30.3.07

Resposta à John Neschling

Meus compadres e minhas comadres:
Vejam só o preconceito do maestro John Neschling dizendo que o “Governo Federal não tem berço cultural”. Talvez animado, como diz Glauber Piva em um texto que publico abaixo, por “uma susposta falta de apoio do Governo Federal às orquestras brasileiras”.
Glauber Piva responde Neschling à altura e da minha parte gostaria de acrescentar que essa súbita preocupação do maestro com a falta de apoio às orquestras me parece um tanto falsa.
É notória a falta de apoio do Governo do Estado de São Paulo às orquestras do interior paulista, somente existindo recursos para a OSESP, regida pelo maestro e nunca, nesses 14 anos que moro em Ribeirão Preto, tomei conhecimento de alguma atitude de John Neschiling em defesa de uma orquestra que não fosse a “dele”.
O nobre maestro perdeu a oportunidade de levantar uma discussão sadia sobre o tema que poderia se tornar benéfica às orquestras que lutam com dificuldades de sobrevivência e também às que lutam para serem implantadas, não fosse seu preconceito em relação ao Governo Federal e seu “esquecimento” em questionar as “políticas culturais de berço” dos governos do Estado de São Paulo que, em relação a apoio às orquestras, só tiveram, até agora, olhos para a OSESP.
Mas vamos à resposta de Glauber Piva ao nobre maestro.

COM BERÇO E CALDEIRÃO
artigo de Glauber Piva
26/03/2007

Em matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 22/03/2007, o maestro John Neschling afirma que o "Governo [federal] não tem berço cultural". A justificativa para essa conclusão seria uma suposta falta de apoio do governo federal às orquestras brasileiras.
“O governo não tem berço!” Como bom caipira, fui remetido imediatamente a um sem número de vezes em que ouvi essa expressão: “o sujeito não tem berço!”. Todos sabem o que a frase quer dizer, indicando a falta de uma origem nobre que se expressa através de um comportamento vulgar ou na aparente “pouca” cultura.
O maestro poderia perfeitamente exercer seu sagrado direito à crítica de outras formas, poderia reclamar o que considera justo como apoio às orquestras ou propor uma necessária reflexão sobre o papel formador que as orquestras podem exercer, alicerçando aí sua reivindicação. Ele poderia ter politizado o debate, mas preferiu trilhar outro caminho.
Neschling, de certa maneira, dá eco aos que não concordam com a política do governo Lula para as artes. Alguns dizem que o governo pratica uma “política cultural do Bumba meu Boi”, que editais públicos seriam injustos por submeter os grandes nomes da cultura nacional a uma desnecessária concorrência, que os pontos de cultura seriam uma política assistencialista, ou que a primeira conferência nacional de cultura só atraiu os “despossuídos” e, por isso, não seria legítima.
Não me detenho muito em reafirmar a minha discordância em relação a essas críticas, já que entendo que o Ministério da Cultura soube diversificar e ampliar o espectro das políticas públicas de cultura, dando a elas escala e as inserindo na estratégia de desenvolvimento do país. A cultura se tornou paradigma de uma política ampla e democrática, respeitando e fomentando a diversidade.
Nessa perspectiva, este governo tem permitido e estimulado a explicitação de conflitos e evidenciado as diferenças na sociedade. Sendo assim, torna-se óbvio e até necessário que críticas ao governo e suas políticas apareçam. A suposta falta de apoio às orquestras, por exemplo, deve ser tema de debates e de críticas, se for o caso, mas alegar “falta de berço” não é fazer crítica, é exibir preconceito.
Essa afirmação tenta desqualificar o governo e os governantes de maneira irreversível, em virtude da inescapável falta de uma “origem nobre”. Essa suposta origem nobre, esse berço cultural, talvez fosse capaz de conferir ao digno maestro, bem como a seus pares, a competência necessária para elaborar as políticas culturais no país. O problema é que tal competência não tem sido vista onde os “de berço” governam. O melhor (ou pior?) exemplo é o que (não) acontece no Estado de São Paulo há doze anos.
Em São Paulo, o pouco de política pública de cultura que existe é resultado da luta dos movimentos culturais e dos gestores municipais do interior do Estado. Mais nada. O resto é da política cultural é marketing institucional do governo e ausência. Apenas isso.
Não adianta, porém, comparar gestões, o que seria fácil de fazer e atestaria a enorme diferença entre elas, demonstrando o caráter inclusivo da política federal e os efeitos do trabalho daqueles que governam o Estado. Com preconceito não se dialoga. Preconceito se combate. Por isso, gostaria de dizer ao maestro qual é o “berço” do operário-presidente e de seu governo.
O governo Lula nasceu em berço construído por milhares de mãos na luta contra o preconceito de classe, contra o preconceito racial e contra esse típico preconceito cultural que parece ainda animar parte das nossas elites.
O berço onde se embala a política cultural do governo Lula é aquele onde um dia foram embalados homens e mulheres de cultura que, a exemplo do que fez o músico Gilberto Gil, resistiram bravamente à ditadura militar, enquanto outros se acostumavam ao embalo não de seu berço e dos balcões de favores instalados em outras gestões do Ministério da Cultura – MinC - e que, ainda hoje, insistem em manterem-se vivos na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
A gestão atual do MinC retomou o Projeto Orquestras, o Projeto Bandas, paralisado há anos, e o Projeto Circulação de Música de Concerto, com circulação por todo o país, ajudando a formar milhares de músicos e também público para a música de concerto, impulsionando esse mercado. Em estreita colaboração com o MinC e seguindo uma orientação específica do governo federal, estatais como a Petrobrás têm investido mais recursos na cultura, inclusive financiando a manutenção de uma de nossas melhores orquestras, a Petrobrás Sinfônica.
Existem vários outros exemplos, mas essa política ainda é passível de crítica e pode até ser considerada insuficiente e equivocada. Mas é importante que o maestro saiba que se há insuficiência ou equívoco não é por falta de “berço”, porque não é ele que garante competência e compromisso público. Numa análise rasa, até podemos dizer que o tal o “berço cultural” dos gestores tucanos tem mostrado seus resultados, e não tem oferecido relevante desenvolvimento cultural para o Estado de São Paulo, ao menos não do ponto de vista do grande público e da democracia. São Paulo, infelizmente, se recusou a participar do processo da conferência nacional de cultura, não assinou o protocolo de criação do Sistema Nacional, mantém um Conselho Estadual de Cultura restrito aos indicados pelo governador e relegou seus equipamentos à gestão de terceiros. Não há participação. A política parece ser executada para o próprio berço.
Caro maestro, nós temos orgulho do nosso “berço” que, julgamos, também é esplendido. Temos orgulho da nossa origem e, ao que parece, ela nos credencia para governar o Brasil justamente por nos autorizar a combater o preconceito que desagrega e desfigura a democracia que tentamos construir. Essa democracia custou a vida de milhares de mulheres e homens sem “berço” e tem sido construída com a inscrição da cultura no rol dos direitos sociais básicos, negando os privilégios dos bem-nascidos e tratando o Brasil como um caldeirão de diversidade.

Glauber Piva é Secretário Nacional de Cultura do PT