12.5.07

A Mãe

"A Mãe", principal obra de Máximo Gorki, completa 100 anos. Além de traços feministas, ela descreve com tintas realistas as convulsões ocorridas na Rússia na primeira década do Século XX.

Em 1907, o escritor russo Máximo Gorki estava refugiado em Staten Island, com a idosa mulher que lhe pariu e resolveu escrever “A Mãe”, um de seus monumentos literários montado em envolventes pilastras sociais.
Descreve de início os costumes, a dura e crua sobrevivência das pessoas num comum bairro operário russo. Em seguida, passa a narrar a saga de uma das famílias. Mikhail Vlassov - chefe de casa - morre. Ficam Peláguea Nilovna viúva e o filho Pavel. A morte do velho não abalou os familiares. Nem a comunidade onde morava, em razão da sua grosseria e rudez, tanto com a mulher quanto com o filho. Fazia mais de dois anos não se falavam. Mikhail era detestado por quantos conviviam com ele, mesmo por breves tempos. Era arruaceiro. Apesar de sua relevante capacidade profissional como serralheiro, a sua ignorância o afastava até dos que precisavam de seus serviços. Por isso, escapava com migalhas financeiras.

Durante boa parte do livro Máximo Gorki deixa, também, a sua marca de inimigo do machismo, embora fosse obrigado a conviver com gente dessa espécie, mas quando tinha oportunidade deixava em seus escritos e ensinamentos, um sutil e comovente protesto.

Diz o famoso escritor Marques Rebelo na apresentação de uma das obras de Gorki, ter nascido o revolucionário russo em Nijni Novgorod - hoje Gorki - a 14 de março de 1868, sob o batismo de Alexei Maximoviche Pechtov, com profundas e compreensivas razões para adotar o pseudônimo literário de Máximo Gorki, com o qual se imortalizaria. É que Gorki em russo significa amargo, amargoso; e amarga como fel tantas vezes, foi a sua vida desde o berço miserável. E até a sua morte, em pleno auge da glória, a 14 de junho, de 1936. Não foi isenta de amargura, quando os médicos que o atendiam teriam sido forçados a aplicar-lhe remédios inadequados , uma espécie de cicuta estatal. É que pelos altos poderes diretivos era olhado sob suspeita de conspirador. Quando não foi mais, durante toda a sua agitada existência, do que um grande e generoso inconformado. Um descontente com a feição que iam tomando os negócios públicos e desejoso de voltar para o estrangeiro, onde tanto tempo estivera, quando negaram-lhe o passaporte – “e tudo isso era conhecido publicamente e discutido em murmúrios”, escreve Trotski em livro de memórias.

Feminismo

Em 1923, por exemplo, quando escreveu seu famoso conto ´O Primeiro Amor´, Máximo Gorki esbanjou solidariedade feminina, ao exteriorizar: ´A maior prova da inteligência que o homem pode dar é saber amar a mulher, adorar a sua beleza; do amor pela mulher nasceu toda beleza do mundo´.
Mas, voltando à família operária russa de “A Mãe”... Salvando-se, mesmo de maneira funesta, da convivência dolorosa do marido, Peláguea Nilovna dedica-se com mais fervor a cuidar do filho Pavel. De tanto se apegar ao jovem, nota - o que não sentira antes - que seu comportamento é diferente dos outros jovens de sua comunidade. Não vai a festa. Entorna bebida uma vez na vida, apesar de viver mais na rua do que em casa. A mãe de Pavel começa a se preocupar com os estranhos – para ela, claro - hábitos do filho. Botando a imaginação e a experiência para trabalharem com mais intensidade, enfrenta crises angustiosas de preocupação, de tanto levantar suposições sobre o afastamento do filho, de sua companhia em casa com mais constância. Numa baixíssima temperatura climática, depois do desjejum da tarde, Pavel recolheu-se a um canto da casa, sob a penumbra de uma lanterna, para ler um livro. A mãe sorrateiramente dele se aproxima, pensando que não estava sendo percebida, de tão embebido na leitura estava o filho. No entanto, Pavel diz logo que está a ler um livro proibido. “Como este já li outros. São considerados perigosos. Por isso, proíbem. E proíbem por dizer a verdade sobre vidas de operários.” De repente a mãe se angustia. O filho explica-lhe com paciência o que havia aprendido da vida dos operários. E informa, também, que alguns de seus amigos da cidade iriam brevemente a sua casa para realizar uma reunião. Desde este dia as reuniões são constantes na casa de Pavel. A mãe, de início, ficou assustada. Mas, depois aclimatou-se e estendeu a admiração e o afeto que tinha pelo filho aos seus demais colegas. Pavel organiza um grupo e passa a ativista profissional, agindo nas fábricas do bairro. Distribuição de panfletos é uma das tarefas mais executadas. Organizam uma greve como ponto alto dessas tarefas, mesmo a época não sendo nada favorável. A repressão do governo czarista agia com violência, como com violência age toda polícia. Numa de suas atividades Pavel foi preso. Mas, solto em seguida. Durante a prisão do filho, Nilovna sentiu no sangue a proposta de Pavel e de seus amigos. E isto resultou no fortalecimento de sua disposição para a luta, transformando-se em ativista, integrando-se ao grupo dos jovens que se mobilizavam clandestinamente no bairro. Peláguea Nilovna passou até a se disfarçar de vendedora de comida para facilitar a infiltração de diversos panfletos nas fábricas, passando com muita malícia e cinismo pela vigilância governista e pelas tropas privadas do patronato.

Realidade e ficção

Na “A Mãe”, Máximo Gorki conta episódios verídicos ocorridos na Rússia, neste período. Relata que alguns dias antes do dia 1° de Maio de 1902, a mãe de Pavel - que já alcançara um elevado grau de consciência política, sob a influência também do filho - passou a cooperar na organização dos movimentos no bairro, a partir da confecção, distribuição de panfletos e cartazes - o que antes fazia ainda recatadamente - afora os cuidados que tomava em advertir aos seus companheiros, para não caírem nas malhas da repressão czarista. “Os manifestos” - narra Gorki –“conclamando os operários a festejar o 1° de Maio eram pregados nos muros e paredes todas as noites; apareciam, até, nas portas de delegacias e eram encontrados diariamente nas fábricas. Todas as manhãs, policiais enfurecidos percorriam o bairro, arrancando e raspando os cartazes roxos das paredes, Mas, à hora do almoço, eles voltavam a voar pelas ruas caindo aos pés dos transeuntes.” No entanto, nem a vigilante repressão czarista, nem a colaboração não oficial, evitaram que o ânimo envolvesse o movimento de 1° de Maio. Uma avalanche operária, comandada pelo grupo de Pavel - um dos mais influentes lideres - esteve presente ao ato popular.

Na “A Mãe” - escrito há cem anos - o grupo de Pavel é identificado como célula do Partido Operário Social Democrata Russo. Com o fortalecimento gradativo da passeata, Pavel dá de cara com as forças da reação. Mas, não se intimida. Porém, a multidão, em pequenos grupos, desvanece. Já os lideres do movimento não arredam o pé e entra em choque com os policiais. Como era de se esperar, após a dispersão da massa, Pavel e seis de seus companheiros são presos. Até o ucraniano Andrei que morava na casa de Pavel e adquirira grande amizade com Peláguea. Após a prisão houve um ato, cuja participação principal foi de Nilovna que falou não somente na defesa do filho, porém demonstrando um ardor pela causa que os jovens serviam.

Precaução

Com medo de que houvesse mais reação com funestas conseqüências à mãe de Pavel, dada a sua impetuosidade e destemor no ato público e por encontrar-se só em casa, os companheiros levaram-na para morar na cidade. A polícia czarista já tinha ido duas vezes a casa da mãe de Pavel. Não a encontrara. Porém, reviraram tudo. Agora, ela poderia ser presa. Diante disso, Peláguea foi morar na casa de Nicolai, ativo militante. Mas, sem deixar de intensificar seu trabalho clandestino pelo partido. Assumiu, inclusive, a responsabilidade de organizar o transporte de jornais, panfletos e manifestos. Prioritariamente, para os camponeses, tornando-se, assim, uma autêntica revolucionária. O livro é fiel ao narrar às convulsões sociais em que a Rússia mergulhou no começo do Século XX, mostrando todo começo do movimento político no bairro operário. De tal maneira que somente um habilidoso, perspicaz e sensível conhecedor da cultura, dos vícios de linguagem, das gírias, mas mazelas, das virtudes, das manias e dos costumes do povo russo, como Máximo Górki, seria capaz de escrever ´A Mãe´ - despertando um grande entusiasmo em quantos o lêem, a partir da história da vida de Peláguea Nilovna.

GERVÁSIO DE PAULO.