Além de ser um dos mais belos documentários sobre músicos já realizados no cinema, "Paixão Segundo Martins" também poderia ser definido como uma história de amor ou mesmo um drama.
É a história de amor de João Carlos Martins por Johann Sebastian Bach e pianos. É o drama de um pianista em permanente luta contra o destino e a dor, que teimam em maltratar seus bens mais preciosos, suas mãos.
Há várias qualidades que tornam imprescindível essa produção franco-alemã de Irene Langemann sobre o maior pianista brasileiro de todos os tempos. Sim, ele foi superior ao que Nelson Freire é embora o estilo sejam totalmente diferentes.
A primeira qualidade é o personagem em si. João Carlos Martins é uma figura tão carismática e brilhante que qualquer período de sua vida poderia ser transformado num documentário em separado.
Suas idiossincrasias durante as gravações; seu jeito louco de ensinar; sua obsessão em treinar ao teclado até 20 horas por dia, inclusive sábados, domingos e feriados; seu prazer pessoal pelo timbre dos pianos Baldwin (e não pelos Steinway); sua coragem em enfrentar tratamentos médicos dolorosíssimos para continuar a tocar mais um pouco... tudo isso poderia ser um filme novo sobre a vida do músico.
A segunda qualidade é a trilha sonora. Afinal, estamos falando não só de um pianista genial, mas também de Bach (1685-1750) --o divisor de águas da música, o engenheiro barroco que não apenas bem temperou o cravo, mas toda a história e significado da composição.
Sem Bach, João Carlos Martins talvez não existisse.
Por fim, o maior dos atrativos do filme: a sinceridade do músico, a forma com que ele abre sua vida e seus sentimentos à câmera, bem como assume seus erros, como o envolvimento de sua empresa Pau Brasil numa das campanhas eleitorais de Maluf, ou seu fracasso emocional em vários casamentos. Nada é omitido.
Ao final, o filme emociona a platéia, que vê como o pianista ainda sente mais dor com o massacre político a que foi submetido do que com as terríveis infiltrações de botox na palma para recuperar movimentos dos dedos de uma só mão, porque a outra já estava "morta”.
João Carlos, então, reivindica justiça não para si, mas para sua obra. E mais que qualquer pessoa, é a música que o absolve. O Brasil ainda deve reconhecimento ao seu talento, significado e obra.