23.5.07

Origem da Cantoria, Cantador e da Viola

A nossa poesia popular floresceu em Provença, sul da Franca, no Século XI, através dos trovadores Regréis e Jograis. Na Espanha a poesia floresceu através dos palacianos. Foi em Homero, maior dos rapsodos, cantando as façanhas de Ulisses diante de Circe e do gigante Polifemo, que Virgílio encontrou a fonte inspiradora para a realização de sua obra monumental.

Eram os trovadores da Provença, que levaram a alegria aos senhores feudais, enclausurados nos seus castelos de guerra. Enfim, foi Dom Diniz, maior monarca da Dinastia de Borgonha, que se proclamou discípulo dos provinciais, em suas cantigas de amigo e de amor. Todavia, ninguém melhor do que o poeta Antônio Ferreira, de Portugal, falou de sua grandeza, quando disse: Regeu, edificou, lavrou, venceu, honrou as musas, poetou e leu".

A fusão da poesia local portuguesa com a poesia dos Trovadores Jograis de Provença fez surgir novas formas poeticas de linguagem de seus famosos poetas: João Soares de Paiva, Paio Soares de Traveiros e outros. "Mas, coube ao Brasil o privilégio do aparecimento do legitimo cantador de viola, com Gregório de Matos Guerra, que deixava a Universidade de Coimbra fazendo verso de protesto a direção daquele estabelecimento de ensino. Nascido na Bahia, no Sec. XVII e o primeiro doutor brasileiro. Seguido pelo Padre Domingos caldas Barbosa, que, também, improvisava ao som da viola".

A poesia, atravessando a fase colonial, veio alcancar seu apogeu na pequena Paraíba de Augusto dos Anjos e de José Américo, pois quiseram as divindades do Olimpo que, naquele torrão, bendito pelas sacrossantas musas di longinquo parnaso, nasceram os maiores cantadores que tem notícia na história do folclore nacional.

"No Nordeste, os jesuítas catequizavam por meio da poesia por ficar mais fácil de conservar a mensagem na memória, seguindo assim o estilo da Grécia Antiga".

Ninguém melhor do que o cantador, pode sentir a variedade de quadros de que o cotidiano nos apresenta. Traz dos sertões para as cidades o retrato da natureza, na sua expressão criadora, bem como o do rigor que castiga dentro de suas leis imutáveis.

No entender de alguns estudiosos (intelectuais) o cantador tem uma imagem completamente distorcida da sua formação verdadeira. Isto porque já foi registrada a presença de cantadores caracterizados de vaqueiros, por incumbência de pessoas que fazem folclore com pouca profundidade no assunto. Então havemos de concluir que o cantador, o legítimo repentista, é o mais feliz dos imortais, porque seu mundo não é o da maldade, não é do egoísmo, e, sim, o doce paraíso das imaginações criadoras. Citaremos a sábia e patriótica expressão de Antônio Girão Barroso, conhecido escritor cearense: "Ai do país que abandona as raízes da cultura".

A cantoria de versos improvisados ao som da viola é uma arte que floresceu no meio rural do Nordeste, especialmente no sertão, e que só aos poucos vem conquistando público das grandes cidades. A razão principal desse fato e possivelmente, o número crescente de pessoas que se deslocam do interior para as metrópoles em busca de melhores condições de vida, e levando consigo hábitos culturais profundamente enraizados.

No início do século passado, "a figura tradicional do cantador era a do indivíduo de inteligência aguda, escassas condições financeiras, muitas vezes analfabetos ou pouco letrados, cantando de feira em feira seus versos* geniais que garantiam a própria subsistência".

Embora o tema - nomes e datas fundamentais em torno dos poetas populares no Nordeste - já tenha sido rastreado por numerosos autores, vamos resumir o que Atila de Almeida condensou, a propósito, em recente ensaio intitulado "Réquiem para a Literatura Popular em Verso*, também dita de cordel", in "Correio das Artes", João Pessoa, 01.08.1982.

"1830 é considerado, historicamente, o ponto de partida da poesia popular nordestina. Em torno dessa data nasceram Hugolino do Sabugi - o primeiro cantador que se conhece - seu irmão Nicandro, ambos filhos de Agostinho da Costa, o Pai da Poesia Popular". (4).

Nascidos na Serra do Teixeira (PB), entre l840 e 1850, foram seus contemporâneos os poetas Germano da Lagoa, Romano da Mãe D'Agua e Silvino Pirauá. E já contemporâneos destes, Manoel Caetano e Manoel Cabeleira. São os mais antigos cantadores conhecidos, todos chegando a década que se iniciou em 1890. A década que começou em 1860 viu nascer grandes nomes, como João Benedito, José Duda e Leandro Gomes de Barros. Mais adiante, na década que se iniciou em 1880, nasceram Firmino Teixeira do Amaral, João Martins de Ataíde, Francisco das Chagas Batista e Antônio Batista Guedes.

Diferente do que acontecia em qualquer parte do Brasil, sabe-se que no Nordeste, o cantador independia de acompanhamento. No fim de cada pé, terminando-se cada linha do verso, dava um arpejo na viola ou rebeca. Entre um verso(estrofe) e o seguinte, entoado pelo antagonista executava-se algum trecho musical, alguns compassos.

"Os velhos cantadores do sertão nordestino do Brasil só tocavam as violas ou soavam os pandeiros nos intervalos dos cantos. Desafio simultaneamente acompanhado da viola é posterior a 1920".

"Nossos repentistas, cantadores e poetas populares, foram, no entanto, até cerca de 1920 ou de 1930, uma expressão de intelectuais dos sítios, das fazendas, das vizinhanças, do mundo em que vivera. Os desafios dos violeiros são tão velhos quanto o mundo".

A rabeca, como as demais criações do homem, tem sua presença marcante desde sua criação, até os dias atuais. A rabeca é um instrumento de caráter onomatopáico, embora haja quem lhe atribua origem germânica. É a designação genérica de uma família de instrumentos de corda, tocados com arco de crina, produzindo som mais melancólico, menos claro e de timbre nasal.

O primeiro instrumento do cantador sertanejo parece ter sido a viola, menor que o violão (guitarra espanhola), do qual não há notícia, entre nós, antes do Sec. XVIII. A viola de pinho, viola de arame, com cinco ou seis cordas duplas, é citada entre outros aqui, pelo Padre Fernão Cardim. Antigamente, depois de cada vitória o cantador amarrava uma fita colorida em suas cravelhas*.

Entre os poetas populares, ainda preserva-se algumas supertições quanto ao uso da viola. Diz-se que esse instrumento sofre a influência da lua. Na lua nova e na força da lua não se guarda viola afinada, porque ela pode ficar corcunda, entortar e rebentar as cordas. Madeira para viola deve ser cortada nos meses que não tem "r": maio, junho, julho e agosto, e na minguante, para nunca apanhar caruncho.

Há um certo consenso entre os cantadores, que o repentista que se preza não carrega viola debaixo do braço, e sim, na mão, segurando-a pelo braço. A viola é uma mulher e quem sai com ela na rua, a leva de braço dado. A axila é lugar de escorar a muleta e não a viola, que carregada debaixo do braço fica reumática, não afina mais, fica mancando das cordas.

A viola foi difundida na Europa no Sec. XIV. Ela surgiu depois da rebeca medieval e antes da atual família de violinos. É possível que tenha sido o primeiro instrumento de cordas que o Brasil conheceu, importado de Portugal. Os jesuitas a empregavam nos seus trabalhos de catequese junto com o pandeiro, tamborim e a flauta de madeira.

Lendo a antologia de nossos poetas populares, constatamos que somente três cantadores, não apropriavam-se do recurso da viola: Ignácio da Catingueira (Manoel Luis de Abreu), negro, ex-escravo; e Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha), norte-riograndense, que cantaram no século passado, utilizando um pandeiro e Cego Aderaldo(Aderaldo Ferreira de Araujo), que cantava acompanhado ao som de sua rabeca.

A cantoria quase sempre dura duas horas, as vezes até noites inteiras. Geralmente, o desafio se desenrola num tremendo duelo, numa verdadeira briga poética, cuja arma o verso rápido, gracioso e pitoresco, cheio de vivacidade e vigor. Os cantadores do Ceará e dos estados nordestinos, diferem muito dos cantadores de outras regiões do país, pelas modalidades que adotam e pela melodia que acompanham os seus repentes, ao calor das pelejas.

"Nas festas populares, nos festejos folclóricos é indispensável".

Pescado do portal "Cantoria, Versos e Viola"