5.11.07

Grande Sertão "antenasal de mim a palmo"

Guimarães Rosa (1908-1967) é, por consenso, o maior escritor brasileiro de ficção da segunda metade do século 20. Um panorama da vida e da obra do autor de "Sagarana" é desvendado em "Guimarães Rosa", volume da coleção "Folha Explica", da Publifolha.

Na obra, assinada por Walnice Nogueira Galvão, professora livre-docente de literatura na USP, o leitor descobre e entende por que "Grande Sertão - Veredas" é considerado o principal romance do escritor, livro que transporta nossa língua para um plano de invenção nunca antes alcançado.

Juntamente com "Sagarana" e "Corpo de Baile", "Grande Sertão - Veredas" é uma das obras que definem o povo brasileiro e ensinam a pensar o país por outro viés, explica Walnice Nogueira.

Completa o livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que "Grande Sertão" suscitou.

Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.


Quando Guimarães Rosa publicou seu primeiro livro, Sagarana, em 1946, duas vertentes assinalavam o panorama da ficção brasileira: o regionalismo e a reação espiritualista.

Sua obra vai representar uma síntese feliz das duas vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os interiores do país, pondo em cena personagens plebéias e 'típicas', a exemplo dos jagunços sertanejos. Leva a sério a função da literatura como documento, ao ponto de reproduzir a linguagem característica daquelas paragens. Porém, como os autores da reação espiritualista, descortinando largo sopro metafísico, costeando o sobrenatural, em demanda da transcendência.

No que superou a ambas, distanciando-se, foi no apuro formal, no caráter experimentalista da linguagem, na erudição poliglótica, no trato com a literatura universal de seu tempo, de que nenhuma das vertentes dispunha, ou a que não atribuíam importância. E no fato de escrever prosa como quem escreve poesia - ou seja, palavra por palavra, ou até fonema por fonema.

Nesse sentido, Guimarães Rosa é único na literatura brasileira: foi em sua pena que nossa língua literária alcançou seu mais alto patamar. Nunca antes, nem depois, a língua foi desenvolvida assim em todas as suas virtualidades. A tal ponto que, na formulação de um de seus primeiros e melhores críticos, Cavalcanti Proença, ele chega a se confundir com a língua, colocando-se em seu ponto inaugural e, a exemplo dela, criando incessantemente.

Assim, por exemplo, toma a liberdade de trocar um sufixo por outro (prefere "abominoso" a abominável). Ou deriva um adjetivo, até então inexistente, de um substantivo; ou o contrário. Ou ainda inventa um verbo, a partir da enumeração das vogais ("o vento aeiouava"). Ou cunha um nome próprio, juntando o pronome de primeira pessoa em várias línguas --que, pronunciados à brasileira, se tornam irreconhecíveis-- para batizar a personagem Moimeichego (moi, me, ich, ego). E assim por diante. O escritor está reproduzindo os processos de criação da própria língua.

Dedicou-se incansavelmente a atacar o lugar-comum, que jamais utilizava, a menos que fosse para criar um análogo, antes escrevendo 'antenasal de mim a palmo' que 'a um palmo diante do nariz'. Esse propósito de inovação lingüística manifesta-se a todo momento em sua obra; e ele também se pronunciou a respeito em entrevistas e declarações.

Outra razão pela qual a leitura de Guimarães Rosa é uma experiência imperativa reside em sua capacidade de fabulação. Raramente houve na literatura brasileira um autor tão prolífico em diferentes enredos, com suma capacidade de inventar tramas e personagens.

Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu, o escritor como que dignifica o sertanejo pobre, mostrando como o mais papudo dos catrumanos dos cafundós pode aspirar à transcendência e se entregar a especulações metafísicas, sem precisar sequer saber ler.

Este livro tem por objetivo apresentar a obra do escritor, examinando-a de diferentes perspectivas. Um primeiro capítulo cuida de determinar o lugar que ocupa na literatura brasileira, mostrando como sua originalidade o torna incomparável, embora tenha precursores.

O Capítulo 2 se concentra em esmiuçar o mais importante de seus livros e único romance, Grande Sertão: Veredas (1956), assumindo que todos os grandes achados de sua ficção se encontram ali sintetizados. O terceiro capítulo é dedicado ao restante da obra de Guimarães Rosa, analisando desde Sagarana (1946), passando por Corpo de Baile (1954), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia - Terceiras Estórias (1967), até seus dois livros póstumos, Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970). O capítulo seguinte fornece os traços biográficos do escritor. E a Conclusão faz um balanço de seu papel em nossa cultura.

Completa este livro uma bibliografia de e sobre o autor, em que se procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que essa obra suscitou.

"Guimarães Rosa"
Autor: Walnice Nogueira Galvão
Editora: Publifolha
Páginas: 80
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha