente e integrado, descentralizado, acompanhado diretamente por órgãos de controle, como a Controladoria Geral da União. Com o apoio de uma rede de parceiros públicos, privados e da sociedade civil, serão investidos 4,8 bilhões de reais em cultura até 2010.

Chegaremos a todo o território nacional, principalmente às áreas e comunidades expostas à violência e fragilizadas em termos sociais, econômicos e educacionais.

Criaremos e modernizaremos centenas de bibliotecas e equipamentos culturais, de forma que não faltará biblioteca em nenhum município do país. Serão implementados 20 mil Pontos de Cultura, hoje são 650, que funcionam como núcleos vivos da cultura brasileira. Por meio deles, por exemplo, comunidades indígenas passaram a ter condições de gravar seus CDs e vídeos. Ampliaremos o programa com ações de preservação da memória das comunidades, brinquedotecas para as crianças, cineclubes para aumentar o acesso dos brasileiros à produção cinematográfica, além de diversas outras intervenções.

Finaciamento

Em parceria com os bancos oficiais, já começam a funcionar as linhas de financiamento para as micro, pequenas e médias empresas do setor cultural, além de operações de microcrédito. O Mais Cultura também apoiará a produção de programas de qualidade para a nova televisão pública. Nove milhões de livros a preços populares serão editados e distribuídos.

Implantaremos também o Vale Cultura, que funcionará como o ticket refeição, mas voltado para o acesso a espetáculos e a compra de livros e CDs, por exemplo.

Convido vocês a participar dessa empreitada para fazermos valer o Mais Cultura: nos procurem, se informem, cobrem de seus representantes. Acompanhem o que estamos fazendo e façam da nossa casa, o Ministério da Cultura do Brasil, a sua própria casa.

* Gilberto Passos Gil Moreira, o Gilberto Gil, 65, músico, é o ministro da Cultura. João Luiz Silva Ferreira, o Juca Ferreira, sociólogo, é secretário-executivo do Ministério da Cultura.

** Intertíulos do Vermelho.

5.11.07

Grande Sertão "antenasal de mim a palmo"

Guimarães Rosa (1908-1967) é, por consenso, o maior escritor brasileiro de ficção da segunda metade do século 20. Um panorama da vida e da obra do autor de "Sagarana" é desvendado em "Guimarães Rosa", volume da coleção "Folha Explica", da Publifolha.

Na obra, assinada por Walnice Nogueira Galvão, professora livre-docente de literatura na USP, o leitor descobre e entende por que "Grande Sertão - Veredas" é considerado o principal romance do escritor, livro que transporta nossa língua para um plano de invenção nunca antes alcançado.

Juntamente com "Sagarana" e "Corpo de Baile", "Grande Sertão - Veredas" é uma das obras que definem o povo brasileiro e ensinam a pensar o país por outro viés, explica Walnice Nogueira.

Completa o livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que "Grande Sertão" suscitou.

Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.


Quando Guimarães Rosa publicou seu primeiro livro, Sagarana, em 1946, duas vertentes assinalavam o panorama da ficção brasileira: o regionalismo e a reação espiritualista.

Sua obra vai representar uma síntese feliz das duas vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os interiores do país, pondo em cena personagens plebéias e 'típicas', a exemplo dos jagunços sertanejos. Leva a sério a função da literatura como documento, ao ponto de reproduzir a linguagem característica daquelas paragens. Porém, como os autores da reação espiritualista, descortinando largo sopro metafísico, costeando o sobrenatural, em demanda da transcendência.

No que superou a ambas, distanciando-se, foi no apuro formal, no caráter experimentalista da linguagem, na erudição poliglótica, no trato com a literatura universal de seu tempo, de que nenhuma das vertentes dispunha, ou a que não atribuíam importância. E no fato de escrever prosa como quem escreve poesia - ou seja, palavra por palavra, ou até fonema por fonema.

Nesse sentido, Guimarães Rosa é único na literatura brasileira: foi em sua pena que nossa língua literária alcançou seu mais alto patamar. Nunca antes, nem depois, a língua foi desenvolvida assim em todas as suas virtualidades. A tal ponto que, na formulação de um de seus primeiros e melhores críticos, Cavalcanti Proença, ele chega a se confundir com a língua, colocando-se em seu ponto inaugural e, a exemplo dela, criando incessantemente.

Assim, por exemplo, toma a liberdade de trocar um sufixo por outro (prefere "abominoso" a abominável). Ou deriva um adjetivo, até então inexistente, de um substantivo; ou o contrário. Ou ainda inventa um verbo, a partir da enumeração das vogais ("o vento aeiouava"). Ou cunha um nome próprio, juntando o pronome de primeira pessoa em várias línguas --que, pronunciados à brasileira, se tornam irreconhecíveis-- para batizar a personagem Moimeichego (moi, me, ich, ego). E assim por diante. O escritor está reproduzindo os processos de criação da própria língua.

Dedicou-se incansavelmente a atacar o lugar-comum, que jamais utilizava, a menos que fosse para criar um análogo, antes escrevendo 'antenasal de mim a palmo' que 'a um palmo diante do nariz'. Esse propósito de inovação lingüística manifesta-se a todo momento em sua obra; e ele também se pronunciou a respeito em entrevistas e declarações.

Outra razão pela qual a leitura de Guimarães Rosa é uma experiência imperativa reside em sua capacidade de fabulação. Raramente houve na literatura brasileira um autor tão prolífico em diferentes enredos, com suma capacidade de inventar tramas e personagens.

Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu, o escritor como que dignifica o sertanejo pobre, mostrando como o mais papudo dos catrumanos dos cafundós pode aspirar à transcendência e se entregar a especulações metafísicas, sem precisar sequer saber ler.

Este livro tem por objetivo apresentar a obra do escritor, examinando-a de diferentes perspectivas. Um primeiro capítulo cuida de determinar o lugar que ocupa na literatura brasileira, mostrando como sua originalidade o torna incomparável, embora tenha precursores.

O Capítulo 2 se concentra em esmiuçar o mais importante de seus livros e único romance, Grande Sertão: Veredas (1956), assumindo que todos os grandes achados de sua ficção se encontram ali sintetizados. O terceiro capítulo é dedicado ao restante da obra de Guimarães Rosa, analisando desde Sagarana (1946), passando por Corpo de Baile (1954), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia - Terceiras Estórias (1967), até seus dois livros póstumos, Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970). O capítulo seguinte fornece os traços biográficos do escritor. E a Conclusão faz um balanço de seu papel em nossa cultura.

Completa este livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que essa obra suscitou.

"Guimarães Rosa"
Autor: Walnice Nogueira Galvão
Editora: Publifolha
Páginas: 80
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

3.11.07

De Tião Carreiro a Lennon

Em seu novo CD, Ivan Vilela grava releituras e busca novos sons para a viola

Para o violeiro Ivan Vilela, mineiro de Itajubá, o conceito de dupla é algo bem amplo. Vai de Tião Carreiro e Lourival dos Santos a John Lennon e Paul McCartney, passando por Edu Lobo e Capinam. Esses são apenas alguns dos autores que ele contempla no seu novo disco, Dez cordas, no qual mostra talento para fazer releituras.

“Quando gravei o autoral Paisagens, estava praticando viola para descobrir como usá-la. Agora resolvi fazer arranjos. Esse disco é importante porque registra essa fase, documentando a técnica que o Renato Andrade esboçou e para a qual dei implicações rítmicas e melódicas. Não toco as cordas da viola em cinco duplas, toco as 10 separadamente. Parece que estou tocando dois instrumentos”, explica.

No repertório, Valsinha (Vinicius de Moraes e Chico Buarque), Eleanor Rigby (John Lennon e Paul McCartney), Chora viola (Tião Carreiro e Lourival dos Santos), Nascente (Flávio Venturini e Murilo Antunes), Ponteio (Edu Lobo e Capinam) e While My Guitar Gently Weeps (George Harrison).

O que todas essas canções têm em comum? “Além de serem tocadas com a minha técnica, a amarração se dá com o meu jeito de fazer arranjo. A harmonia é feita com tonalismo e modalismo. Assim, há momentos em que a música toma rumo inesperado. Acho que é influência do Clube da Esquina, que pesquiso há anos. Além disso, gosto de criar espaços para o silêncio”, responde Ivan Vilela.

Por Eduardo Tristão Girão

Dia do Saci reafirma a cultura brasileira, diz sociólogo

Já faz alguns anos que artistas, educadores, políticos e parcela da sociedade se mobilizam pela comemoração, em 31 de outubro, do Dia do Saci. A idéia é de se homenagear o personagem do folclore nacional mais conhecido e descrito na literatura no mesmo dia em que, nos Estados Unidos, se comemora o Dia das Bruxas, ou o Raloin, na grafia dos saciólogos.

Algumas cidades brasileiras, como São Paulo, já aprovaram leis que institui a data como Dia do Saci e pela preservação da cultura nacional. Mas o projeto que institui a data em âmbito nacional ainda aguarda aprovação no Congresso Nacional. Dois projetos de lei - do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e da ex- deputada Angela Guadagnin (PT-SP) - se fundiram e foram apresentados à Comissão de Educação e Cultura, que aprovou a medida. Falta a matéria ir a plenário.

Em entrevista à Fórum, Mouzar Benedito, membro da Sociedade dos Observadores do Saci (Sosaci), entidade fundada em 2003, lembra que já faz alguns anos que, no dia 31, o povo brasileiro está comemorando o Raloim, "uma festa imperialista, deformadora do caráter das crianças". Segundo ele, "precisamos nos contrapor a isso. O mais importante é legitimarmos a discussão da mitologia brasileira como resistência à invasão cultural.".

"Nós da Sosaci acreditamos que o dia 31 deve ser o Dia do Saci e seus amigos, justamente pela importância de valorizamos a cultura brasileira. Somente escolhemos o Saci para representar, pois ele é o mito brasileiro mais conhecido no país, além de representar à síntese dos três grandes povos que deram origem ao povo brasileira - o povo guarani, o povo africano e o povo europeu", diz Mouzar.

A seu ver, "o Saci representa muito bem o povo brasileiro, alegre e peralta". Mouzar também é autor do Anuário do Saci, uma agenda que vale por três anos e traz o "lado B da" história do Brasil.

11.10.07

Todos nessa Travessia!

Meus compadres e comadres.

Gostaria de lembrá-los que agora, no próximo dia 20, às 20 horas, no Teatro Sesiminas, em Uberaba, estarei apresentando meu trabalho de cultura popular com rabeca, muitos causos, poesias caboclas e cordel, num evento promovido pela ACUAS em parceria com o SESI-FIEMG.

