15.4.07

Arte e Educação (3)

E AÍ, PROFESSOR?

Quem ensina Arte na escola? Esta é mais uma pergunta aparentemente óbvia, mas não é. A arte não chega à escola somente pelas mãos dos professores de Arte. Ao contrário, cada vez mais temos assistido a programas de governo, de ONGs, de fundações e instituições levando arte para dentro das escolas e, muitas vezes, alijando o professor de Arte do processo. A arte tem chegado às escolas pelas mãos e pés de voluntários, de “amigos da escola”, de artistas ou amadores nas “escolas abertas”, nos “recreios nas férias”, nos festivais e programas promovidos pelas próprias Secretarias de Educação.

É louvável que a comunidade esteja cada vez mais participando das atividades das escolas. Aliás, esta abertura dos portões escolares estabelece vínculos e diálogos de extrema importância para o trabalho pedagógico. Não estamos, portanto, excluindo da escola a participação digna, justa e muito interessante dos artistas, dos pais, dos amigos e das instituições que trabalham com arte na sociedade. No entanto, ao pensarmos sobre a função da arte na escola como forma de conhecimento, os voluntários, os artistas, os bem intencionados em geral, não deveriam ocupar o lugar do profissional professor de Arte.

Muitas vezes, esta confusão de papéis vem pelas mãos dos próprios gestores, diretores e coordenadores de escola que se encantam com a magia e o glamour dos artistas, com a disposição genuína dos voluntários ou com a generosa participação da comunidade, esquecem-se, porém, de avaliar a competência artístico-pedagógica dos mesmos. Outras vezes, a arte entra na escola por programas das Secretarias de Educação que patrocinam cursos, festivais e atividades de arte na escola até mesmo sem a presença ou opinião do professor de Arte e, portanto, sem continuidade no currículo escolar. Noutros casos ainda, pasmem, os próprios professores abdicam de suas funções pedagógicas e chamam artistas e voluntários para ministrar aulas, ficando alheios ao processo de ensino-aprendizagem ao qual seus alunos estão sendo submetidos.

Qual é realmente o papel do professor dentro da escola? O que o diferencia dos artistas e dos voluntários da arte na educação?

Em primeiro lugar, pensamos que o professor conhece a escola – ou deveria conhecer - sua dinâmica cotidiana, dificuldades, entraves e, sobretudo, suas possibilidades. O professor, diferentemente dos membros da comunidade, vive e respira o cotidiano escolar, tem a cumplicidade e o compromisso necessários para implementar projetos, dialogar com a comunidade e de acompanhar as relações entre processos e produtos de seus alunos.

Em segundo lugar, cabe ao professor, e não ao artista, a organização do currículo a ser trabalhado na escola durante o ano e durante os ciclos. É o professor que deveria saber diferenciar programas e projetos com continuidade e significado de um conjunto de atividades mal amarradas ou de espetáculos alheios ao projeto político-pedagógico da escola.

Somente o professor foi – ou deveria ter sido - preparado para estabelecer relações no tempo e no espaço entre arte, indivíduo e sociedade por meio de metodologias de ensino apropriadas. O ensino de Arte na escola não se dá por meio de colagens de “atividades que deram certo”, “que prenderam os alunos”, de atividades isoladas de qualquer contexto estético e social contemplado pelo planejamento do professor. É o professor que estabelece, enfim, relações entre a Arte e as outras formas de conhecimento trabalhadas na escola, problematizando, criticando e transformando estas relações. Espetáculos e aulas de técnicas diversas jogados dentro da escola por artistas, amadores, voluntários, pagos ou não pelo dinheiro público não cumprem esse papel.

É ainda papel do professor, e não de instituições desvinculadas da escola, conhecer a comunidade, o entorno da escola, e construir pontes entre a produção artística local e a instituição de ensino. Mais além, cabe ao professor, e não aos voluntários e organizadores de festas e festivais isolados, tecer redes significativas entre a arte local e a universal, entre o cotidiano dos alunos e as linguagens artísticas produzidas na escola e na sociedade.

Para isso, o professor precisa de autonomia para trabalhar e desenvolver seus projetos nas escolas e, claro, fazer jus a esta autonomia com compromisso, atualização, freqüentação e competência artística e pedagógica.

Vale, mais uma vez, perguntar: o professor está preparado e tem tido condições de trabalho para exercer dignamente seu papel? As escolas – e principalmente a arte na escola – não continuam sendo vítimas de descaso por parte dos poderes públicos? Pois é justamente esse descaso e a falta de estrutura das escolas que abrem portas para a entrada de todo tipo de colaboradores pretendendo trazer arte para a escola.

Os “amigos”, os voluntários, a comunidade podem levar arte para a escola, mas não podem ignorar e/ou substituir, por falta de competência específica para tanto, o trabalho do professor de Arte. Assim, torna-se também trabalho do professor de Arte articular a atuação desses “amigos” dentro do seu planejamento, da sua metodologia e do projeto político-pedagógico da escola.

Cabe-nos, sim, não dispensar esta colaboração, mas repensar urgentemente o papel do voluntário amador, do artista voluntário ou pago, dos pais, das ONGs na construção de conhecimento em Arte dentro das escolas. Mas é, definitivamente o professor o grande interlocutor entre o conhecimento e os alunos, entre a arte, o ensino e a sociedade.

Isabel Marques e Fábio Brazil, professores e artistas, dirigem o CALEIDOS ARTE E ENSINO em São Paulo, capital, ministrando cursos e prestando assessoria a secretarias de educação, escolas públicas e privadas nas áreas de dança e poesia.

Pescado do Portal Carta Maior