12.4.07

O reconhecimento tardio de Cartola

Na última sexta-feira (6) estreou o documentário “Cartola”, que retrata a vida e a poesia do sambista carioca do morro da Mangueira, autor de belas canções como “O Mundo é um Moinho” e “As Rosas não Falam”.

O reconhecimento tardio parece ser o destino do sambista carioca Cartola, autor de canções como As Rosas não Falam e O Mundo é um Moinho. Seu primeiro disco foi gravado em 1974, quando Cartola completou 66 anos. Agora, quase 30 anos depois de sua morte, surge o primeiro documentário com a intenção de contar as origens e narrar a poesia do maior sambista do morro da Mangueira.

Dirigido pelos pernambucanos Lírio Ferreira e Hilton Lacerda (leia entrevista), Cartola estreou na sexta-feira (6) nos cinemas brasileiros. O filme tem um ritmo dinâmico, repleto de fragmentos de gravações antigas do sambista.

O cineasta Ferreira avalia este documentário como mais “ficcional”, em termos de colagem e superposição de imagens, do que Baile Perfumado (seu primeiro longa-metragem). “Isso faz do filme algo sutil, o que não quer dizer que ele não seja verdadeiro”, ressalta.

A abertura, com o enterro de Cartola, faz uma menção à obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor Machado de Assis. Machado faleceu no mesmo ano em que o sambista nasceu, em 1908. “É quase uma passagem de bastão entre os dois artistas”, divaga Lacerda.

Apesar de haver concluído apenas o primário, Cartola - cujo nome verdadeiro era Angenor de Oliveira - compôs mais de quinhentas canções e criou a escola de samba Estação Primeira de Mangueira, em 1928.

O filme tem cenas de diversos intérpretes das canções de Cartola, como Beth Carvalho e Elza Soares. Há entrevistas com artistas e intelectuais, como Cacá Diegues, Zé Kéti e Elton Medeiros. Carlos Cachaça, o melhor amigo de Cartola, tem uma participação significativa no documentário. Cachaça faleceu em agosto de 1999, onze anos antes que o filme, cujo nome inicial deveria ser Peito Vazio, ficasse pronto.

“A voz de Cartola é uma voz que vem da periferia”, explica Lacerda, referindo-se ao Rio de Janeiro da primeira metade do século XX. Naquele tempo, o samba estava marginalizado e a participação dos negros no meio artístico era restrita. Para o cineasta pernambucano, a atitude de Cartola, Moreira da Silva e outros sambistas tem grande valor, porque eles “desceram do morro e fizeram uma arte transformadora”, que acabou sendo aceita. Hoje, ela é consumida e cultuada pela classe média.

Há uma linha de documentários recentes que parecem retratar a música brasileira. É como se o cinema nacional olhasse para o passado recente do Brasil, em busca de uma identidade cultural, e alimentasse um culto a intelectuais e artistas pouco conhecidos dos jovens que nasceram depois da década de 1980.

É o caso do filme Vinícius, dirigido por Miguel Faria Júnior em 2005; de Meu Tempo é Hoje, que conta a história de Paulinho da Viola e foi gravado em 2003; também do documentário Outros (doces) Bárbaros, gravado em 2004; e do docudrama Elis, exibido pela TV Globo em 2006. Neste sentido, Cartola não foge à regra.

A cena mais tocante de todo o documentário talvez seja quando o sambista interpreta a música Nós Dois, feita em homenagem à sua esposa, dona Zica, na semana em que eles se casaram. Sob o olhar apaixonado de sua mulher, Cartola entoa os primeiros versos: “Está chegando o momento de irmos pro altar, nós dois...”.

Lírio Ferreira ressalta que há muito material gravado que acabou não sendo incorporado à edição. “Há principalmente entrevistas”, diz ele, referindo-se à gravação de Elton Medeiros, que durou mais de quatro horas, e às cenas com outros entrevistados. “Este excesso de material deve estar em um futuro lançamento em DVD”

Fotos: cena do filme
Rafael Sampaio – Carta Maior