Nessa noite estarei acompanhado da minha confraria borôra (termo relacionado aos bororos, primeiros habitantes da região de Uberaba)*, mano véio Domingão, Tõem Divito, e mais o ACUAS-Quinteto que mostrará sua cara pela primeira vez. Tem também dois convidados: o percussionista pernambucano Carlos Tampa e o compositor Marcelo Tainara. Vai ser um showzaço. Não percam!

Inda tem mais uma coisinha: estamos precisando da ajuda valiosa dos compadres e comadres para ajudar a divulgar o evento e vender ingressos. Como todos sabem, nossos eventos estão acontecendo ainda sem patrocínios e estamos cobrindo nossas despesas com as bilheterias. Quem puder também compôr nossa equipe de divulgação e venda de ingressos é só ligar no telefone 3076 1477 e combinar com a Maristela.

Um beijão prá todo mundo.

Inté.

*Professor Edelwais Teixeira, historiador e folclorista, nos dizia que a pronúncia correta do nome dos índios que viviam na região de Uberaba é "borôros" e não "bororós" como a gente, equivocadamente, sempre diz.

10.10.07

Samba carioca é declarado Patrimônio Cultural do Brasil

O mais recente Patrimônio Cultural do Brasil está no pé do sambista, na mão do pandeirista, no som do cavaco, em cima dos morros, na Marquês de Sapucaí. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) registrou oficialmente as matrizes do samba do Rio de Janeiro (samba de terreiro, partido-alto e samba-enredo) no Livro de Registro das Formas de Expressão, nesta terça-feira (9).

O pedido de registro foi feito pelo Centro Cultural Cartola, com apoio da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). Nilcemar Nogueira, presidente do centro e neta do compositor Agenor Ferreira, o Cartola, fez o pedido, pois temia o enfraquecimento das matrizes do samba do Rio. "Meu avô foi um dos pioneiros da popularização dessa forma de samba, no final da década de 20. Quero proteger seu legado cultural", alega.

A pesquisa que levou ao registro, feita pelo Centro Cultural Cartola com orientação do Iphan, reúne um conjunto de referências históricas: monografias, teses, livros, vídeos, reportagens, discografia da época e o testemunho de sambistas da velha guarda, como Monarco, Xangô da Mangueira, Nelson Sargento. Desde as reuniões em casa de Tia Ciata, no início do século 20, a pesquisa identifica o samba nos blocos, nos morros, nas ruas e quintais. O estudo mapeou as seis escolas de samba mais antigas do Rio: Mangueira, Portela, Salgueiro, Vila Isabel, Império Serrano, Estácio de Sá.

A partir do material pesquisado, o Iphan produziu um vídeo-documentário e um dossiê de pesquisa. Ambos estão disponíveis no site www.iphan.gov.br.

Matrizes do samba

O samba de terreiro faz referência aos espaços de encontro e celebração dos sambistas, que ali dançam um samba livre com as marcas de sua ancestralidade. Nos terreiros, pátios das escolas de samba, cantam as experiências da vida, o amor, as lutas, as festas, a natureza e a exaltação das escolas e da própria música.

Já o partido-alto é marcado pelos versos de improviso. Nasceu das rodas de batucada, onde o grupo marca o compasso, batendo com a palma da mão e repetindo o refrão e inventando estrofes segundo um tema proposto. É o refrão que serve de estímulo para que um participante vá ao centro da roda sambar e com um gesto ou ginga de corpo convide outro componente da roda.

Com a criação das primeiras escolas de samba, no final da década de 1920, o samba se adaptou às necessidades do desfile. Criou-se uma nova estética e uma nova modalidade: o samba-enredo. O compositor elabora seus versos com base no tema (enredo) a ser apresentado pela escola, descrevendo uma história, de maneira melódica e poética. De sua animação e cadência depende todo o conjunto da agremiação, tanto em termos de evolução como de envolvimento harmônico.

Salvaguarda

A preservação da tradição do samba no Rio de Janeiro foi pensada de forma a retomar a prática espontânea, de improviso, sem limitar a transmissão do saber às aulas das escolas de samba. Com a espetacularização do samba-enredo, diminuíram-se os espaços para se praticar as formas mais tradicionais do samba - partido-alto e o samba de terreiro. Houve redução da quantidade de solistas de instrumentos como o pandeiro e a cuíca, e diminuição no número de partideiros, os improvisadores.

Por isso, o Iphan recomenda a criação de um plano de salvaguarda que incentive, apóie e promova ações de valorização das formas originais do samba no Rio de Janeiro. Esse plano requer a articulação das comunidades de sambistas, inclusive da velha-guarda, principais detentores da tradição e dos saberes.

Entre as ações preliminares, sugeridas a partir da demanda dos próprios sambistas, está o incentivo à pesquisa histórica e à produção de biografias. Ao mesmo tempo, promover a encontros de mestres partideiros e versadores, nas próprias comunidades originais dos sambistas, com a presença dos mais jovens. O registro em áudio e vídeo desses encontros ajudaria a difundi-los e revitalizá-los.

Integração

O samba do Rio de Janeiro contribui para a integração social das camadas mais pobres. Tornou-se um meio de expressão de anseios pessoais e sociais, um elemento fundamental da identidade nacional e uma ferramenta de coesão, ajudando a derrubar barreiras e eliminar preconceitos. Incentivar a prática do samba é também uma maneira de minimizar as diferenças sociais.

A identificação e o reconhecimento das formas de samba brasileiras é uma das diretrizes do Iphan, que se insere na proposta da atual gestão do Ministério da Cultura, de construção de um mapa cultural do Brasil. Entre os 11 bens reconhecidos como patrimônios imateriais brasileiros, se destacam algumas das várias formas de samba dançadas no território nacional. Já receberam o título: o samba de roda no Recôncavo Baiano, o tambor de crioula no Maranhão e o jongo no Sudeste.

Ministério da Cultura

28.9.07

Meus compadres e comadres.
Mais uma cariocada em cima do Galo. Lembram de 1981 quando o Zé Roberto White expulsou quase que o time inteiro do Atlético, contra o Flamengo, no Serra Dourada, em Goiânia? O campo era neutro, mas o juiz não.

Agora, a punição imposta ao nosso Glorioso pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD beneficia novamente o Flamengo. Os dois clubes se enfrentam neste sábado e lutam contra o rebaixamento.

O Galo perdeu o mando de campo em uma partida, foi multado em R$ 10 mil, por causa de um par de chinelos arremessado ao gramado do Mineirão durante o clássico contra o Cruzeiro e Coelho foi suspenso por 120 dias pela entrada no meia Kerlon durante o jogo. Cabe recurso.

Quanto ao Coelho acho que deveria ser punido, mas quatro meses sem jogar foi exagero. Quanto ao malabarista jogador do Cruzeiro acho que ele está mais para picadeiro que prá campo de futebol.

O Ziza falou: “O Rio é sempre beneficiado. No caso específico nosso, o juiz que estava presidindo a sessão afirmou durante o julgamento que era flamenguista. E se comportou como tal. Ele deu o voto de Minerva contra a gente. Já no caso do Flamengo, ele deu a favor. Os fatos são absolutamente iguais e somente nós fomos punidos”, disse Ziza Valadares.

Ele está falando do julgamento do Flamengo no mesmo dia que o Atlético. Os cariocas foram absolvidos pelo STJD e escaparam de perder mando de campo e arcar com uma multa em função de objetos atirados no gramado do Maracanã durante o clássico com o Vasco.

Dodô do Botafogo foi perdoado de punição depois de ter sido flagrado em exame de anti-dopping.

Este ano na Copa do Brasil o juiz Simon tirou o Galo da competição para o mesmo Botafogo continuar. No finalzinho do jogo sofremos um pênalti e o cabra não marcou. Deu vantagem. Já viram vantagem em pênalti? Só quando sai o gol. Mas não foi o caso. Depois pediu desculpas. É fácil, né. Esse povo erra e pede desculpas com uma facilidade...!

Lembram ainda da decisão de 74 do Cruzeiro contra o Vasco? O jogo era no Mineirão e na hora "h" foi transferido para o Maracanã e lá o juiz Armando Marques se encarregou de dar o título ao Vasco?

Ainda tem o Zé de Assis Aragão que andou expulsando um monte de jogador do Galo em outras decisões contra o mesmo Flamengo.

Esse STJD não tinha que ter sede em Brasília? Porque é no Rio de Janeiro?

Pois é, minha gente. Quando não são os juizes dentro de campo são os juizes nas mesas dos tribunais prejudicando os times mineiros em favor dos clubes cariocas.

21.9.07

Hélio Siqueira


Meus compadres e comadres,
Dia 01 de outubro, às 19 horas, na Galeria do Centro Cultural José Maria Barra será a abertura da mostra de cerâmica do amigo e artista Hélio Siqueira denominada “Oratórios”.

"Hélio Siqueira é um artista que trabalha com múltiplas linguagens, começando pelo desenho, passando pela pintura, cerâmica, tecelagem, música, teatro, figurino e chegando à ação cultural, trabalho este que o artista realiza paralelo ao da criação individual.

A exposição ORATÓRIOS apresentada agora na Galeria de Arte do SESI de Uberaba, trás como inspiração, várias vertentes da arte mundial. O artista vai buscar seus temas na arte dos povos primitivos como: nos monolitos da Ilha de Páscoa, na cerâmica chipriota do Museu do Louvre “Madre y Nino”, na “Vênus de Willendorf”, nas esculturas de “Adelina Gomes” do Museu do Inconsciente e nos Oratórios da arte sacra mineira.

Sempre com algumas acrobacias irônicas em torno da desmistificação e uma pitada de erotismo, fator constante em suas cerâmicas, o artista comunga com a idéia de que a arte, ao contrário do que muitos pensam, deve ser inédita, imprevista e extremamente imaginativa."

O crítico mineiro Walter Sebastião escreve que: “Há uma força de algum modo alegórico nestas obras cujo mote, insistentemente, parece ser um momento após a percepção da forma por si, instante em que irrompe na matéria um algo mais, ‘imaterial’ e simbolicamente, capaz de contagiar todas as coisas, mesmo os objetos mais cotidianos e a natureza, tensionando a sua naturalidade, dando corpo a fantasmas individuais e coletivos, evocando um antes, primal, que foi suprimido.”

Exposição “ORATÓRIOS”
Centro Cultural José Maria Barra – SESI/Uberaba
Abertura: 01/10/2007, às 19h, na Galeria de Arte
Visitação de 02 à 30 de outubro de 2007
Praça Frei Eugênio, 231 – São Benedito
Tel.: (34) 3322-2021 ou 3322-2023

15.9.07

Concretismo: 50 anos de uma poesia genuinamente brasileira

A poesia concreta, movimento artístico genuinamente brasileiro, completou 50 anos do seu lançamento em dezembro de 2006, sem que houvesse grande repercussão na imprensa, a não ser em veículos especializados em literatura. E, assim mesmo, a divulgação ficou muito aquém do esperado, se levarmos em conta a importância que essa revolução poética teve (e tem) para a cultura nacional.

