16.3.07

160 anos do poeta Castro Alves (parte 2)

Só após a vinda da Família Real, em 1808, o Brasil pôde ter máquinas de imprensa legalizadas - antes qualquer impresso era perseguido, proibido, as máquinas quebradas, os jornalistas, gráficos e escritores presos. No tempo de Castro Alves ainda era recente a abertura ao impresso e a monarquia também tinha seus aparatos de censura, contra esta, o poeta escreveu O Livro e a América numa clara alusão à liberdade de imprensa - no sentido do periódico e do livro -, à educação popular e ainda fez uma homenagem ao inventor, do século 15, que construiu a primeira máquina de impressão, o genovês Guttemberg:

Filhos do séc'lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vós mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro - esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro

(...)

Por uma fatalidade
Dessas que descem do além,
O séc'lo que viu Colombo
Viu Guttemberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto -
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.

O poeta via na imprensa uma forma de falar para milhões e descrevia assim, em Deusa Incruenta, a sua grandeza ''divina'':

Tem hoje por tribuna imensa - a eternidade,
Por Fórum - o universo! e plebe - a humanidade!
A seus pés - as nações! os séculos - em redor!

Castro Alves também foi um dos primeiros a defender o voto feminino, que só foi conquistado na Constituição de 1934. Em Carta às Senhoras Baianas, publicada no periódico O Abolicionista em abril de 1871 e declamada na Sociedade Abolicionista que ajudou a constituir, por ocasião da campanha de arrecadação de dinheiro para a compra de alforrias, defende assim:

''A terra que realizou a emancipação do homem, há de realizar a emancipação da mulher. A terra que fez o sufrágio universal não tem o direito de recusar o voto de metade da América.
Este voto é o vosso.
É o voto dessas mães de família que aprenderam no amor de seus filhos a ternura pelas crianças.''

Lutou contra as guerras, para ele só o mundo em paz teria um ''iluminado porvir''. Durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-71) a colônia francesa na Bahia organizou o Comité du Pain, onde Castro Alves recitou No Meting du Comitê du Pain para auxiliar na arrecadação de donativos aos mutilados, órfãos e viúvas da guerra:

Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito
Que abale dos canhões o horrisono rugir,
Em frente do oceano! em frente do infinito
Em nome do progresso! em nome do porvir!

(...)

Não; clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro!
Gritemos liberdade em face da opressão!
Ao tirano dizei: Tu és um carniceiro!
És o crime de bronze! - escreva-se ao canhão!

Em sua estadia no Rio de Janeiro em 1868, leu para o escritor José de Alencar o drama Gonzaga e algumas poesias. O escritor logo indicou uma visita do poeta a Machado de Assis em carta que passa a seguinte impressão:

''Recebi ontem a visita de um poeta. O Rio de Janeiro não o conhece ainda; muito em breve o há de conhecer o Brasil (...) Palpita em sua obra o poderoso sentimento da nacionalidade, essa alma da pátria, que faz os grandes poetas, como os grandes cidadãos. Não se admire de assimilar eu o cidadão e o poeta, duas entidades que no espírito de muitos andam inteiramente desencontradas''

Machado de Assis não demorou a responder a carta de José de Alencar após a visita de Castro Alves:

''Ouvi Gonzaga e algumas poesias (...) Não podiam ser melhores as impressões. Achei uma vocação literária, cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro. Achei um poeta original. O mal da nossa poesia contemporânea é ser copista.''

Sua obra é mais conhecida pelas poesias que mostravam a situação do negro escravo e se manifestava contra esse tipo de trabalho forçado. Assim temos a radical Bandido Negro:

Somos nós meu senhor, mas não tremas,
Nós quebramos as nossas algemas
Para pedir-te as esposas ou mães.
Este é o filho do ancião que mataste.
Este é o irmão da mulher que manchaste...

Oh! Não tremas senhor, são teus cães.
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.

Através dos versos Castro Alves mostrou o dia a dia do negro escravo, como em A Canção do Africano:

O escravo calou a fala,
Por que na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Para não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

Mostrou também como os negros chegavam ao Brasil de forma violenta, através de O Navio Negreiro, que tem como subtítulo Tragédia no Mar, o clima da vinda forçada de gerações:

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres suspendendo as tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Foi um entusiasta dos quilombos e, para o de Palmares, fez Saudação a Palmares, mostrando a garra com que aqueles negros construíram a resistência à escravidão:

Palmares! a ti meu grito!
A ti, barca de granito,
Que no soçobro do infinito,
Abriste a vela ao trovão,
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada,
Aos urros da marujada,
Nas ondas da escravidão!

No final de 1868, em uma caçada, em São Paulo, Castro Alves sofreu um acidente com uma arma, que na sua cintura disparou no calcanhar esquerdo. O ferimento se complicou e foi preciso amputar o pé, mesmo sem anestesia, serrando-o - já que uma machadada estilhaçaria os ossos do restante da perna. Pouco apareceu em público nessa situação. Sua tuberculose se desenvolveu e foi seu pesadelo até a morte. Seu último pedido foi ver o sol que brilhava na janela perto de sua cama. Morreu em Salvador, em julho de 1871 aos 24 anos, sendo autor de imensa obra literária em defesa do Brasil e seu povo, contra a escravidão e pela República, pela paz e contra a guerra.

Ler Castro Alves é um caminho espinhoso. Analogias com a mitologia antiga, palavras que no século 21 não usamos mais, construção invertida das frases são características da poesia romântica daquela época. Mas vale a pena o esforço para sentir a contribuição de um jovem poeta às lutas do povo brasileiro.

Estes 160 anos do poeta Castro Alves não podem passar em branco. Elevar a figura do poeta hoje é uma resistência cultural nos tempos em que a cultura imperialista pasteuriza e descaracteriza a produção da cultura nacional e popular. Parabéns,Castro Alves, sua poesia ainda influencia o povo brasileiro e sua juventude.

* Fernando Garcia é historiador e membro do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ)