20.12.06

II FORUM CULTURAL MUNDIAL

CONVENÇÃO GLOBAL VOLTA-SE AO MERCADO E ÀS POLÍTICAS OFICIAIS

O II Fórum Cultural Mundial, que aconteceu entre o fim de novembro e começo de dezembro, teve como temas centrais as “Diferentes Palavras” no Rio de Janeiro, e as “Boas Notícias” em Salvador. Sobre as diferentes palavras, diversas entidades cariocas reclamaram da mercantilização e do debate oficial governamental na convenção e da falta de participação da sociedade. Na terra de todos os santos, as boas notícias vieram do popular que hoje ocupa o lugar do erudito; os debates da sociedade civil, no entanto, não foram aprofundados, tendo mais destaque a extensa programação artística, devido à associação ao VII Mercado Cultural.

Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior

O Fórum Cultural nasceu em 1998, durante a Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento da UNESCO, em Estocolmo, Suécia, quando se constatou a necessidade de repensar o papel e a situação das Artes e da Cultura em um mundo globalizado. A idéia era a de debater propostas para enfrentar novos desafios como a proteção da diversidade cultural, a economia criativa e a questão dos direitos sobre a propriedade intelectual.

A base da convenção está nos movimentos da sociedade civil, representantes governamentais, instituições, gestores, artistas, intelectuais e agentes culturais. A primeira sede do Fórum foi São Paulo, que recebeu as expressões populares dos quatro cantos do mundo entre 26 de junho e 4 de julho de 2004 (Leia a cobertura completa do I FCM e do II FCM aqui).

Desde 1998, muitas coisas aconteceram com a cultura no mundo. A grande preocupação dos movimentos era o Tratado de Propriedade Intelectual (TRIPs) que fez parte de um pacote de acordos da Organização Mundial do Comércio, em 1994. Depois disso, a sociedade civil conseguiu atingir uma grande vitória, quando foi assinada a Convenção da Unesco sobre a Diversidade Cultural, há um ano. O Brasil, que foi um dos principais articuladores da proposta, ainda não ratificou sua assinatura. O projeto ainda está em trâmite no Congresso, mas deve passar sem grandes conflitos.

Paralelo ao Fórum, no Rio de Janeiro estiveram reunidos cerca de 40 ministros de todo o mundo, que integram a Rede Internacional de Política Cultural. Na pauta central, o debate sobre direitos autorais teve destaque e é consenso a grande preocupação dos gestores da cultura em fortalecer a atuação da Unesco para não ceder às pressões dos Estados Unidos (Leia sobre o assunto). Além disso, a presidência da rede, que estava com o Brasil, passou agora para a Espanha. O grupo nasceu para articular a Convenção da Unesco, ainda em 1998.

Manifesto
O Fórum dos Pontos de Cultura do estado do Rio consideraram necessário manifestar uma posição crítica e de questionamento à forma como foi conduzida a organização do evento. Conforme manifesto divulgado, esta postura dos pontos de cultura reflete um ambiente de
perplexidade e indignação em que se encontram os mais diversos grupos, entidades, artistas e associações culturais da cidade e do estado, que não foram ouvidos, consultados, nem tiveram qualquer interlocução com a organização do evento, seja em sua concepção, convocação ou programação. “A partir dessa análise, consideramos inapropriada a definição deste evento como um fórum, vulgarizando e esvaziando o sentido deste tipo de ação em rede que reúne os mais diversos movimentos sociais Brasil e mundo afora” - consta do manifesto.

As entidades consideram ainda que o evento se orienta por uma lógica de mercado, amparado por uma estratégia promocional e midiática, e organizado conforme os padrões dos grandes festivais e exposições de negócios internacionais, reuniões que se organizam exclusivamente em função de grandes interesses comerciais e econômicos. “Não é esta a lógica de discussão da cultura que nos interessa” - sentencia o documento.

Economia Criativa
Uma das questões mais destacadas da convenção global foi o tema da economia criativa que ganhou base de discussão com o lançamento da inédita pesquisa sobre os números da cultura produzida pelo IBGE. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, informou durante a conferência do Rio que seu ministério está se empenhando para transformar em realidade, já nos próximos meses, o Observatório Internacional de Economia da Cultura. A iniciativa, segundo Gil, nasceu “de uma provocação feita pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em 2004, em São Paulo, e seu funcionamento vem sendo amplamente debatido desde então”.

Esse observatório, de acordo com o ministro, seria um centro de referência da economia criativa, com sede no Brasil, e abrigaria números, estudos, textos, canais interativos, informações, toda sorte de referência, conhecimento sobre o setor. “Já temos levado muito tempo conceituando o que é o conteúdo, o que é a forma dessa instituição e temos que começar a trabalhar. E não há nenhuma ferramenta de trabalho mais interessante hoje em dia do que a ferramenta eletrônica, pela internet”, analisou o ministro, prevendo a melhor formulação do trabalho em rede.

Gil disse ainda que a intenção do ministério, sujeita ainda a aprovações, é de instalar o Observatório Internacional no Centro Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, que é uma instituição internacional recém-criada no Rio de Janeiro (Leia também sobre a discussão de economia criativa em Salvador).

O diretor brasileiro, Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido afirmou também que não há problemas nas oportunidades de comercialização que se apresentam para a cultura no mundo globalizado, desde que seja preservada a arte da criação. “Cultura pode se transformar em indústria, se inserir na economia, mas desde que o artista seja o criador e o produtor atue a partir da sua criação”.

Ele alertou, no entanto, que na ótica do mercado interessa promover tanto sabão em pó quanto quadros, pois há mercado para isso, mas que não se pode incorrer no erro de confundir "saponáceo" com cultura. “Não tenho nada contra o comércio. Admiro os comerciantes que fazem da sua atividade uma arte, mas tenho pena dos artistas que fazem da sua arte um comércio”, afirmou Boal.

Cidadania Cultural
Gil destacou ainda a necessidade de incorporar saberes tradicionais que fazem parte cultura brasileira, como a capoeira e a culinária, por exemplo, ao universo da educação formal para que esses saberes sejam transmitidos aos mais jovens. Para ele, a falta de reconhecimento das práticas culturais é uma limitação à cidadania plena.

O ministro lembrou mestres capoeiristas, como Bimba e Pastinha, que levaram a capoeira a vários países do mundo difundindo a imagem do Brasil, sem nunca terem recebido apoio governamental para isso. “Desde a escravidão, o Estado brasileiro esteve de costas para os mestres do saber. Isso começa a mudar a partir do momento que incorporamos a noção de cidadania, a sociedade como horizonte final da políticas culturais”, defendeu (leia mais).

O equatoriano Francisco Huerta Montalvo, secretário do Convênio Andrés Bello, entidade cultural com atuação no âmbito da América Latina, ressaltou, também na conferência carioca, o papel da cultura para o exercício da cidadania e para viabilizar a democracia. “Não existe democracia sem cidadania, mas infelizmente, na maior parte dos nossos países, somos apenas habitantes com cédulas de identidade e temos possibilidade de votar, no entanto não existe cidadania sem cultura”. Segundo ele, construir a cidadania com a cultura exige principalmente mudanças drásticas na educação.

Assim como Gil, Montalvo também destacou a identidade como foco no desenvolvimento da arte e da cultura. “Não é só o fator de consumo, mas a capacidade de produzir arte”.

Selo Cultural
Na reunião entre os ministros, ainda entrou em pauta uma questão mais imediata que seria a criação de um “selo cultural” para promover a cooperação, o intercâmbio e a maior facilidade no trânsito aduaneiro de bens culturais, a exemplo do que já foi feito no âmbito do Mercosul. Segundo Gilberto Gil, houve o comprometimento dos presentes quanto à necessidade de serem feitos os estudos para viabilização da iniciativa, “inclusive com as devidas adaptações das respectivas legislações aduaneiras de cada país da Comunidade”. Mas, para o ministro, é possível que o selo seja adotado já em 2007.

Entre outros assuntos discutidos no encontro, a ministra da Cultura de Portugal, Isabel Pires de Lima, destacou como importantes a criação de um Fórum Permanente das Comunidades Lusófonas e a de um fundo, com recursos públicos e privados, para financiar co-produções de cinema e TV.

Futuro
Depois desta segunda edição no Brasil, o Fórum Cultural Mundial deverá ser realizado a cada dois anos em um país diferente. O próximo encontro ainda não tem sede definida. A grande plataforma de debates do FCM é a Convenção Global, um espaço aberto para a reflexão em torno das perspectivas culturais e realidades sociais de todo o mundo, estimulado por painéis, conferências, simpósios, oficinas, e provocações. Na pauta da Convenção, estão questões como Cultura e Cidadania; Economia Criativa; Direitos sobre Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias; Direitos Culturais; Cultura para Paz; Culturas e Globalização; Diálogos Sul-Sul; Hegemonia e Diversidade; Cultura e Desenvolvimento; e Democratização das Comunicações.

Além da Convenção Global, ocupam lugar de destaque nas atividades do FCM 2006 os Eventos Associados, que prevêm os seguintes encontros de autoridades e representantes de redes e fundações culturais: o Encontro Mundial de Redes Culturais; o Encontro Anual da Rede Internacional das Políticas Culturais; o Encontro Anual de Ministros da Cultura da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa); o Encontro Internacional de Fundações; o Encontro Anual da Rede Internacional de Diversidade Cultural; e Encontro de Ministros da Cultura do Mercosul.

* com informações da assessoria de imprensa do Fórum e Agência Brasil.