Na verdade, tudo começou em 1952, quando um grupo de poetas (notadamente os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari) se congregou para lançar uma nova revista: a Noigandres, palavra extraída de um poema de Ezra Pound, sem nenhum significado.

Ressalte-se que a expressão "arte concreta" é muito anterior a esse movimento. Foi usada, pela primeira vez, não na poesia, mas no campo das artes plásticas, por Theo Van Doesburg, em 1930, para caracterizar toda a arte que se tinha desvinculado por completo da mera imitação da natureza.

Ou seja, aquela de caráter não-figurativo. Quem trouxe esses princípios para o campo das letras foram, originalmente, os irmãos Campos e Décio Pignatari, aos quais logo vieram se juntar o carioca Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Waldimir Dias Pino.

Não tardou para que o movimento ganhasse novas adesões, entre as quais as de José Lino Grünewald, Reinaldo Jardim e do crítico Oliveira Bastos. Até Manuel Bandeira, na ocasião o decano do Modernismo no Brasil, chegou a realizar algumas experiências poéticas concretas. E foi além da mera experimentação. Em sua coluna diária de crônicas, publicada em vários jornais do País, o poeta pernambucano fez vários comentários favoráveis a essa renovadora tendência poética.

Elogios e críticas

Mas o marco oficial do novo movimento foi, mesmo, a Exposição Nacional de Arte Concreta, levada a efeito no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) em dezembro de 1956. Participaram dessa mostra histórica os artistas plásticos Geraldo Barros, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro, João S. Costa, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Maurício Nogueira Lima, Rubem M. Ludolf, César Oiticica, Hélio Oiticica, Luís Sacilotto, Décio Vieira, Alfredo Volpi, Alexandre Wollner, Lothar Charoux, Lygia Pape, Amílcar de Castro, Kasmer Fejer, Franz J. Weissmann e Ivan Serpa. E, claro, como convidados de honra, fizeram-se presentes os poetas Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Waldimir Dias Pino.

Foram expostos, naquela oportunidade, cartazes-poemas, ao lado de obras pictóricas e de esculturas. A mostra foi um sucesso, pelo menos de crítica. Agitou os meios artísticos paulistas e não tardou a ganhar repercussão nacional.

Claro que, junto a referências elogiosas aos trabalhos expostos, não faltaram críticas, que, aliás, todas as obras transgressoras de cânones vigentes, via de regra, produzem. As soluções gráficas dos cartazes (como padronização de tipos, diagramação etc.) foram sugeridas na ocasião pelo artista plástico e publicitário Hermelindo Fiaminghi, um dos expositores.

Contudo, o impacto maior da eclosão do movimento concreto não foi o causado pela mostra paulista. Ocorreu, de fato, quando a exposição foi levada ao Rio de Janeiro, dois meses depois, em fevereiro de 1957.

Muitos críticos consideram esta segunda data como a da gênese do concretismo poético no Brasil. Discordo. Mas devo admitir que só a partir dessa segunda mostra, montada no saguão do Ministério de Educação e Cultura da então Capital Federal, que a poesia concreta ganhou amplo espaço na imprensa, já que jornais e revistas, de grande circulação, deram cobertura ao evento.

Pela renovação

Tenho uma visão bastante particular sobre movimentos e escolas literários, que tentarei expor de forma bastante sucinta. A palavra "poesia", permitam-me lembrar, vem do grego "poesis". Trata-se de substantivo derivado do verbo "poieô", que indica a ação de fazer. "Poieô" tem, também, estes significados: fabricar, confeccionar, fazer por si, fazer de acordo com seu gosto, criar por si, fazer a si mesmo e apreciar, julgar.

Por derivação, "poietis" é o sujeito realizador dessas ações. Ou seja, é o autor, criador, inventor, fabricante, artesão. Sua realização é a "poiesis" e o "poiema", a obra, os atos de criação do espírito, a invenção. O poeta, portanto, é um criador. Cria novos seres a partir dos que já existem. Ou seja, lhes dá novas significações e expressões. Daí fazer-se, com assiduidade, uma analogia (bastante válida) entre a poesia e a criação divina.

Para mim, não importa a forma com que um poema é produzido. O que conta é a criatividade, a originalidade e o bom-gosto da obra. No meu processo de criação poética, tanto lanço mão de princípios do parnasianismo, ou do simbolismo, ou de formas muito mais antigas, quanto (quando julgo ser a melhor maneira de expressar o que quero) de cânones da poesia concreta. Tanto recorro, por exemplo, ao soneto, com métrica, rima e ritmo, quanto a versos brancos, dependendo do quê e de como desejo me expressar.

É certo que movimentos como o concretismo contribuem para renovar a arte de compor. Faço uma analogia com a água. Se esta for corrente, tende sempre a se renovar, a se purificar, a ser potável. Se ficar estagnada, contudo, em pouco tempo se torna doentia, poluída, insalubre, não-utilizável para consumo.

Esses movimentos renovadores fornecem, ao artista, alternativas, que são sempre válidas, desde que utilizadas com perícia, com talento e com bom-gosto. Mas não me sinto antiquado e nem considero o poema como inferior se recorrer às regras do parnasianismo, por exemplo. Não se trata de preconceito da minha parte contra o que lembre vanguarda, já que em arte, idéias preconcebidas, dogmas e regras rígidas somente tendem a engessar a criatividade.

