12.12.06

CULTURA: O DNA DO INTANGÍVEL

ECONOMIA CRIATIVA APONTA CAMINHOS PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Com a produção e acúmulo de riquezas intangíveis no lugar de bens materiais, a cultura pode desempenhar o papel de condutora de um processo de real desenvolvimento e não apenas de crescimento.

Quando, em 1958, John Kenneth Galbraith, estudioso economista do capitalismo americano, profetizou que, em um futuro não muito distante, o motor da economia seria a produção e o consumo de bens culturais, poucos foram os que deram a atenção devida ao assunto. Galbraith já acrescentava que o sistema de distribuição seria excludente e divisor da sociedade, tanto entre aqueles que teriam o acesso ao consumo desses bens, quanto aos países e indústrias que centralizariam a produção e, principalmente, a distribuição das produções.

O rumo seria, portanto, o da crescente acumulação de riquezas intangíveis, produtos da engenhosidade e criatividade humana. Essa capacidade do homem da criação do e sobre o nada, ou quase nada, a partir da sua inter-relação com o outro é o que supera a antiga visão das indústrias de consumo baseada na produção a partir de bens materiais esgotáveis ou das linhas de trabalho com mão-de-obra barata.

Hoje, é inegável que a chamada economia criativa representa o futuro. Um futuro presente. Não é à toa que os principais produtos da pauta de exportação dos Estados Unidos advêm da indústria cultural e dos signos e valores criados na propriedade intelectual, patrimônios imateriais.

Estimativas da Organização das Nações Unidas apontam a cultura como responsável por 7% do produto mundial bruto, com movimento financeiro de US$ 1,3 trilhão. Em razão de lhe ser atribuída uma expansão de 10% ao ano, muito superior à medida da economia global. O novo setor baseado na criatividade, ainda sem definição precisa, compreende desde o artesanato aos diferentes produtos artísticos e às novas tecnologias, como programas de informática.

“Poderíamos chamá-la de ‘a riqueza dos pobres’, a fim de mostrar precisamente que, em matéria de cultura e arte, os que chamamos de pobres – os jazzistas de New Orleans e do Mississipi, os guajiros cubanos inventores do son, os compositores dos morros cariocas que vendiam seus sambas a dez mil réis para cantores de rádio – eram os verdadeiros milionários a esbanjar talento, a desperdiçar a beleza em troca de alguns tostões para sobreviverem e não serem obrigados a lavar automóveis, conforme aconteceu com Cartola até ser redescoberto”, afirma Rubens Ricupero no prefácio do livro recém-lançado de Ana Carla Fonseca Reis, Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável – O Caleidoscópio da Cultura.

Francisco Simplício, coordenador do Programa de Economia Criativa do Sul-Sul da Onu, em debate no II Fórum Cultural Mundial, em associação ao VII Mercado Cultural, realizado entre 1º e 4 de dezembro em Salvador, afirma que apenas as leis do mercado não garantem o desenvolvimento. Ou seja, a cultura não pode tornar-se refém do livre comércio. É necessário um amplo plano de políticas públicas que pensem a sustentabilidade da mesma maneira que deveríamos pensar o meio ambiente.

Hoje, apenas cinco países controlam 60% do mercado cultural. Em outros setores, esse monopólio não existe. A América Latina e a África, com toda a diversidade que possuem, não somam 4% de movimentação nesse restrito mercado. “A sociedade civil tem um papel essencial no processo de mobilização e transição entre os governos e as políticas”, pontua Simplório.

Membro da coordenação do Fórum, Paulo Miguez, que dirige o Instituto de Pesquisas Internacional de Economias Criativas, criado no ano passado pelo MinC, reforça a idéia de que existe uma profunda mudança rota na economia: “As chaminés estão sendo substituídas pela cultura e pela comunicação. O combate econômico tem de ser travado pela cultura. E é pela economia que mudaremos essa cultura de consumo”.

CONCENTRAÇÃO
Ana Carla Fonseca Reis, em entrevista à Carta Maior, disse que a concentração do mercado é o grande problema. Ela lembra que 80% das salas de cinema do mundo estão nas mãos das empresas de Hollywood. “É essa a escolha que nós temos? Se não sabemos que existem outras coisas então não temos liberdade nenhuma de escolha”.

Outro fator relevante para o debate da economia criativa destacado por Ana Carla é que a cultura é um bem de consumo insaciável. Sendo um filão de negócios que não se encerra. Quanto mais as pessoas adquirem cultura mais elas querem. É diferente de comprar comida, quando se consome apenas o necessário.

“Não quero tratar cultura como mera mercadoria. Querendo ou não, vivemos em uma sociedade capitalista. Podemos nos aproveitar disso e dizer para os governos e empresas investirem na cultura e que existam políticas para regular tudo isso, garantindo diversidade e a não concentração em oligopólios. Só há liberdade se houver acesso à produção, à distribuição e ao consumo”, declara a representante do Instituto Pensarte.

“A grande lição do desenvolvimento sustentável também não é tornar as pessoas mais gordas. O objetivo é prepará-las a participar da comunidade, libertá-las para além da fome”, define Paulo Miguez.

Lala Deheinzelin, artista e produtora cultural, destaca que todos os problemas são culturais na sociedade contemporânea. Os que não são culturais são decorrentes da cultura: “O que veio primeiro, a cultura ou o desenvolvimento? A cultura é o DNA do intangível. Toda mudança e transformação é cultural. Assim nasce o paradigma do desenvolvimento, ao invés do crescimento econômico”.

Recente pesquisa do IBGE mostra que famílias brasileiras consomem mais cultura do que diversos outros bens. Isso reforça a necessidade de uma melhor atenção para a indústria criativa e maior orçamento para o Ministério da Cultura (leia mais).

Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior