20.3.07

Quem é normal?

As pessoas tomam remédios para agüentar o rojão da vida e se acreditarem normais.

De repente, surge uma fissura grave na couraça dos psicólogos, psiquiatras e psicanalistas. As sessões com os pacientes não chegariam a lugar nenhum, dizem alguns. Os problemas e distúrbios de comportamentos hoje são resolvidos com drogas, afirmam outros. Entretanto, na edição de Veja, de 14 de março, o psiquiatra americano Peter Kramer, diz que: “todos os remédios da classe dos inibidores de recaptação de serotonina, da qual o Prozac faz parte, são, em minha opinião, antidepressivos medíocres.” Daí, por exemplo, tanta controvérsia sobre o Prozac e seus sucessores que deixaram milhares de divãs sem pacientes. Agora, os tricíclicos voltam para valer. Com quem a verdade ou a certeza?

Será por tal fato que na classe médica há gracejo antigo? Ele diz, mais ou menos, o seguinte: O clínico geral sabe tudo e não faz nada, o cirurgião não sabe nada e faz tudo e o psiquiatra nem sabe nada e nem faz nada. Mera piada, é claro.

Talvez por não terem obtido sucesso em suas visitas a psiquiatras, psicanalistas e psicólogos é que tantas pessoas apelam para o consumo continuado de calmantes, antidepressivos e estimulantes de todas as naturezas, dosagens e composições químicas. Todas têm um médico amigo que as prescreve. As pessoas tomam remédios para agüentar o rojão da vida e se acreditarem normais. Mas o que é ser normal? Quais os referenciais que demonstram o desvio entre o certo e o errado? Será anormal quem não dorme bem, dorme pouco ou demasiado? Ou a anormalidade parte de quem observa? Será normal a pessoa comum, cotidiana que se compraz para acabar com o mofo de sua vida, em fazer cartas anônimas ou espalhar boatos falsos?

A propósito, nos Estados Unidos, o país onde mais se consome remédios para depressão, insônia, neurose etc. foi editado - pela St. Martin Press - o livro Você é normal? (Are you normal?), escrito por Bernice Kanner. Por apenas US$ 6,99, o preço de uma refeição ligeira, você saberá que existe muito mais gente “anormal” do que imagina. As pessoas entrevistadas, segundo Bernice Kanner, tinham o compromisso de não mentir e revelar, sob a segurança do anonimato, coisas que não diriam nem para o pai, a mãe, o marido ou a mulher.

As preciosidades colhidas por Bernice nos Estados Unidos mostram a vulnerabilidade, a ausência de altruísmo e outras falhas do caráter dos comuns mortais. Vamos lá: uma em cada quatro pessoas faria qualquer coisa por US$ 10 milhões; uma em cada dez pessoas compra um artigo, usa uma vez e o devolve; 3,9% das mulheres não usam calcinhas; 7,0% das pessoas utilizam o próprio cabelo como fio dental; 10% trocam etiquetas de preços de lojas para pagar menos; 10% admitem já ter visto fantasma; 23,5% não dão descarga quando vão ao banheiro; 25,0% furam filas; 28% admitem fazer xixi na piscina; 28% deixaram de declarar imposto de renda alguma vez; 29% já furtaram em lojas; 39% fofocam em salas de espera;54% reembrulham presentes recebidos e dão para outras pessoas; 58% já inventaram doença para não ir trabalhar; 60% dos homens cospem em público.

Isto tudo nos faz lembrar uma frase de Millôr Fernandes: “Como são maravilhosas as pessoas que não conhecemos bem” ou aquela outra de Bertold Brecht: “Um bom país para viver é aquele em que as virtudes não são necessárias e no qual todos podem ser pessoas comuns, medianas e até mesmo um pouco covardes.”

João Soares Neto