"Contra a infuncionalidade"

Tanto não sou avesso à poesia concreta (como chegaram a me acusar), que em inúmeras ocasiões perpetrei poemas com essas características, como o que peço licença para expor, abaixo, composto em Campinas, em 30 de outubro de 1982:

Sol, som, só

Sol.
Som.
Só.

Soluço sombrio
solvendo sossego,
saindo sozinho
sem solução.

Sombras salientes,
severas, soturnas,
sangram, sicárias,
as suas saudades.

Sonhando,
sofrendo,
suando,
sabendo,
semeio
safiras,
seduzo
sereias,
saqueio
sampanas,
sibilo
sonetos,
sossego
sabendo,
sentindo
ser só.

Sol,
suor,
seiva...
Sons,
silvos,
sambas.
Saudades,
"soledades",
solidão...

Um dos criadores da poesia concreta, Augusto de Campos, explicou, em um artigo: "A revolta da poesia concreta não é contra a linguagem. É contra a infuncionalidade e a formalização da linguagem (...) não há razão para supor que os poetas concretos tenham criado uma nova linguagem, ou seja, que sua poesia escape por completo a qualquer categoria formal da linguagem. Se suas estruturas não coincidem com um determinado tipo de estrutura lingüística (a ocidental ou indo-européia, de modo geral) imposto pela tirania do hábito, isto não quer dizer que os poetas concretos não se sirvam de procedimentos conceituais e gramaticais universamente conhecidos".

Em suma, para mim, da forma que entendo essa importante vertente de expressão artística, não há poesia arcaica e nem de vanguarda. Ela não pode, não deve e nem é antiquada ou moderna. Nada proíbe (nem deve proibir) o poeta de lançar mão de que forma que for de expressão. Só há um, e único tipo de poesia: a que sensibiliza, que comunica, que transmite pensamentos, sentimentos e emoções. E esse, parodiando Carlos Drummond de Andrade, é, sobretudo, eterno.

Pedro J. Bondaczuk

Construtivismo no Brasil

Concretismo e Neoconcretismo

Haroldo de Campos

O Construtivismo brasileiro tem suas raízes na década de 1950. De fato, em 1949 se situam as primeiras atividades de artistas com Waldemar Cordeiro (pesquisas com linhas horizontais e verticais; criação do Art Club de São Paulo, dedicado ao experimentalismo), bem como as experimentos iniciais de Abraham Palatnick com a luz e a cor; de Mary Vieira com volumes; de Geraldo de Barros com "fotoformas". Como precursoras dessa tendência se poderiam citar, nos anos 20, as estruturas neocubistas de Tarcila do Amaral (1886-1973), animadas por um "colorismo" voluntariamente ingênuo, "caipira". Tarsila foi discípula, em Paris, de Lhote, Gleizes e Léger e, de volta ao Brasil, lançara a "pintura pau-brasil", da qual, posteriormente, desenvolveu-se a "pintura antropofágica". Casada com o poeta e romancista experimental Oswald de Andrade (1890-1954), a mais dinâmica figura do Modernismo de 22, com ele se empenhou nos homônimos movimentos de vanguarda, anunciados por memoráveis manifestos oswaldianos. Outro pioneiro foi Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), ativo em Paris e no Brasil, influenciado, em suas figurações geométricas, tanto pela tendência Art Déco quanto por um cubismo estilizado e "tropicalizado" ("primitivista")

Em 1950, Max Bill apresenta uma exposição individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo (fundado em 1947) e, em 1951, recebe o Prêmio Internacional de de Escultura com a Unidade Tripartida, na I Bienal de São Paulo. Nesse mesmo ano, Mary Vieira e Almir Amvignier deixam o Brasil: a primeira para estudar com Max Bill e radicar-se na Suíça (Basiléia); o segundo, para matricular-se na Escola Superior da Forma ( Hochschule für Gestaltung), Ulm, e radicar-se na Alemanha. Em 1952, forma-se o grupo de pintores concretos de São Paulo, liderados por Waldemar Cordeiro (jovem artista ítalo-brasileiro, educado em Roma, ideologicamente influenciado pelo marxismo gramsciano). O grupo, inicialmente constituído por Charoux, Geraldo de Barros, Fejer, Leopold Haar, Sacilotto e Anatol Wladyslaw, além de Cordeiro, lançam polêmico manifesto, sob o título "Ruptura". Aos construtivistas de "Ruptura" logo se aliam os poetas do grupo Noigandres (revista-livro fundada em 1952, em São Paulo, por Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari). Das atividades e experimentos do grupo Noigandres emergiria, entre 1953 e 1956, o movimento de poesia concreta , cujo lançamento público iria ocorrer na "Exposição Nacional de Arte Concreta" ( São Paulo, dezembro de 1956; Rio de Janeiro, fevereiro de 1957), na qual tomaram parte poetas e artistas plásticos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os construtivistas do Rio pertenciam ao Grupo Frente, fundado em 1954, sob a liderança de Ivan Serpa; quanto à poesia, participavam da mostra o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar (maranhense de nascimento), expressamente convidado por Augusto de Campos, e o mato-grossense Wladimir Dias Pino .

No plano internacional, o movimento, na sua dimensão poética, foi colançado pelo poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer (secretário de Max Bill na Escola Superior da Forma) a quem Décio Pignatari encontrara numa visita a Ulm, em 1955 ( Gomringer chamava Konstellationen suas composições de estrutura ortogonal e linguagem reduzida, escritas em alemão, francês, inglês e espanhol, mas aceitou a denominação geral poesia concreta/ konkrete dichtung, proposta pelo grupo Noigandres que, por sua vez, costumava designar por "ideogramas" seus poemas em geral de semântica mais complexa, plurilingues e de múltiplas direções de leitura. A cooperação entre os poetas concretos brasileiros e Gomringer resultou numa kleine anthologie konkreter poesie, de âmbito plurinacional, editada pelo poeta das "constelações" no n°8 da revista Spirale (Berna, 1968). Em 1959, os artistas concretos do Rio, sob a liderança de Ferreira Gullar, lançam a dissidência denominada Neoconcretismo, anunciada por um manifesto publicado no Jornal de Brasil, cujo Suplemento Dominical se convertera na tribuna dos poetas e pintores da vanguarda brasileira. No plano estético, o dissídio explicava-se pela diferença de formação do grupo carioca, em especial de seu porta-voz e teórico, F. Gullar, cuja concepção artística progredia da matriz surrealista francesa, aguçada pelo sonorismo glossolático e fraturado de Antonin Artaud, e decantada pelo cubismo e pela abstração geométrica, uma concepção de forte marca subjetivista; os paulistas, acusados pelos cariocas de "racionalistas", defendiam, na verdade um "racionalismo sensível", uma dialética "razão/sensibilidade", que não discrepava da máxima de Fernando Pessoa: "Tudo que em mim sente está pensando" e que não encontraria maiores objeções da parte do Mallarmé da "geometria do espírito", do Lautréamont do elogio às matemáticas; do Pound da equação "poesia" igual à matemática inspirada" e, entre nós, de João Cabral do lecorbuseano e valeryano O Engenho (1945), mas que irritava o expressionismo subjetivista do grupo do Rio, sobretudo de seu mentor no nível crítico-teórico. Os pintores se São Paulo estavam influenciados pelo neoplasticismo de Mondrian pelo construtivismo derivado do De Stijl holandês, pelos futuristas italianos e pela vanguarda russa (Gabo, Pevsner, Tátlin, Lissístski, - Maliévitch também, no seu extremado despojamento "suprematista", apogeu de certa leitura do cubismo) bem como pela experiência participativa do Bauhaus de Gropius, retomada no pós-guerra pela escola de Ulm, dirigida por Max Bill, onde lecionava o filósofo de estética e semioticista Max Bense. O principal alvo dos "neo" artistas do Rio, que juntaram (para distinguir-se) um prefixo neo ao concretismo, era Waldemar Cordeiro, teórico de idéias combativas e formação marxista não-jdanovista; lembre-se, a propósito o ataque de Theo Spanudis, colecionador de arte, psicanalista e poeta amador, alistado ao neoconcretismo desde o primeiro momento, aos poetas de Noigandres, que lhe pareciam "barroquisantes em confronto com o "despojado" Gomringer, e que estariam sob a "deletéria" influência do "marxista" Cordeiro (cf. "Gomringer e os Poetas Concretos de São Paulo"; Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 15.09.57) Forte componente da discórdia entre ambas as facções construtivistas (a "concreta" e a "neo") estava situada, portanto, no plano da política artística, com matizes reivindicativos de prestígio regional, quando não eram meramente idiossincráticos, de "desafinidades" eletivas: caso de Willys de Castro e de Barsotti que, apesar de uma efêmera participação na Galeria NT (1963), incompatibilizaram-se com o "agressivo" Cordeiro e, consequentemente, buscaram abrigo junto à dissidência carioca, onde foram bem aceitos. Hoje essas divergências, em boa parte, dados os méritos respectivos dos artistas plásticos envolvidos, pertencem sobretudo à pequena história" e não relevam; que divergência maior havia, por exemplo, salvo o timbre intransferível da personalidade de cada um, entre o construtivista já op Sacilotto e a Lygia Clark da fase anterior a suas inventivas intervenções plásticos-terapêuticas e comportamentais (das borrachas contorcionistas às tramas de fios e baba salivar)? Razão tinha Hélio Oiticica, o mais jovem e um dos mais ousados e criativos entre os artistas do Rio, quando, em 1967, deu o exemplo de largueza de compreensão e superação de ressentimentos, ao organizar a exposição "Nova Objetividade Brasileira" sob o signo da relativização dos "ismos" e da "vocação construtiva" como ideal comum, convidando para dela participar o inimigo n°1 do "neoconcretismo" carioca, Waldemar Cordeiro, que então desenvolvia, em cooperação com o poeta Augusto de Campos, a fase "pop creta" de seu trabalho (exposição na Galeria Atrium de S. Paulo, 1964) bem como artistas mais novos (Antonio Dias, Gerschman, o grupo libado a Wesley Duke Lee).

Quanto ao neoconcretismo em poesia, foi tendência de curta duração, que deixou magro saldo. Gullar, convertendo-se a uma linha populista de impostação neojdanovista, partiu já em 1962 para o malogro equivocado do Violão de Rua, tornando-se porta-voz das teses dogmáticas do CPC (Centro Popular de Cultura). Na ocasião os poetas concretos de São Paulo, alinhados ideologicamente à esquerda, porém anti-stalinistas, anti- "realismo socialista", reclamavam-se, por sua vez, de Maiakóvski ("sem foram revolucionária, não há arte revolucionária", "a novidade, novidade do material e do procedimento, é indispensável a toda obra poética"; ver o "PS - 1961", acrescentado ao Plano Piloto para Poesia Concreta" de 1958, Teoria da Poesia Concreta, Textos críticos e Manifestos, São Paulo, Edições Invenção, 1965/ 3° edição: São Paulo, Brasiliense, 1987. Hoje, passados 40 anos da "Exposição Nacional de Arte Concreta" ( quando eu próprio, já há mais de duas décadas, não faço "poesia concreta" no senso estrito do conceito, embora continue perseguindo a concretude na linguagem e prossiga nutrindo-me do ostinato rigore da fase concretista dos anos 50 e 60) parece-me que ambas as orientações artísticas daquele período fecundo e polêmico, com as naturais diferenças de temperamento e realização, podem ser vistas com variantes - até complementares- de um "Projeto Construtivo Brasileiro", título aliás da grande exposição retrospectiva apresentada, em 1977, no MAM do Rio e na Pinacoteca do Estado de São Paulo, sob a curadoria da crítica e historiadora da arte Aracy Amaral.

