1.6.07

Em Nome de Deus

Meus compadres e comadres: mais essa agora!

Projeto de Lei em trâmite no Senado quer incluir recuperação de templos religiosos na Lei Rouanet. O autor, Marcelo Crivella (PRB-RJ), é sobrinho de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.

Carlos Minuano*

A classe artística e grande parte do setor cultural, depois da polêmica criada recentemente com a Lei de Incentivo ao Esporte, teme agora ter que dividir recursos com as igrejas. A ameaça vem de um Projeto de Lei que tramita no Senado e que propõe incluir os templos religiosos entre os beneficiários da Lei Rouanet de incentivo à cultura. Para o autor da matéria, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), as religiões e seus templos devem ser reconhecidos como elementos do patrimônio cultural. Crivella é sobrinho de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.

A controvérsia espalhou-se rapidamente na internet por meio de diversos textos de protesto que rechaçam a idéia do senador, e ainda na forma de uma petição eletrônica endereçada ao Congresso, pleiteando que a Lei Roaunet continue a ser usada em favor da cultura brasileira e não para “trampolinagens pseudo-religiosas”, conforme argumenta o documento que já teve a adesão de milhares de pessoas. Se o projeto for aprovado, prossegue o texto, “templos de qualquer natureza ou credo religioso também poderão ser beneficiados”.

Procurado por esta reportagem, Crivella, por meio de sua assessoria, afirmou que a emenda apenas sugere uma alteração conceitual. “A religiosidade também é uma manifestação cultural, o texto propõe esse reconhecimento”, observou um assessor que não concordou em ser identificado. O senador, no entanto, parece esboçar um recuo ao pedir atenção para um detalhe do texto que, segundo ele, especificaria que os recursos apenas poderiam ser utilizados em templos do século passado, tombados como patrimônio histórico.

Para a classe artística a defesa apresentada pelo político é uma forma de camuflar a verdadeira intenção. “O que o senador Crivella quer é um absurdo, se fosse realmente para preservação de patrimônio histórico então não seria necessário, já está na lei. Claro que a intenção é de abrir uma brecha”, ressalta Jô Soares. Ele aproveita para reclamar da falta de políticas que tornam o setor cada vez mais vulnerável. “Apesar do Ministério da Cultura estar sob a direção do [Gilberto] Gil, um dos maiores artistas brasileiros, e meu amigo, a atenção dada ao teatro e à classe artística é muito pequena”.

Outra voz indignada com o projeto do senador Crivella é a do ator e autor Juca de Oliveira. Ele observa que os recursos da Lei Rouanet são atualmente insuficientes para as demandas da cultura, e adverte para a as graves mazelas do setor. “Bibliotecas estão sucateadas, obras de arte encontram-se abandonadas em porões de museus, por falta de recursos para recuperação, jovens não conseguem realizar seus sonhos, não me refiro apenas ao teatro, mas à dança, à música e a outros meios de expressão artística, ainda assim o senador quer dar uma ‘mordidinha’ na Lei Roaunet”.

O senador Crivella procura justificar sua idéia afirmando no texto do Projeto de Lei que “nada expressa melhor a formação da cultura brasileira que o caldeamento das diversas religiões, seitas, cultos e seus sincretismos, que, durante séculos, moldaram o processo civilizatório nacional”. Por meio de seus assessores, afirma ainda que os recursos seriam provenientes do mecenato, e que, portanto, não disputariam com a cultura. Para o produtor artístico Nilson Raman, o argumento só indica outro obstáculo a ser enfrentado: as distorções da Lei Roaunet. “Ela foi criada em um tripé: Fundo Nacional de Cultura [FNC], para os projetos que não tem visibilidade comercial; Mecenato para parcerias público-privadas e o Fundo de Incentivo Cultural à Arte [Ficarte], para atender grandes produções. Apesar disso, todos ficam no Mecenato, parece que só existem recursos do Mecenato”. O Projeto de Lei do senador Crivella aguarda para ser votado no plenário do Senado, se for aprovado segue para a Câmara, segundo informações da Subsecretaria de Comissões Permanentes do Senado.

(*) Carlos Minuano é repórter do 100canais - núcleo editorial de jornalismo cultural independente.