19.3.07

Memória caipira

Único registro de som e imagem da dupla Pena Branca e Xavantinho é lançado em DVD no pacote do programa Ensaio, da TV Cultura.

Não há título dispensável na coletânea do programa televisivo Ensaio, do diretor Fernando Faro para a TV Cultura. Vários programas vêm sendo reeditados em DVD pela gravadora Trama, mas alguns desses ultrapassam o mero interesse musical e podem ser considerados verdadeiros documentos da música popular brasileira. É o caso deste Pena Branca & Xavantinho, programa gravado em 1991. A memória dos cantadores e violeiros vai desfiando um cancioneiro caipira de tempos imemoriais entrelaçadas com o que se convencionou chamar de MPB.

É o primeiro e único registro em som e imagem de uma das grandes duplas caipiras brasileiras, terminada em 1999 com a morte de Xavantinho (Ranulfo Ramiro da Silva). Sobre as questões levantadas em off pelo diretor, Pena Branca e Xavantinho vão desvelando histórias de vida, da carreira e rememorando grandes canções em closes quase impressionistas. Doze músicas são relembradas por completo, de clássicas como Casinha de Aço (Teddy Vieira) e Amo-te Muito (João Chaves) a outras mais modernas tornadas clássicas por eles, casos de Calix Bento (Tavinho Moura) e O Cio da Terra (Milton Nascimento e Chico Buarque). Os irmãos mineiros (de Uberlândia) são acompanhados da dupla Kapenga (viola) e Betto Sodré (percussão).

Na conversa dos cantores e compositores, vão sendo resgatados não só um rosário de canções memoráveis, mas a história de um país já esquecido por personagens inesquecíveis, apesar de ambientados num tempo nem tão distante assim. Os irmãos lembram das cantorias em família, entre os anos 60 e 70 no Triângulo Mineiro, e de figuras extra-musicais que acabaram importantes na formação deles (como de resto na de um Brasil ingênuo). Aparecem nessa lista o ator, produtor e diretor Mazzaropi (Amácio Mazzaropi, 1912-1981). Relembram o pioneiro cineasta com uma toada homônima de Jean e Paulo Garfunkel. Em meio ao depoimento de Xavantinho, o diretor Fernando Faro incluiu um trecho do filme Sai da Frente, de Mazzaropi.

O Coronel Hipopota também é lembrado como personagem importante na carreira de Pena Branca e Xavantinho. Hipopota (Maximiliano Carneiro, 1916-1981, produtor cultural, homem de rádio e TV que atuou também na região Centro-Oeste com o programa República Livre do Cerradão) foi quem praticamente lançou os irmãos cantadores e violeiros no rádio, em Uberlândia, sugerindo-lhes o primeiro nome artístico: Peroba e Jatobá. Era 1962 e Pena Branca e Xavantinho se auto-intitulavam José e Ranulfo. Entre uma e outra lembrança, a cumplicidade musical estabelece-se na troca de olhares e de vozes (Pena Branca e Xavantinho trocavam com naturalidade quem fazia a primeira e a segunda voz - às vezes até durante a execução da música).

NA LIDA
Outras três músicas são lembradas, apenas em trechos, incluindo a primeira composição de Xavantinho (Carro de Boi) e compositores parceiros que integraram com eles as famosas caravanas de Rolando Boldrin, nos anos 80. Boldrin viajava o Brasil com o shows do programa Som Brasil e muitos artistas a bordo. Com a morte de Xavantinho, Pena Branca não desistiu da carreira nem se tornou um "cantor romântico". Manteve a linha de trabalho com o irmão e lançou outros dois discos-solos. Um deles, Semente Caipira (Kuarup), acabou premiado com o Grammy Latino de melhor álbum sertanejo, em 2001. "Tenho repertório pronto para um novo disco, que negocio com a Kuarup. Algumas músicas são coisas inéditas que guardo do mano", disse José Ramiro Sobrinho, o Pena Branca, referindo-se à obra do irmão Xavantinho.

Radicado em São Paulo, Pena Branca segue fazendo dois tipos de shows. Um em trio, acompanhado pelo baixista Ricardo Zoi e a percussionista Priscila Brigante, e outro com o grupo Viola de Nóis, de Uberlândia. O líder do grupo, Tarcisio Pinto, disse que segue fazendo shows do espetáculo A Viola no Picadeiro, que conta, além de Pena Branca, com a participação de Inezita Barroso. O show é montado com o grupo Pontapé de Teatro e resgata o ambiente de circo, outrora o primeiro palco dos grandes nomes da música caipira no Brasil.

Pena Branca & Xavantinho
Gravadora: Trama
Preço médio: R$ 25,00