O grande mestre, aliás, respeitado por ambas as tendências e respaldado pela crítica de SãoPaulo, (Mário Schenberg à frente) e do Rio ( Mário Pedrosa), foi Alfredo Volpi (1896-1988), cujo centenário de nascimento se comemora esse ano,. Nascido em Lucca na Itália e jamais naturalizado formalmente, Volpi teve um longo convívio com os pintores e poetas concretos paulistas ( Décio Pignatari o definia como um "Mondrian trecentista"). Equivocadamente tido por alguns como um pintor "primitivo", o lacônico mas juundo Volpi era na verdade um sábio, um refinado mestre do olhar e do gesto pictórico, soberano no trato das "estruturas elementares" (por assim dizer) da visualidade e da cor (obtida por um sutilíssimo domínio da têmpera).

A arte concreta no Brasil - que entretém remotas afinidades com o geometrismo da cerâmica e dos motivos da pintura corporal indígena, assim como o pré-cubismo das esculturas e objetos religiosos africanos; que emergiu coincidentemente no tempo com a criação de Brasília, a nova Capital, por obra do arquiteto Oscar Niemeyer e do urbanista Lúcio Costa - teve grande influência no design (sobretudo por obra de Alexandre Wollner e Geraldo de Barros e, no plano teórico, pelas intervenções de Décio Pignatari); na propaganda (Fiaminghi, Pignatari, Mavignier); na reformulação visual da imprensa (Amílcar de Castro, em 1957, programou o novo lay-out do jornal do Jornal do Brasil, diário de alcance nacional, que abrigava as manifestações da vanguarda construtivista); junto à música de vanguarda, cujos compositores publicaram seu manifesto no n°3 da revista Invenção, junho de 1963, dirigida pelos concretos de S. Paulo, como também junto à nova música popular ( o sofisticado movimento Tropicalista de Caetano Veloso e Gilberto Gil, influenciado por idéias de Hélio Oiticica, pela prática inovadora da poesia brasileira - de Oswald e João Cabral à poesia concreta - e apoiado, pioneiramente, no plano crítico e musicológico, por Augusto de Campos; cf. A. de Campos, O Balanço da Bossa e Outras Bossas, São Paulo, Perspectiva, 1974 ( 1° ed.1968). Já em 1960, mesmo após a manifestação pública da dissidência neo, artistas de ambas as vertentes construtivistas concorriam simultaneamente à grande exposição koncrete kunst, organizada por Max Bill em Zurique, regida por um critério abrangente, gesto de amplitude que seria repetido em 1967 por Hélio Oiticica (em contato e correspondência com os poetas concretos de S. Paulo - Haroldo de Campos e Décio Pignatari sobretudo- a partir daquela década e até o seu falecimento em 1980).

Da ótica dessa "Nova Objetividade" ou "Novo Objetivismo" (veja-se o texto de H. Oiticica: Esquema Geral da Nova Objetividade), a arte construtiva brasileira constitui um magnífico exemplo da antropofagia cultural, preconizada por Oswald de Andrade: devoração crítica do legado universal sob a perspectiva da "diferença" brasileira. "Somos concretistas" escreveu, com efeito, Oswald em seu fundamental Manifesto Antropófago de 1928, referindo o exemplo "sonorista" (zaúm diriam os futuristas russos) extraído de uma canção indígena brasileira (em língua tupi-guarani)

catiti catiti
imara notiá
notiá imara
ipeju

E se, de fato, como já ficou dito, o construtivismo brasileiro pode reivindicar raízes pré-cabralinas na arte aborígene - da cerâmica `a pintura corporal e a essa verdadeira joalheria de cores em acorde luminoso que é a arte plumária, por um lado; por outro, encontra manifestas afinidades com o jogo de formas combinatórias, vertiginosas, de nosso Barroco miscigenado, de tradição ibérica mas caldeado no trópico, cuja extroversão pública se dá, por exemplo, na "festa" comunitária dos "triunfos" eclesiásticos-dramáticos, tão bem estudada por Affonso Ávila (nosso maior especialista nesse campo intersemiótico, onde coesistem aspectos lúdicos verbais e não-verbais) revela também, por mais de uma faceta, traços de congenialidade com relação às manifestações populares, barroquizantes em seu explendor multicolorido e em suas evoluções rítmico-alegóricas, tais como o carnaval do Rio(mais pagão e urbano) e o da Bahia (onde o elemento afro tinge de sacralidade o vistoso dos trajes e o cerimonioso dos passos nos desfiles) não à toa Hélio Oiticica, músico da plástica e passista da Mangueira, soube sintetizar essas essas harmonias "simpoéticas" na invenção do parangolé (asa delta para o êxtase, como já o defini).