10.11.06

CONTA UM CAUSO, CUMPADI.

Meus cumpadres e minhas comadres.

Dentro de pouco tempo, espero, vou estar fazendo o lançamento de meu primeiro livro. Estou atrás de uma maneira viável para quem dispõe de parcos recursos como eu, fazê-lo.
Eu fiquei sabendo que pela internet também publica-se livros mas eu nunca vou dar conta de ler um livro inteiro com os "ói" grudados dessa telinha aqui. E tenho certeza que muitos de vocês também não. Mas, um causo ou outro não tem problema, né. A gente lê. E pensando assim vou transcrever aqui no blog um causo que conto no livro que espero lançar brevemente.
É um causo que meu irmão Ismael gosta muito e pediu-me que o incluisse no livro. Então lá vai.

JOÃOZIM MILAGRÊRO
Um certo fazendeiro de nome Aristides, dono de um rebanho de umas cem cabeças, lutava com dificuldades contra uma estiagem que naquele ano judiara de todo mundo. Aquela seca prolongada deixou o gado desse nosso fazendeiro com pouco peso e fez cair sua produção leiteira. Para aumentar ainda mais os problemas de seo Aristides, seu sofrido rebanho adquire uma doença estranha que atacava as pernas dianteiras dos animais e estes, não se sustentando em pé, arriavam no chão.
O quadro foi ficando ainda mais sinistro quando a urubuzada começou a sobrevoar o pasto esperando a hora daquele banquete farto que se aproximava.
Seo Aristides já havia tentado de tudo, coitado. Gastou todo seu dinheiro com veterinários e remédios e não havia como controlar aquela doença maldita. Até que um vaqueiro, conhecido por Romão, resolve sugerir a seo Aristides que lançasse mão do último recurso que havia.
- Patrão. Mode que o sinhô mandô que vinhesse aqui tudo quanto é dotôr e ninhum deu jeito, se for do consentimento de vosmicê, eu cunheço seo Joãozim Milagrêro: um homim franzino, magricelo, um caquim de home. A gente assuntano, anssim, num dá nada por ele, mas o home é rezador e benze que é uma beleza.
- Mas cê acha que essas coisa de reza arresorve, Rumão?
- Oia patrão. Meu caçulo tava esmegraceno mais dipressa que seu gado, ficano seco, num comia, sem sustança prá quarqué coisa. Levei lá no homim e ele curou. Me falou que era um tár de macimioto. Arribou o minino!
- Então busca o home, Rumão! Quanto tempo cê acha qui tá aqui de vorta q’esse tár Joãozim Milagrêro?
- Eu saino ind’agurinha, patrão, que o sór tá se pondo, carculo que aminhã, na barra do dia, eu mais ele tamo aqui pisando em suas terra.
Entonce vá, Rumão. Traga cá o tár.
Com permissão do patrão, Romão selou o melhor cavalo de seo Aristides e rumou em disparada à procura do benzedor. Era o último recurso.
Naquela noite seo Aristides nem dormiu. Dona Madalena, sua esposa, fez a janta, depois lavou os trem e foi dormir. Seo Aristides ficou na varanda da casa com o olhar perdido no pasto lá adiante vendo os vultos caídos de suas rezes iluminadas pela lua cheia.
Romão e o benzedor chegam junto com o sol. Dona Madalena já tinha passado o café que foi servido junto com um delicioso bolo de fubá. Feito o desjejum foram os três ao pasto observar de perto o que estava acontecendo com aquele gado.
Depois de muito assuntar, seo Joãozim Milagrêro, rompe o silêncio e diz na maior rapidez:
- Nome do pá, du fi, spritu sant’amém! Creim Deus pá tô poderôs criadô du cé e da tér e na virge Maria nossa mãe prá todo o sempr’amém, ôch!
E fez o sinal da cruz três vezes. Uma na testa, outra na altura da boca e outra começando na testa indo para o peito e nos ombros. Depois se arrepiou todo e deu um sacolejo de corpo inteiro parecendo cachorro quando acorda, e falou à seo Aristides.
- Eu curo, mas perciso d’ua fêma sadia pro mode fazê a benzeção nas perna dela.
Procuraram uma vaca ou uma novilha pelos pastos e não acharam uma sequer que estivesse sadia. Todas haviam pegado a tal doença.
- A cachorra serve – disse o curandeiro.
- Aqui num tem cachorra não, só tem esse perdiguêro aí – disse seo Aristides, apontando para o cachorro da fazenda.
- Tô falando disso não. Tõ falando da sua muié – disse Joãozim Milagrêro.
- Oia o respeito! Falou seo Aristides.
- Né farta dele não, siô! É somente anssim que se cura dessa praga de doença má que suas rês pegô. Se tá achano farta de respeito eu vou-me embora.
- Carece não – disse seo Aristides. – Sendo com respeito não vejo mal.
Então voltaram para a casa da fazenda e seo Joãozim Milagrêro se trancou no quarto com dona Madalena enquanto seo Aristides ficara do lado de fora com o ouvido colado na porta e os olhos lá no pasto. De repente ele ouviu a vozinha do benzedor:
- Pego nas canela prá alevantar as vaca amarela.
Nessa hora as vacas amarelas que estavam arriadas no chão começaram a se levantar e seo Aristides ficou maravilhado com o que vira.
- Uai, né qui o trem funciona...!
Dalí a pouco, novamente, a vozinha do seo Joãozim quebra o silêncio de dentro do quarto:
- Pego nos juêi prá alevantar os boi vermêi.
Não é que os bois vermelhos começaram a se levantar...? Seo Aristides abre então aquele sorriso e lança um olhar de agradecimento ao vaqueiro Romão.
De novo a vozinha do seo Joãozim:
- Pego nas côxa prá alevantar as vaca mocha.
E as vacas mochas todas se levantaram. Só que seo Aristides começou a se preocupar com dona Madalena dentro do quarto. Também pudera, as mãos do curandeiro estavam aos poucos chegando perto duma região que somente à seo Aristides era permitido acesso. Sua preocupação aumentou quando ele ouviu de novo a voz do Milagrêro lá de dentro do quarto:
- Pego na virilha prá alevantar as novilha.
Nesta hora seo Aristides, por precaução, irrompe subitamente para dentro do quarto e fala determinado para seo Joãozim Milegrêro:
- As vaca preta e os boi zebu cê pode dêxá morrer!